A “Relação após a discussão” sugere os temas para preparar os documentos finais do sínodo sobre a família
Por Isabella Piro
Paciência e delicadeza com as famílias feridas. Não à lógica do “tudo ou nada”: esta foi a reflexão central da “Relação após a discussão”, do sínodo extraordinário sobre as famílias, apresentada na manhã desta segunda-feira, 13 de outubro, pelo relator geral da Assembleia, o cardeal Peter Erdö. Foi anunciado também o tema do próximo Sínodo geral ordinário, que acontecerá de 4 a 25 de outubro de 2015: “A vocação e a missão da família da Igreja no mundo contemporâneo”.
É preciso escutar o contexto sócio-econômico em que vivem as famílias hoje; confrontar com as perspectivas pastorais, e sobretudo é preciso olhar para Cristo. Após uma semana de intensos trabalhos no Vaticano, a “Relação após a discussão” sugere os temas para preparar os documentos finais da Assembleia.
A família é: realidade “decisiva e preciosa”, “ceio de alegrias e de provas, de afetos profundos e de relações às vezes feridas”, “escola de humanidade”, antes de tudo é escutada na sua “complexidade”. O individualismo exacerbado, a “grande prova” da solidão, “a afetividade narcisista”, ligada à “fragilidade” dos sentimentos, “o pesadelo” da precariedade trabalhista, junto a guerra, terrorismo, migração, deterioram sempre mais as situações familiares. É aqui que a Igreja deve dar “esperança e sentido” à vida do homem contemporâneo, fazendo-o conhecer mais “a doutrina da fé”, mas propondo-a “junto da misericórdia”.
O olhar de Cristo, que “reafirma a união indissolúvel entre homem e mulher”, permite também de “ler em termos de continuidade e novidade a aliança nupcial”. O princípio – explica o cardeal Erdö – deve ser aquele da “gradualidade” para os cônjuges de casamentos falidos, em uma “perspectiva inclusiva” para as “formas imperfeitas” da realidade nupcial.
Ocorre, portanto, uma “dimensão nova da pastoral familiar”, que saiba nutrir as sementes em maturação, como aqueles casamentos civis conotados de estabilidade, afeto profundo, responsabilidade para com os filhos e que possam levar ao vínculo sacramental. Muitas vezes as convivências, ou as uniões, não são ditadas por um “rejeição dos valores cristãos”, mas pelas exigências práticas, como a espera de um trabalho fixo. Verdadeira “casa paterna”, “luz em meio ao povo” – continua o purpurado – a Igreja precisa acompanhar “com paciência e delicadeza”, “com atenção e cuidado os seus filhos mais frágeis, aqueles marcados pelo amor ferido e perdido”, dando a eles “confiança e esperança”.
Em terceiro lugar, a “Relação após a discussão” assinala também a concretização de medidas pelas Igrejas locais, sempre em comunhão com o Papa. Em primeiro lugar tem “o anúncio do Evangelho da família”, para atuar não para “condenar, mas para guiar a fragilidade humana”. Tal anúncio aborda também os fiéis.
“Evangelizar é responsabilidade partilhada por todo o povo de Deus, cada um segundo o próprio mistério e carisma. Sem o testemunho alegre dos cônjuges e das famílias, o anúncio, mesmo se correto, corre o risco de ser incompreendido, ou de afogar no mar de palavras que caracteriza a nossa sociedade (cf. Novo Millennio Ineunte, 50). As famílias católicas são chamadas a ser elas mesmas os sujeitos ativos de toda a pastoral familiar.” (Relatio post disceptationem).
O Evangelho da família é a “alegria”, ressalta o cardeal Erdö, e por isso requer “uma conversação missionária”, ao ponto de não parar em um “anúncio meramente teórico", mas deve estar "vinculado aos problemas reais das pessoas”. Ao mesmo tempo é necessário agir também sobre a linguagem.
“A conversão precisa ser aquela da linguagem para que resulte efetivamente significativa. (…) Não se trata somente de apresentar uma normativa, mas de propor valores, respondendo à necessidade constatada hoje também nos países mais secularizados.”
É essencial, pois, uma “adequada preparação ao matrimônio cristão”, porque este não é somente “uma tradição cultural, ou uma exigência social”, mas “uma decisão vocacional”. Sem “complicar os ciclos de formação”, o objetivo é o de “andar em profundidade”, não limitando-se a “orientações gerais”, mas renovando também “a formação dos presbíteros” sobre o tema, graças ao envolvimento das próprias famílias, nas quais o testemunho vai “privilegiado”. O acompanhamento da Igreja é sugerido também após o matrimônio, período “vital e delicado” em que os cônjuges amadurecem a consciência do sacramento, o seu significado e os desafios que esse comporta.
Da mesma maneira, a Igreja – continua a Relação – deve encorajar e sustentar os leigos engajados na cultura, na política e na sociedade, para que não falte a denúncia daqueles fatores que impedem “a autêntica vida familiar, determinando discriminações, pobreza, exclusão e violência”.
Olhando os separados, divorciados e aqueles que se casaram novamente, o cardeal Erdö ressalta que “não é sábio pensar em soluções únicas, ou inspiradas na lógica do ‘tudo ou nada’”; o diálogo deve continuar, por isso, nas Igrejas locais, “com respeito e amor” por cada família ferida, pensando em quem sofreu injustamente o abandono do cônjuge, evitando atitudes discriminatórias e tutelando as crianças.
“É indispensável se encarregar de maneira leal e construtiva das consequências da separação ou do divórcio sobre os filhos: esses não podem se tornar um ‘objeto de disputa’, e são buscadas as melhores formas para que possam superar o trauma da cisão familiar e crescer da maneira mais serena possível."
Em relação à simplificação dos procedimentos para o reconhecimento da nulidade do matrimônio, o relator geral do Sínodo lembra as propostas que surgiram: superar a obrigação do duplo julgamento em conformidade, determinar a via administrativa em nível diocesano, iniciar um julgamento sumário em casos de nulidade notória, mas também dar relevância à fé dos noivos para reconhecer a validade do vínculo. Tudo isso requer – ressalta o purpurado – pessoal clérigo e preparo adequado dos leigos, e uma maior responsabilidade dos bispos locais.
Quanto ao acesso ao sacramento da Comunhão para os divorciados que se casaram novamente, a Relação elenca as principais sugestões do Sínodo: manter a disciplina atual; atuar numa maior abertura para casos particulares, insolúveis sem novas injustiças, ou sofrimentos; ou optar pela via “penitencial”.
“O eventual acesso aos sacramentos deve ser precedido de um caminho penitencial – sob a responsabilidade do bispo diocesano -, e com um compromisso claro em favor dos filhos. Trata-se de uma possibilidade não generalizada, fruto de um discernimento atuado caso por caso, segundo uma lei de gradualidade, que tenha presente a distinção entre estado de pecado, estado de graça e circunstâncias atenuantes.”
Permanece aberta a questão da “comunhão espiritual”, pela qual vem exortado um maior aprofundamento teológico, assim como pedida uma maior reflexão sobre casamentos mistos e os “problemas graves”, ligados a diversas disciplinas nupciais das Igrejas ortodoxas. Quanto às pessoas homossexuais, foi ressaltado que essas têm “dons e qualidades a oferecer à comunicada cristã”: a Igreja seja para eles “casa aconchegante”, permanecendo firme o “não” às uniões homossexuais e às pressões de organismos internacionais que ligam as ajudas financeiras à introdução de normativas inspiradas a ideologia de gênero.
“Sem negar as problemáticas morais conexas às uniões homossexuais, reconhece-se que existem casos onde o mútuo sustento até o sacrifício constitui um apoio precioso para a vida dos parceiros. Além de que a
Igreja tem atenção especial em relação às crianças que vivem com casais do mesmo sexo, reiterando que em primeiro lugar são colocadas sempre as exigências e os direitos dos pequenos.”
Nas últimas partes, a Relação retoma os temas da Encíclica Humanae Vitae de Paulo VI e se concentra sobre questões de abertura à vida, definindo-a “exigência intrínseca do amor conjugal”. Daqui a necessidade de uma “linguagem realista” que saiba explicar “a beleza e a verdade” de se abrir ao dom de um filho, também graças a um “adequado ensinamento em relação aos métodos naturais de regulação da fertilidade” e a uma “comunicação harmoniosa e consciente entre os cônjuges, em todas as suas dimensões”. Central também o desafio educativo, onde a Igreja tem “uma tarefa preciosa de sustento” para com as famílias, para sustentá-las nas escolhas e nas responsabilidades.
Enfim, o cardeal Erdö ressalta que o diálogo foi feito “em grande liberdade e em um estilo de recíproca escuta” e recorda que as reflexões propostas até agora não são decisões já tomadas: o caminho, de fato, prosseguirá.