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A misericórdia defendida pelo papa Francisco: solução para impasses do sínodo?

Pope Francis – General Audience 15-10-2014 – 02 – Antoine Mekary – pt

© Antoine Mekary / Aleteia

Catherine Ruth Pakaluk - publicado em 18/10/14

Sanar divisão entre esquerda e direita: crescemos tão acostumados a essa visão que tudo o que conseguimos hoje é apertar os olhos por trás das nossas cansadas lentes da divisão

Existe uma impressionante relação entre as mamães, os bebês e os odores corporais. Um interessante estudo publicado no ano passado pela "Frontiers of Psychology" confirmou pesquisas anteriores e mostrou que os odores constituem estímulos comportamentais positivos particularmente fortes para as mães humanas; reciprocamente, "os bebês também são altamente reativos aos odores maternos". O estudo concluiu que os odores corporais funcionam como um “catalisador” para a ligação entre a mãe e o bebê.

Neste contexto, é fascinante observar que o mesmo papa que tanto sublinha a importância da maternidade da Igreja também convida a Igreja a, precisamente, "ter o cheiro das ovelhas" (Evangelii Gaudium, 24). Francisco diz que uma igreja evangelizadora "se ajoelha para lavar os pés", "se envolve", "estende pontes para diminuir as distâncias", "se abaixa quando é necessário", "abraça a vida humana e toca na carne do sofrimento dos outros".

Como é que a Igreja pode desenvolver cada vez mais essas características? Francisco acredita que o caminho é a misericórdia. No coração da Evangelii Gaudium, ele cita o Doutor Angélico: "Tomás explica que, no tocante às obras externas, a misericórdia é a maior de todas as virtudes: ‘em si, a misericórdia é a maior das virtudes, uma vez que todas as outras giram em torno dela e, mais do que isso, ela supre as suas deficiências’" (Evangelii Gaudium, 37). Ao passar às consequências pastorais deste caminho da misericórdia, o papa diz que, “quando falamos mais da lei do que da graça”, temos como resultado um desequilíbrio, no qual a nossa mensagem deixa de ter “a fragrância do Evangelho” (EG, 38-39).

Numa época de confusão quase universal sobre Deus e sobre o ser humano, como é que vamos transmitir uma mensagem de graça e de misericórdia sem negligenciar o magistério da Igreja? Afinal, existem pelo menos duas “dificuldades”.

A primeira dificuldade é que o magistério muitas vezes “ofende” por si só, especialmente em assuntos de casamento e família. A mera enunciação daquilo em que acreditamos já é sentida como um ataque contra as pessoas que vivem de forma diferente. Abre-se uma distância acentuada entre nós, quando deveríamos promover um vínculo materno muito próximo. Como é que podemos ter o cheiro das ovelhas se as ovelhas cheiram a algo que vai contra a natureza humana?

E a segunda dificuldade é o fato de que falar mais sobre a graça e o perdão do que sobre a lei parece implicar um risco moral em todos os contextos comuns: por que não haveria esse risco também nas questões espirituais? Não há uma resposta fácil para isto. A única coisa que podemos dizer, fazendo uma avaliação sóbria, é que existe uma notável postura, entre as pessoas, de dar a graça por certa: as pessoas procuram se nutrir dela sem pensar no preço do Cristo crucificado.

São questões difíceis. Neste sentido, o papa está nos levando a resolver uma “dificuldade” relativa à missão evangelizadora da Igreja. "Dificuldade" é diferente de "dúvida". Duvidar é questionar se uma coisa pode ser feita. Já a dificuldade consiste em questionar como essa coisa será feita. A dificuldade parte da fé e se pergunta pelos meios, enquanto a dúvida pressupõe os meios e questiona a fé.

Eu suspeito que é isso o que o papa Francisco espera do sínodo: um trabalho árduo em cima de um caminho de misericórdia, aplicado à crise humanitária mais urgente dos nossos dias: o fracasso epidêmico em viver o casamento e a família de maneira coerente com o autêntico florescimento humano.

Vamos considerar as seguintes linhas introdutórias ao documento de trabalho do sínodo:

“Esta ênfase na misericórdia tem tido um grande impacto inclusive nas questões relativas ao casamento e à família, na medida em que, longe de qualquer tipo de moralismo, ela confirma a perspectiva cristã sobre a vida e abre novas possibilidades para o futuro, independentemente de limitações pessoas ou de pecados cometidos. A misericórdia de Deus é uma abertura para uma contínua conversão e um contínuo renascimento” (Prefácio, Instrumentum Laboris).

O que estas linhas confirmam é que o sínodo quer trabalhar em cima da tensão pastoral entre a lei e a graça via misericórdia. A esta luz, podemos fazer a seguinte analogia: assim como o Vaticano II propôs uma postura do ecumenismo depois de séculos de guerras religiosas, talvez esta explícita "ênfase na misericórdia" esteja se posicionando como resposta às reais e dolorosas guerras culturais das últimas décadas e ao "desmoronamento" dos padrões de vida familiar mais do que a qualquer outro fator político ou ideológico.

Pode ser que o Santo Padre seja, no fundo, um revolucionário em busca de um novo tipo de ecumenismo para sanar a divisão entre esquerda e direita. Nós crescemos tão acostumados a essa visão que tudo o que conseguimos hoje é apertar os olhos por trás das nossas cansadas lentes ​​da divisão – e é através dessas mesmas lentes cansadas que enxergamos o próprio sínodo. Mas este não é um caminho sábio. A Igreja não pode ser compreendida por meio de categorias do caos humano. Ela é, isto sim, a única salvação do caos: a única instituição que pode, com credibilidade, prometer um caminho para a unidade.

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