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Papa Paulo VI: trajetória do beato

Pope Paul VI was pope from 1963-1978 – pt

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Vatican - publicado em 19/10/14

“Timoneiro do Concílio Vaticano II”, que soube “dar a Deus o que é de Deus”

O Papa Francisco beatificou neste domingo o Papa Paulo VI, durante uma Missa celebrada na Praça São Pedro, na presença de 70 mil pessoas. Esta é a trajetória de Paulo VI:

Giovanni Battista Montini nasceu em Concésio (Bréscia), a 26 de Setembro de 1887, tendo como Pais o Dr. Giorgio Montini e D. Giuditta Alghisi, e foi baptizado, na igreja paroquial, pelo Arcipreste Giovanni Fiorini, a 30 de Setembro, sendo padrinho o Advogado Enrico Manioni.

O exemplo do pai e mãe, animadores de um ambiente onde o afecto familiar e a coerente prática da vida cristã eram profundamente harmonizados, inclinou-o à severidade para consigo mesmo e à compreensão para com os outros, dando, em todas as coisas, a preeminência absoluta à razão do espírito. Têmpera de dirigente e de apóstolo, o pai, Advogado Giorgio, deixou a marca da sua personalidade em todas as obras católicas. Por longos anos, Presidente das organizações católicas da sua Bréscia, Director, durante 25 anos, do jornal "Il Cittadino" de Bréscia, foi Conselheiro comunal e provincial, e Assessor durante o período da Primeira Grande Guerra Mundial. Por confiança do Papa Bento XV, colocaram-no à frente da União Eleitoral dos Católicos italianos, da qual foi o último Presidente. Eleito Deputado ao Parlamento pelo Partido Popular manteve o mandato por três legislaturas. Não menos fervorosa e activa, Giuditta Alghisi, Senhora de virtudes cristãs exemplares, teve também parte preponderante no apostolado religioso e leigo, como Presidente das Senhoras Católicas de Bréscia.

No dia 6 de Junho de 1907, Giovanni Battista Montini recebia, em Bréscia, a primeira comunhão, na Capela das Irmãs de Maria Manina, e, no dia 21 de Junho, pelo Bispo diocesano D. Giacomo Pellegrini, era-lhe conferido o Sacramento do Crisma — sendo padrinho o Senhor Battista Salvi — na Capela do Colégio Cesar Arici, dos Padres Jesuítas, onde seguiu os estudos elementares.

No mesmo Colégio, seguiu também os estudos liceais, tendo como Reitor o P. Giuseppe Marini, S.J., e como mestres os Padres Costarti, Baratta e Persico. Razões de saúde impediram-no de prosseguir, no Instituto, as classes liceais, já iniciadas. Depois de haver continuado particularmente os estudos, conseguiu o diploma do corso secundário em 1916, no liceu "Arnaldo da Bréscia". Uma foto de Setembro de 1919 mostra-o com alguns universitários, em Roma, à volta dos dirigentes da FUCI, que, com Mons. Giandomenico Pini, em seguida à reunião de Montecassino, reorganizavam as fileiras, após o período bélico. Era, então, já havia dois anos, estudante externo do Seminário de Bréscia, onde fora admitido e onde tinha como mestre Mons. Mosè Tovini. Das mãos de D. Defendente Salvetti recebeu, em 21 de Novembro de 1919, a batina eclesiástica e, também, a sagrada Tonsura.

Na Catedral de Bréscia, a 29 de Maio de 1920, era ordenado Sacerdote pelo Bispo diocesano, Sua Ex.cia Rev.ma D. Giacinto Gaggia, e celebrava a sua primeira Missa no Santuário das Graças de Bréscia.
Como coroa dos estudos eclesiásticos, conseguia, na Pontifícia Faculdade de Direito do Seminário de Milão o doutoramento em Direito Canónico, discutindo uma tese de direito privado. Teve, em tal ocasião, entre os examinadores, o então Secretário da mesma Faculdade, Mons. Adriano Bernareggi, luminosa figura de estudioso, de sacerdote e, a seguir, de Bispo, na Diocese de Bérgamo.

Na Gregoriana e na Academia Eclesiástica

No mesmo ano de 1920, o seu Bispo enviava-o a Roma, para o Seminário Lombardo, havia pouco reaberto sob a direcção de Mons. Ettore Baranzini, depois — e ainda agora Arcebispo de Siracusa. O Padre Giovanni Battista Montini era ali admitido como aluno, em 10 de Novembro de 1920, e iniciou os estudos filosóficos na Universidade Gregoriana, frequentando também cursos da Faculdade de Letras da Universidade de Roma. No ano seguinte, o então Substituto da Secretaria de Estado, Mons. Pizzardo, chamava-o para a Academia Eclesiástica, e levava-o a iniciar os estudos de Direito Canónico na Universidade Gregoriana. Por alguns meses, teve de interromper os estudos, quando, em Maio de 1923, foi enviado, como Adido, para a Nunciatura Apostólica de Varsóvia, de que era titular Sua Ex.cia D. Lorenzo Lauri e Auditor, Mons. Carlo Chiarlo.

No Outono, chamado a Roma, recomeçou os estudos na Academia Eclesiástica, para entrar, depois, em Outubro de 1924, no serviço regular da Secretaria de Estado, de que era nomeado Minutador, em Abril de 1925.

Neste momento, como precioso enriquecimento de experiência sacerdotal, no campo que lhe era predilecto, da cultura, inseria-se, na sua vida, uma nova e singular responsabilidade, quando, era 1924, sob proposta de Mons. Pizzardo, era confiada ao jovem Sacerdote a assistência espiritual do Circolo Romano da FUCI (Federação Universitária Católica Italiana), que o estimularia a um construtivo trabalho de Acção Católica, durante um decénio.

No Outono de 1925, depois do Congresso nacional italiano Universitários Católicos, era nomeado, por Sua SantidadePio XI, Assistente Eclesiástico Nacional, sucedendo no cargo a Mons. Luigi Piastrelli, que o conservara por breve período, após a demissão de Mons. Giandomenico Pini, o magnifico apóstolo da juventude universitária, de quem Mons. Montini — coadjuvado pelo novo Presidente-Geral, Igino Righetti — recolhia a herança e prosseguia a obra, reconstruindo inteiramente a organização, embora sem nada abandonar dos complexos deveres que lhe impunha a Secretaria de Estado.

Os frutos de um trabalho que se desenvolvera, com igual intensidade no plano espiritual, caritativo e cultural, mostram-se incalculáveis a quem considera que, nas fileiras universitárias católicas, se formara uma "elite” dirigente que deu vida ao Movimento dei Laureati di Azione Cattolica, e se inseriu, nos quadros directivos da vida nacional, deste o campo político ao universitário e profissional.

Defensor entusiasta da ideia vicentina, na mesma época, na linha de Ozanam favorecia a actividade das Conferências de São Vicente de Paulo. Uma das mais desoladas zonas de miséria, em Roma — a da Porta Metrónia, agora desaparecida para desenvolvimento das construções do bairro Appio-Metronio — viu Mons. Montini, com os seus estudantes, empenhado no itinerário fadigoso, em cada semana, para a assistência que encontrava diante de si a exasperação da indigência mais esquálida e um anticlericalismo cego e violento. Semelhante actividade foi, de novo, por ele realizada. Em 1933, quando já Ionge da Organização chamava ainda um grupo dos seus antigos estudantes, agora doutorados, e com eles fundou outro grupo vicentino, que tinha as reuniões em Santa Ana, no Vaticano, e escolheu para zona de trabalho o arrabalde de Primavalle, então tristemente célebre pelas misérias condições de indigência e de abandono. Já ali desenvolviam urna obra preciosa e quase ignorada as beneméritas Irmãs Polacas, que viram em volta da sua igrejinha e do nascente asilo-escola, a solidária colaboração dos jovens doutores, sob a orientação e o estímulo de Mons. Montini.

Os frutos da actividade, do Assistente nacional, no campo da cultura, falam, ainda hoje, através de um florescimento de obras estáveis e em contínuo progresso. O desenvolvimento da imprensa organizada; a fundação, em 1927, da Editora Studium, desejada por ele e por Igino Righetti, subiu ao primeiro plano das editoriais católicas; a renovação e a difusão da revista Studium, órgão dos Doutorados Católicos; a nova orientação dos grupos de estudo, das Reuniões da zona e dos Congressos nacionais, permanecem como títulos de mérito, alinhados no currículo do Assistente nacional, que se impôs como mestre, guia e animador, assisado e intrépido. Saíam, entretanto, da sua pena os preciosos livrinhos: O caminho de Cristo, Introdução ao Estudo de Cristo e Consciência Universitária, em que se derramava a sua alma sacerdotal, límpida e sábia.

Este memorável período de actividade universitária fechava-se, em 12 de Março de 1933, quando uma carta do então Assistente Central da Acção Católica, Mons. Giuseppe Pizzardo, comunicava que o Santo Padre Pio XI, em consideração dos crescentes empenhos da Secretaria de Estado, tinha aceitado a demissão de Mons. Montini de Assistente eclesiástico da FUCI, "cargo desempenhado com amor e profunda dedicação”.

Já tinha nascido, havia um ano, no Congresso nacional de Cagliari, no Verão de 1932, aquele Movimento de "Laureati Cattolici" que Mons. Montini e Igino Righetti consideravam inderrogável e inadiável do movimento universitário católico: o decénio de apostolado estudantil poderia dizer-se completado com glória.

Na Secretaria de Estado

Mons. Montini podia assim dedicar-se, exclusivamente, às altas incumbências da Secretaria de Estado. Já em 1935, tinha assumido, na Academia Eclesiástica, o ensino da matéria facultativa História da Diplomacia Pontifícia. Em Dezembro de 1937, tendo Pio XI elevado à púrpura o Secretário da Congregação para os Assuntos Eclesiásticos Extraordinários, Mons. Pizzardo, a quem sucedia, no cargo, Mons. Domenico Tardini, então Substituto da Secretaria de Estado, este último cargo era entregue a Mons. Montini. Havia oito anos que era Secretário de Estado o Cardeal Eugénio Pacelli, que daquela íntima e preciosa colaboração se valeria, mesmo depois da sua elevação ao Trono de Pedro.

No novo e altíssimo cargo, teve assim a sorte de servir a pessoa de Pio XI, permanecendo no cargo durante o Conclave.

Quando, em 2 de Março de 1939, o Cardeal Eugénio Pacchi foi elevado ao Sólio Pontifício, e nomeado, pouco depois, Secretário de Estado o Cardeal Luigi Maglione, Mons. Montini foi confirmado, pelo novo Pontífice, no cargo de Substituto, que manteve após a morte do Cardeal, sobrevinda em 22 de Agosto de 1944. Não tendo o Pontífice julgado oportuno nomear um sucessor do Cardeal Maglione, a Secretaria de Estado permaneceu assim confiada aos Monsenhores Tardivi e Montini, que, em 1952, eram nomeados Pró-Secretários de Estado, para as respectivas funções dos Assuntos Eclesiásticos Extraordinários e Ordinários.

Mais alto elogio não poderemos citar do que aquele que o próprio Pio XII pronunciou, diante dos Cardeais, no Consistório Secreto de 1953: "Outra coisa há ainda que não podemos passar em silêncio. Era nossa intenção inserir no vosso Sacro Colégio os dois inigualáveis Prelados que presidem, cada um na sua própria secção, às funções da Secretaria de Estado, e os seus nomes eram os primeiros, inscritos na lista dos Cardeais, já por nós preparada. Todavia, os referidos Prelados, dando insigne prova de virtude, pediram-nos tão insistentemente para serem dispensados de tão alta dignidade, que julgamos oportuno acolher as suas repetidas súplicas e os seus desejos. Fazendo isto, quisemos, todavia, de algum modo, premiar a sua virtude; e, de facto, como sabeis, concedemos-lhes um título superior, que melhor e mais plenamente ateste o campo da sua operosa actividade".

A obra de Mons. Montini, como Substituto e como Pró-Secretário, não pode desligar-se da do Pontífice, que o teve como colaborador íntimo e precioso, interprete e executor fiel das suas directrizes, num período histórico atormentado pelos acontecimentos bélicos e pelos terríveis sofrimentos, projectados sobre a humanidade inteira.
No pleno fervor de tão infatigável actividade, em que todo se empenhava, atingia-o, no dia 3 de Novembro de 1954, a .nomeação como Arcebispo de Milão, diocese vaga pela morte do saudoso Cardeal Ildefonso Schüster.

Na Carta Apostólica de nomeação, dirigida pelo Papa Pio XII ao colaborador fiel, as palavras parecem ultrapassar, com o afecto paterno, os limites da fraseologia protocolar, para darem um testemunho mais alto: "Tu, ó dilecto Filho, pareceste-nos a pessoa mais indicada, porque, de uma presença quase quotidiana conhecíamos quanto valias, quer pelos dotes de engenho, quer pela força de ânimo, quer pela sincera piedade, junta ao zelo pela salvação das almas. De facto, nos longos anos em que nos estiveste vizinho, para tratar com dedicação os assuntos eclesiásticos, não só bem mereceste da Sé Apostólica, mas até encontraste modo de adquirir tanta experiência das coisas e dos homens, que pareces verdadeiramente a pessoa mais preparada para assumir o governo espiritual daquela Metrópole…". Velada pelo sofrimento, a mesma Augusta voz levantar-se-ia reforçada pelos alto-falantes, no termo do Rito da Consagração Episcopal, celebrada, na Basílica Vaticana, em 12 de Dezembro de 1954, pelo Cardeal Tisserant. Imobilizado no seu quarto, o Pontífice, que, em vão, desejara celebrar, por si mesmo, esta cerimónia, declarou a sua presença espiritual no Rito, confirmando-a com a Bênção, "toda cheia de recordações de um prolongado serviço, alternado de alegria e dores, Bênção luminosa de fé e de esperança pelo futuro do novo Pastor…".

“Monsenhor — afirmava, por Sua parte, o Embaixador da França ao saudá-lo em nome do Corpo Diplomático — Vós passastes, ao serviço de um grande Papa, anos de trabalho intenso e magnífico, que porém, ao mesmo tempo, se contarão entre os mais pesados da história desta pobre humanidade. E recordava de quantos problemas era atormentada a obra da Secretaria de Estado: impedir iniquidades e ameaças ainda presentes; estabelecer, no seio das nações e entre elas, concórdia e a paz. Tudo isto realizado com generosa compreensão, com fino tacto, com equilíbrio de espírito, com infatigável desejo de encontrar, em todas as coisas, o ponto justo do acordo".

"E, permiti-me acrescentar — concluía — que aquilo que nós respeitamos e amamos mais em vós é o facto de que, no diplomata, sempre sentimos o sacerdote!".

Arcebispo de Milão

Aclamado e acolhido festivamente, em nome do Senhor (mote por ele escolhido, para o brasão episcopal), com uma espontaneidade e imponência de homenagem, que viu manifestar-se toda a população e teve larga e unânime participação da opinião pública, o novo Arcebispo fazia o seu ingresso na Catedral de Milão, a 6 de Janeiro de 1955, e preparava-se rapidamente para traçar as linhas de uma profunda e moderna acção pastoral.

A sua primeira preocupação foram as Visitas Pastorais, em que, sem paragem, se empenhou, desde os primeiros meses do mandato arquiepiscopal, na ânsia de tomar contacto com a vastíssima Arquidiocese: tarefa imensa, realizada desde logo, em cerca de setecentas das mais de mil paróquias, confiadas ao seu ministério pastoral.

A grande Missão de Milão foi uma feliz experiência de apologética colectiva, preparada desde Abril de 1955, com a finalidade de um renascimento religioso nas consciências. A empresa, verdadeiramente formidável, que depois serviu de exemplo para outros trabalhos semelhantes mesmo no estrangeiro, escolheu o tema essencial da Religiãoe concentrou todo o seu programa num só lema: "Deus, nosso Criador e nosso Pai; Deus, Providência; Deus que encarnou e entrou no tempo para salvar-nos e para fazer da nossa pobre história uma história total, por meio da Igreja". Desenvolvida de 5 a 24 de Novembro de 1957, dentro dos confins da cidade de Milão, com uma sábia alternância de manifestações, que viram o Arcebispo empenhado na pregação, como o mais humilde sacerdote, nas igrejas, nas escolas, nas fábricas, nos lugares de cura e de castigo, a grande Missão, etapa luminosa na história da Milão católica, foi concluída por uma Mensagem, que o Santa Padre Pio XII dirigiu aos fiéis, reunidos na Catedral, para o Te Deum de acção de graças.

Em todas as direcções, Montini, Arcebispo de Milão, irradiou o seu zelo apostólico. Limitamo-nos a citar: o impulso dado à obra das novas igrejas para a evangelização dos bairros periféricos, com apelos que o conjunto dos cidadão acolheu; a criação de um Secretariado de Estudos da Arquidiocese, para preparar os meios de uma evangelização moderna e eficiente, mediante edições litúrgicas e catequísticas; a instituição de um Secretariado de Pastoral social para o estudo e a resolução dos problemas da crescente emigração; -o Secretariado, moderníssimo, de Assistência social na área do Arcebispado; a Associação para a imediata assistência aos saídos dos cárceres; os contactos com o mundo do trabalho a todos os níveis; o desenvolvimento da imprensa diocesana, a que se juntou, por iniciativa do Arcebispo, a nova revista Diocesi di Milano; a colaboração e a assistência às mais variadas obras culturais, que atingiu o cume na recente fundação da Academia de São Carlos. (Do seu leito de dor, o Pontífice João XXIII, de venerada memória, louvou-a, com uma sua mensagem, em que a considerava a realização do sonho por ele longamente acariciado).

Não se esqueça também o impulso dado às Obras missionárias, que encontrou particular, genialíssima e generosa realização, na Missão de Kariba (Rodésia do Sul), instituída, em primeiro lugar, com sacerdotes, religiosos e meios da diocese de Milão e Lodi, para a assistência ao conjunto dos trabalhadores italianos da grande barragem local, e, depois, ali fixada, para continuar uma permanente obra de evangelização, sustentada pela Arquidiocese, com tais resultados, que conseguiu uma segunda fundação, em Chirundu (Rodésia do Sul). O pessoal impulso, dado por Sua Ex.cia Rev.ma o Senhor D. Giovanni Battista Montini a esta obra, caríssima ao seu coração de Pastor, levou-o a visita-la pessoalmente, numa viagem que ficaria memorável.
Depois de ,quatro anos de intensa actividade pastoral, a honra da Púrpura Romana, que lhe era imposta por Sua Santidade João XXIII, no Consistório de 15 de Dezembro de 1958, vinha coroar os méritos incomparáveis do Arcebispo de Milão.

O Nome do Apóstolo Paulo

Eleito Papa no dia 21 de Junho de 1963, Giovanni Battista Montini quis assumir o nome do Apóstolo Paulo, "ele que amou tanto a Cristo, que tanto desejou e se afadigou para difundir o Evangelho de Cristo, e que deu a vida por Cristo". Já na radiomensagem dirigida ao mundo, no dia seguinte à eleição, apareciam nítidos, nas palavras, os propósitos do seu pontificado. Antes de mais, a continuação, até à feliz realização, do Concílio Ecuménico Vaticano II, convocado e encaminhado pelo seu Predecessor, "a fim de que a Igreja Católica, que brilha no mundo com o estandarte levantado acima de todas as longínquas nações, atraia a si todos os homens, com a majestade do seu organismo, com juventude do seu espírito, com a renovação das suas estruturas e com a multiplicidade das suas forças". E, num tal enquadramento, o empenho pela revisão do Direito Canónico, a prossecução dos esforços pela consolidação da justiça no mundo civil, social e internacional, na verdade e na liberdade, e no respeito dos recíprocos deveres e direitos. E, ainda, um dos pontos cardiais do seu pontificado — a paz, que "não é apenas a ausência de rivalidades bélicas ou de facções armadas, mas o reflexo da ordem querida pelo Deus Criador e Redentor, vontade construtiva e tenaz de compreensão e de fraternidade, demonstração, a toda a prova, de boa vontade, desejo ininterrupto de operosa concórdia, inspirada no verdadeiro bem da humanidade, com caridade não fingida". E, depois, o caminho ecuménico, na grande esperança da união entre os cristãos, "tão desejada por todos e pela qual Ele ofereceu a vida". Vasto programa de trabalho, empreendido desde o início, em espírito de serviço, sem qualquer poupança de forças.

"Nós retomaremos, com soma reverência — disse o Papa no discurso da Coroação, em 30 de Junho — a obra dos nossos predecessores; defenderemos a Santa Igreja dos erros de doutrina e de costumes que, dentro e fora dos seus confins, lhe ameaçam a integridade e lhe ofuscam a beleza; Nós procuraremos conservar e desenvolver o valor pastoral da Igreja, que se apresenta, livre e pobre, na atitude, que lhe é própria, de mãe e de mestra, amorosíssima para com os filhos fiéis, respeitosa, compreensiva, paciente, mas em convite cordial, para com todos aqueles que ainda o não são".

E eis um intenso trabalho nos primeiros meses do Pontificado: as audiências aos fiéis, a ilustres personalidades políticas (entre as quais o Secretário-Geral das Nações Unidas), aos sacerdotes; as visitas fora  do Vaticano, em particulares ocasiões pastorais; as mensagens aos vários Congressos culturais e científicos ("A Igreja considera o progresso científico, e o consequente progresso profissional, com admiração, com simpatia, com confiança…"; primeira beatificação (a do passionista Domenico della Madre di Dio); os encontros com grupos de Bispos e com os colaboradores da Cúria Romana (que deve ser "estudiosíssima e competentíssima"… — "o dever de ser autenticamente cristãos é, aqui, sumamente comprometedor"). Entre os primeiros discursos, particularmente importantes foram os que dirigiu ao Corpo Diplomático ("A Santa Sé não se propõe intervir nos assuntos ou nos interesses que se referem aos poderes temporais. O que procura é favorecer, em toda a parte, certos fundamentais princípios de humanidade, de que a religião católica é guarda vigilante"), e um outro ao CELAM ("Ainda que a missão da Igreja não é directamente nem política, nem social, nem económica, nada de estranho para mim, aí haverá para o sacerdote que bem compreendeu o valor e a extensão do seu ministério, que é o de tudo penetrar do espírito de Cristo"). Entre os primeiros actos em favor da paz está o telegrama enviado, a 5 de Agosto, às máximas autoridades dos Estados Unidos, da União Soviética, da Grã-Bretanha e da ONU, em apoio da assinatura do Tratado para a proibição das experiências nucleares.

No dia 29 de Setembro, Paulo VI inaugurava solenemente a II Sessão do Concílio Ecuménico , acontecimento, em que já tinha sido protagonista, no decurso da primeira sessão, e que se tinha comprometido a levar até ao fim. A segunda Sessão foi precedida da Exortação Apostólica, de 14 de Setembro, aos Bispos, intitulada Cum Proximus. No 1º de Outubro, o Papa recebeu os jornalistas acreditados no Concílio; no dia 11, deslocou-se a Santa Maria Maior, com os Padres, para uma oração propiciatória; no dia 4 de Novembro, na presença dos Padres, presidiu, em São Pedro, a uma celebração do IV Centenário da instituição dos Seminários, ocorrência que sublinhou também com a Carta Apostólica Summi Dei. No dia 12 de Outubro, o Papa benzeu a primeira pedra do Colégio Mexicano, em Roma, enviando uma mensagem radiofónica ao Povo mexicano. No dia 20 de Outubro, conferia, na Basílica Vaticana, a Ordenação episcopal a 14 Bispos, dez dos quais missionários. No dia 10 de Novembro entrava solenemente na Catedral de São João de Latrão.

Na Terra Santa

O ano de 1964 abriu-se com a primeira viagem apostólica de Paulo VI, fora dos confins da Itália. A meta foi a Terra Santa. No dia 4 de Janeiro o Papa chegou a Jerusalém, onde, depois de ter percorrido a via dolorosa, celebrou a Missa na Basílica do Santo Sepulcro. No dia seguinte, presidiu a uma celebração na igreja da Anunciação de Nazaré e, no dia 6 de Janeiro, na Gruta de Belém. Nesses dias, teve lugar o histórico abraço entre o Santo Padre e o Patriarca ecuménico Atenágoras, primeiro de uma série de encontros, que, nos anos sucessivos viriam a assinalar os momentos mais salientes da caminhada para a recomposição da unidade. Do período pascal, recordam-se os primeiros e intensos encontros de oração do Santo Padre com os fiéis da Diocese de Roma, que, segundo o rito estacional, desde a quarta-feira de Cinzas à Missa da Páscoa, no bairro "Sete Caminhos" e na Basílica de São Pedro, se reuniram à volta dele, em intenso testemunho de fé. Outro feliz encontro pastoral, com a comunidade eclesial, foi o de 28 de Maio, dia em que Paulo VI participou na procissão do Corpo de Deus, no Círculo Máximo, a fim de sublinhar a importância do mistério eucarístico na fé cristã. Entre os actos do primeiro ano de Pontificado, são de recordar o anúncio da instituição do Secretariado para a União dos Cristãos e a nomeação de um Observador permanente da Santa Sé junto das Nações Unidas.

Praticamente, no início do segundo ano de Pontificado, Paulo VI entregava à História a sua primeira Encíclica,Ecclesiam suam que traz a data de 6 de Agosto, festa da Transfiguração de Jesus — documento não doutrinal, não dogmático, mas de carácter exortatório, "confidencial". Um guia na construção da Igreja renovada no Concílio, um convite ao diálogo como necessidade histórica, acompanhado duma grande firmeza, na defesa da verdade. Em 11 de Agosto, o Papa deslocava-se à Catedral de Orvieto para celebrar a Missa no VII Centenário da instituição da Festa do Corpus Domini; era 14 de Setembro, abria a III Sessão do Concílio, que deveria concluir-se em 21 de Novembrocom a proclamação da Constituição sobre a Igreja e dos Decretos sobre as Igrejas Orientais e sobre o Ecumenismo. Duas datas significativas neste período: o 18 de Outubro, canonização dos 33 Mártires do Uganda; e o 24 de Outubro, consagração da reconstruída Igreja da Abadia de Montecassino. Nesta última ocasião, Paulo VI proclamou São Bento Patrono da Europa.

O Ano de 1964, que se abrira com a viagem à Terra Santa, concluía-se com a viagem à Índia, para o XXXVIII Congresso Eucarístico Internacional de Bombaim. Momento de diálogo, rico de ânsia missionária e apoiado numa esperança realista diante das centenas de milhões de não-cristãos. "Também vós — disse o Papa — estais empenhados na batalha contra os males que obscurecem a vida de inumeráveis povos em todo o mundo contra a fome; também vós travais a luta para ter mais alimento, mais vestuário, mais habitações, e bem assim em favor da educação e de uma justa distribuição da riqueza. Não estamos, porventura, unidos neste combate por um mundo melhor, neste esforço destinado a dar a todos os povos aqueles bens que são necessários à realização do seu humano destino e a viver vidas dignas de filhos de Deus? Devemos, por isso, unir-nos mais estreitamente, não só através dos modernos meios de comunicação; devemos unir-nos pelos corações em mútua compreensão, estima e amor. Devemos encontrar-nos como peregrinos, que se põem a caminho, à procura de Deus nos corações humanos. Nesta mútua compreensão, devemos também começar a trabalhar unidos pelo futuro comum do género humano. Devemos procurar modos de organização e de cooperação, práticos e concretos, para associar todos os recursos e reunir todos os esforços em ordem a obter uma verdadeira comunhão entre todas as Nações".

Apelo à Paz lançado da Índia

Memorável, no dia 4 de Dezembro, o apelo à Paz procedente da Índia: "Que as Nações cessem a corrida aos armamentos e dediquem, ao contrário, os seus recursos e energias à fraterna assistência aos Países em vias de desenvolvimento. Que cada uma das Nações cultivando "pensamentos de paz e não de aflição" e de guerra, ponha à disposição uma parte, ao menos, das somas destinadas aos armamentos, para se constituir um grande fundo mundial, destinado a socorrer muitas necessidades de alimento, de vestuário, de casa, de curas médicas, que afligem tantos povos! Do pacífico altar do Congresso Eucarístico chegue este nosso angustioso grito a todos os Governos do mundo: Deus os inspire a travarem esta pacífica batalha contra os sofrimentos dos seus irmãos, menos afortunados".
Em uníssono com o Concílio, no quadro do desígnio programático da Ecclesiam suam, outros importantes actos do segundo ano do Pontificado: A exortação aos Membros da Comissão de estudo sobre os problemas da população, da família e da natalidade; a instituição do Secretariado para os Não-Crentes; a Encíclica Mense Maio, como invocação à Virgem para a conclusão do Concílio e para a Paz no mundo. Depois, em 10 de Junho, outra viagem memorável, a Pisa, para o XVII Congresso Eucarístico Nacional Italiano, com um discurso sobre o sentido da fé no nosso tempo: "a fé católica, uma vez mais, apresenta ao mundo a sua oferta impressionante".

A "Mysterium Fidei”

À Eucaristia é também dedicado o primeiro acto importante do terceiro ano do Pontificado de Paulo VI: a EncíclicaMysterium fidei, publicada em 6 de Setembro de 1965. Poucos dias depois, abria-se no Vaticano, a quarta e última Sessão do Concílio Ecuménico, que iria concluir-se em 8 de Dezembro. Pelo seu feliz êxito, na tarde do dia inaugural, o Papa participou na procissão penitencial, transportando a relíquia da Santa Cruz, da Basílica do mesmo nome até São João de Latrão. No dia 26 de Setembro, Paulo VI quis celebrar o seu aniversário, deslocando-se em visita a um acampamento de ciganos, em Pomezia, como testemunho da sua solicitude pelos marginalizados e da sua ânsia de justiça social e de fraternidade.

No dia 4 de Outubro, Paulo VI está na ONU, onde, diante dos Representantes de todos os Povos do mundo lança o apelo que mais vezes, em tantas e tantas ocasiões, ressoará dos seus lábios: "Basta de guerra, basta de guerra!". A sua presença, as suas palavras querem ser, antes de tudo, uma ratificação autorizada da importância dos Organismos internacionais e uma confirmação da confiança da Igreja na obra de quantos se dedicam ao estabelecimento e à consolidação da Paz entre os povos. Repete a exortação de Bombaim para que se destina ao desenvolvimento, ao menos, uma parte dos recursos, até agora postos à disposição da corrida lógica aos armamentos. "Este edifício diz o Papa aos poderosos — assenta não já apenas sobre bases materiais e terrestres — seria um edifício construído sobre areia — mas assenta, antes de tudo, sobre as nossas consciências… O perigo não vem, nem do progresso, nem da ciência: estes, se bem usados, poderão antes resolver muitos dos graves problemas que atormentam a Humanidade. O perigo verdadeiro está no homem, senhor de sempre mais modernos instrumentos, simultaneamente aptos para a ruína e para as mais altas conquistas!".

Entretanto, o Concílio chegava felizmente ao termo. Em 29 do Outubro, no decurso de uma celebração, na Basílica Vaticana, o Papa promulgava três Decretos (sobre os deveres pastorais dos Bispos, sobre a renovação da vida religiosa e sobre a formação sacerdotal), e duas Declarações (sobre a educação cristã e sobre as relações com os Não-Cristãos). "A Igreja — disse Paulo VI na homilia — progride na firmeza da verdade e da fé, e na expansão da justiça e da caridade". Em 8 de Dezembro, a assembleia ecuménica concluía-se solenemente. À sua conta, 168 congregações gerais, dez sessões públicas, dezasseis documentos. No dia 18 de Novembro, foram publicados a Constituição sobre a Divina Revelação e o Decreto sobre o Apostolado dos Leigos; no dia 7 de Dezembro, a Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo e três Decretos: sobre a liberdade religiosa, sobre aactividade missionária da Igreja, sobre o ministério e a vida sacerdotal. Ao sublinhar o carácter religioso do Concílio, Paulo VI, no discurso conclusivo dizia: "No rosto de todo o homem se deve reconhecer o Rosto de Cristo, e, neste, o do Pai celeste. Para conhecer a Deus, é indispensável conhecer o homem: Amar o homem para amar a Deus. Este Concílio todo se resume no seu conclusivo significado religioso, como um poderoso convite à humanidade de hoje a reencontrar Deus pela via do amor fraterno". Abria-se, assim, o não fácil tempo do após-Concílio, tão denso de luzes como também de sombras, entre as quais a Igreja continuou, nos últimos anos, a sua profunda renovação, sob a orientação segura de um Papa, que do Concílio e da actuação de quanto ele ordenou, resolveu fazer um dos objectivos qualificantes do seu Pontificado. No dia 3 de Janeiro de 1966, com o "Motu próprio" Finis Concilio, o Papa instituía uma Comissão Central; no dia 10 de Junho, com o "Motu próprio" Munus Apostolicum, prorrogava a "vacatio legis" de alguns Decretos; no dia 15 de Junho, com o "Motu próprio" De Episcoporum muneribus, em execução das actas conciliares, ampliava as faculdades dos Bispos. Daqui em diante, os frutos do Concílio, com maior evidencia que nos meses precedentes, identificam-se com os próprios frutos do pontificado.

Na actuação do Concílio

Entretanto o Magistério pontifício sublinha, com particular calor, um dos temas destinados a caracterizá-lo em profundidade: a Paz. Paulo VI, no início de 1966, bate-se por fazer cessar o conflito vietnamita. Dirige-se aos poderosos da Terra, apoia-se sobre as Organizações Internacionais, propõe uma arbitragem, fala "com o coração de quem não tem preferências preconcebidas a seguir, mas só o amor por todos". Insiste sobre a necessidade de "construir a Paz na justiça e na solidariedade operante de todos". No discurso que dirigirá, no dia 24 de Junho, aos Cardeais reunidos no Palácio Apostólico, evocará estes seus passos e fará um quadro completo das iniciativas de paz, sempre mais numerosas e atentas. Na realidade, o terceiro ano de Pontificado de Paulo VI foi aquele em que mais se actuou o empenho de contribuir para sanar as tensões e os contrastes do mundo. São de recordar, a este propósito, além das iniciativas específicas em favor da paz (Vietname, São Domingos, Chipre, conflito indo-paquistanês), as intervenções pela liberdade religiosa (Birmânia, Haiti), a acentuação das relações com o Este europeu (participação espiritual nas celebrações de Czcstochoka, em que Paulo VI teria desejado intervir pessoalmente; colóquio com o Ministro dos Estrangeiros soviético, Gromiko; os acordos com a Jugoslávia); o interesse pelos Países de mais recente independência (em particular, os da África).

Mas o terceiro ano de Pontificado viu também numerosos outros actos de grande importância para a Igreja, como o Motu próprio Romanae urbis, para o novo ordenamento da Diocese de Roma e a solene audiência ao Arcebispo de Canterbury, Dr. Ramsey.

No início do quarto ano, o Papa continuou o seu esforço pela actuação das deliberações do Concílio. No dia 6 de Agosto, Paulo VI, com o Motu próprio Ecclesiae sanctae, publicava, de facto, as normas executivas de quatro Decretos conciliares, dando o impulso necessário a uma série de iniciativas de renovação, relativa, às Conferências Episcopais, à actividade missionária, à vida dos Sacerdote. Eram instituídos, entre outros, os "Conselhos presbiterais". No primeiro aniversário do Concílio, 18 de Dezembro de 1966, no decorrer de uma solene celebração, disse que a fidelidade ao Concílio é uma obrigação, e indicou, com clareza, os dois possíveis erros a evitar no período pós-conciliar: o de "supor que o Concílio representa uma ruptura com a tradição doutrinal e disciplinar, que o precede… como que uma pseudo-libertação de quanto, até ontem, a Igreja ensinou e professou com autoridade"; e o de "desconhecer a imensa riqueza de ensinamentos, a providencial fecundidade renovadora que dela vem". Mas, no mesmo dia, o pensamento do Papa devia tornar ainda ao Extremo Oriente em guerra, para "augurar, pedir, suplicar", para além das possíveis tréguas, "um entendimento honroso e resolutivo do conflito".

À paz, dedicava Paulo VI, no Outono, a Encíclica Christi Matri, datada de 15 de Setembro. Pela paz, no mês de Outubro, havia anunciado orações especiais. A paz consagrara um "Dia", que deveria celebrar-se, uma vez em cada ano.

Pela paz dirigira ainda um comovido apelo ao mundo, no dia 4 de Outubro, aniversário da sua viagem à ONU, durante uma Missa celebrada diante da fachada da Basílica de São Pedro.

Na noite de Natal de 1966, Paulo VI volta a deslocar-se para celebrar a Santa Missa em Florença, a fim de levar a sua ajuda àquele povo, ferido um mês antes por uma desastrosa inundação. "Viemos — disse — para chorar convosco, e, em união, rezar e esperar". "Renascer quer dizer refazer-se a si mesmo, os próprios pensamentos, os próprios objectivos; é isto que o Concílio, antes de quaisquer outras reformas, nos pregou com São Paulo".

Pertence ao quarto ano de pontificado a Encíclica Populorum progressio, documento que se insere no sulco da doutrina social da Igreja, recolhendo os frutos do Concílio, das viagens apostólicas, dos estudos do Santo Padre sobre os grandes problemas do nosso tempo. A Encíclica, publicada no fim de Março, teve ressonância mundial, e constitui uma das colunas do pensamento do saudoso Pontífice. Amadureciam entretanto outros empenhos, avizinhavam-se outras datas. No dia 24 de Maio, aplicando o Concílio, o Papa anunciava a actuação das normas sobre o Diaconado permanente. No dia 31 de Janeiro, Paulo VI recebia, no Vaticano, o Presidente soviético Podgorny, demorando-se com ele em conversação sobre o mantenimento da paz, sobre o desenvolvimento das melhores relações entre os povos; sobre a vida religiosa e a presença da Igreja Católica na União Soviética. A 19 de Janeiro, o Papa promulgava a Constituição Apostólica Indulgentiarum doctrina para a revisão das sagradas indulgências. No dia 16 de Maio, pela primeira vez, celebrava-se o "Dia Mundial das Comunicações Sociais". Em audiência a jornalistas, homens de teatro, actores cinematográficos e televisivos, o Papa renovava o convite da Igreja a todos os operadores das comunicações sociais, no sentido de orientarem as suas energias para o bem dos homens e para o progresso da sociedade.

A 13 de Maio, Paulo VI foi a Fátima, com o fim de "rezar ainda uma vez, mais humilde e vivamente, em favor da paz". "O mundo está em perigo — disse na homilia pronunciada, no Santuário, em frente de mais de um milhão de peregrinos, — e Nós viemos aos pés da Rainha da Paz a pedir-Lhe a Paz, como um dom que só Deus pode dar". Mas a Paz continuava a ser ameaçada. Nos meados de Maio, tornaram-se mais agudos os contrastes entre os Países Árabes e Israel. Repetidamente, nos discursos aos fiéis, Paulo VI fez-se porta-voz da comum aspiração de paz. Em particular, nos tristes dias da guerra entre Israel e os Países Árabes, o Santo Padre fez sentir mais alto a sua voz. "Suspendam-se os combates… para a salvaguarda das vidas humanas vai antes de mais o nosso pensamento; e, depois, retome-se o debate das palavras equitativas e razoáveis". Paralelamente, a actividade assistencial da Igreja, através da "Cáritas Internacional" desenvolvia-se incessantemente, para aliviar os sofrimentos das populações envolvidas no grave conflito".

No dia 26 de Junho, no termo do quarto ano de pontificado, Paulo VI reúne um Consistório secreto para a nomeação de 27 novos Cardeais. "A Igreja, Mãe e Mestra — disse — continua a ocupar o nosso pensamento e a nossa oração: uma Igreja viva, verdadeira, unida e santa… os filhos de uma mesma terra voltem a amar-se como irmãos, e todos, no lugar que a cada um compete, trabalhem na segurança e na liberdade para a reconstrução e o progresso económico e social da própria Pátria, livre e independente".

Viagem à Turquia

O quinto ano de pontificado foi dominado pelo aprofundamento do tema da Fé. No centenário do martírio dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, o Papa proclamou o Ano da Fé, empenhando os fiéis uma vigilância constante pela integridade da sagrada doutrina. Anunciou "o Ano da Fé" como "consequência e exigência pós-conciliar", exortando os fiéis a "irem em auxílio de quantos, em relação à fé, se sentem indiferentes, ou impedidos, ou mesmo contrários". O "Ano" fora anunciado pela Exortação Apostólica Petrum et Paulum apostolos, publicada em Fevereiro, e durou de 29 de Junho de 1967 ao mesmo dia de 1968.
No fim de Junho, Paulo VI teve a alegria de uma outra viagem apostólica, rica de significado. A meta foi a Turquia. Permanece impressa na memória de todos a imagem do abraço com o Patriarca Atenágoras, novo penhor de fraternidade e novo compromisso de todo o esforço para conseguir a união dos cristãos.

No dia 1 de Janeiro de 1968, celebrou-se o primeiro "Dia Mundial da Paz", anunciado por Paulo VI, que, na mesma mensagem de 8 de Dezembro, expusera programaticamente os vários aspectos deste grande tema do seu magistério. "Importa sempre falar de paz — escreve — importa educar o mundo para amar a paz, construí-la, defendê-la; quer contra as renascentes premissas da guerra, quer contra as insídias de um pacifismo táctico que narcotiza o adversário para abatê-lo ou desarma nos espíritos o sentido da justiça, do dever e do sacrifício.. Importa suscitar nos homens do nosso tempo e das gerações vindouras o sentido e o amor da paz, fundada sobre a verdade, a justiça, a liberdade, o amor”.

O ano de 1967 fechara com muitas sombras na esfera internacional. A voz do Papa levantava-se num momento em que a realidade dos factos parecia duramente contradizê-la. Poucos dias antes, Paulo VI vivera um momento significativo da sua luta contra o conflito vietnamita, recebendo em audiência o Presidente dos Estados Unidos da América Johnson. "Paz, paz!" — exclamou no discurso do fim de ano. "Paz ao mundo em nome do Senhor!" — repete em onze línguas. Algumas horas antes, tinha ido ao Hospital do Menino Jesus pedir às crianças enfermas que, à sua, associassem a própria oração pela paz.

O "doce nome de paz" iria ressoar inúmeras vezes, através do ano, nos lábios do Santo Padre. Voltou ao tema, no dia 3 de Janeiro, quando falou aos "Laureati" da Acção Católica sobre "o sentido cristão da paz", e depois, em 18 de Janeiro, no discurso aos Chefes de missão do Corpo Diplomático, os quais — disse — "consagram os seus esforços ao prosseguimento do magnifico ideal da luta contra a guerra, isto é, contra a loucura dos homens, pelo triunfo da razão e do direito, pelo advento duma paz justa e duradoura sobre a terra".

No colóquio de Paulo VI com o Presidente do Conselho jugoslavo Spiljak, a paz teve ainda um lugar dominante, como também em 24 de Janeiro com o Primeiro-Ministro da Roménia, Maurer, e, em 4 de Fevereiro, com o Chanceler alemão Kiesinger. Nem o Papa, enquanto continuavam a chegar de todo o mundo mensagens de adesão ao "Dia", se cansava de recordar o tema em qualquer ocasião: falando em 17 de Janeiro a um grupo de peregrinos vietnamitas, presentes na Audiência geral; saudando em 19 da Janeiro a missão especial denominada "de boa vontade", à partida para Nova Delhi; recebendo, em 27 de Janeiro, professores e alunos do Colégio de Defesa da NATO.

Paz e justiça

Por meio da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento, enviava Paulo VI, no dia 29 de Janeiro, também uma mensagem ao Secretário-Geral da UNCTAD, relembrando o ensinamento da Populorum progressio. No discurso dirigido, em 18 de Fevereiro, a onze novos Embaixadores e a um Ministro plenipotenciário que apresentavam as Cartas Credenciais, unia de novo a solicitude para com os Países em vias de desenvolvimento ao convite para procurar e robustecer por todos os meios uma paz justa e duradoura.

Nos mesmo, dias, assinalava-se a notícia de uma nova oferta do Santo Padre, através da "Cáritas", para suavizar os sofrimentos dos feridos, dos prófugos e de todas as vítimas do conflito vietnamita.
A paz esteve presente ainda na Carta Pontifícia à Reunião das Semanas Sociais de França e nas breves exortações dominicais do Santo Padre, ao "Angelus", de 5, 11 e 18 de Fevereiro. Em 17 do mesmo mês, Paulo VI tinha pronunciado tocantes palavras de agradecimento às crianças que tinham oferecido orações e pequeninos sacrifícios pela Paz. "Que pode desejar mais o Papa — confidenciava às crianças recebidas em audiência — senão que reine a Paz? Que todos os homens se amem entre si como irmãos? Que cessem os horrores da guerra em tantas partes do mundo, onde são vítimas também multa, crianças inocentes como vós, as quais ficam sem pais, sem leito, sem pão?".

O "Angelus," do primeiro domingo da Quaresma foi ocasião de uma exortação pontifícia para escutar a voz da Igreja, diante de "vozes tão amargas que nos chegam do mundo nestes dias".

Na manhã de 9 de Março, o Papa celebrou na Capela particular a Santa Missa para implorar do Senhor a paz cristã entre as populações da África meridional, perturbadas por questões raciais. Num telegrama do Cardeal Cicognani ao Arcebispo de Salisbury, deploravam-se as execuções de africanos praticadas na Rodésia, e formulavam-se ardente, votos de que não fossem efectuadas outras condenações.

No mês de Março, um novo telegrama, assinado pelo Secretario de Estado, fazia ressoar ainda no mundo perturbado por um novo conflito, a voz de Paulo VI ansiosa de paz. Profundamente angustiado pelas notícias de violências e de recontros na Jordânia, o Papa augurava e abandono do uso da força e uma "solução justa e duradoura dos prolongados dissídios". Era o primeiro aniversário da Populorum progressio. Ao celebrá-lo, Paulo VI teve no dia 27 de Março severas palavras contra a teologia da violência. Em 7 de Abril, o assassínio de Martin Luther King, "inerme e cristão profeta da integração racial", esteve no centro dos pensamentos do Papa, o Qual depois de haver benzido os Ramos — associou, na homilia, a ocorrência à "trágica narração da Paixão de Cristo". A Conferência da UNCTAD concluíra-se, entretanto, com insucesso.

No discurso pronunciado no dia da Páscoa, antes da Benção "Urbi et Orbi", o pensamento de Paulo VI correu ainda “à difícil paz naquela faixa estreita de terra asiática onde a guerra parece não poder terminar nunca" e "ao pavoroso abalo" que sentiu o mundo pelos conflitos no Próximo Oriente e na África. Aos votos de que "não triunfe o cepticismo acerca da inaptidão constitucional da humanidade para progredir na liberdade, na justiça e na paz" uniu os da "afirmação mais clara, mais respeitável, mais operante dos direitos do homem". Retomou amplamente este tema na mensagem ao Presidente da Conferência de Teerão (aberta a 22 de Abril) e na carta ao Secretário da Pontifícia Comissão "Justitia et Pax", por ocasião da Conferência de Beirute sobre o desenvolvimento.

A 5 de Maio, ao comentar o início dos encontros para a paz no Vietnam, Paulo VI escolheu precisamente um dos colóquios dominicais com os fiéis, no "Angelus", para informar que tinham sido oficialmente oferecidos os palácios do Vaticano e de Latrão a fim de que, "na falta de outra alternativa, fossem aqui iniciados, sem nenhuma interferência Nossa, os primeiros colóquios". Mas acrescentava: "o acordo que deve garantir a paz a ambas as regiões do País asiático, teatro da guerra, não parece ainda maduro nos espíritos. É preciso um prodígio que suplicaremos à Rainha da Paz".

Ainda num colóquio directo com os fiéis, durante a audiência geral de 8 de Maio, o Santo Padre anunciou a sua iminente viagem a Bogotá, exprimindo pensamentos de paz e votos pelo desenvolvimento da América Latina. O tema da paz esteve presente em todos os discursos pronunciados na Colômbia, no mês de Agosto, onde pregou a justiça social, condenando a violência em todas as suas formas.

Um novo luto cala sobre o mundo no mês de Junho. Pelo assassínio de Robert Kennedy, o Papa teve mais uma vez palavras de vibrante deploração. "A coragem ideal e moral destas vítimas insignes da covardia mortal e das paixões perversas donde esta haure a sua desumana ferocidade, especialmente o ódio e o egoísmo — disse, além do mais, no ‘"Angelus" de domingo, 9 de Junho seja uma admoestação salutar a cada um de nós a consagrar-lhe o nosso pensamento e a nossa acção". A exaltação da não-violência foi o tema central do discurso que o Papa dirigiu, em 24 de Junho, ao Sacro Colégio dos Cardeais ao qual fez um amplo panorama da situação internacional, ocupando-se principalmente da evolução das negociações referentes ao Vietnam, das tristes consequências da guerra na Nigéria, da situação no Próximo Oriente, do problema de Jerusalém e dos Lugares Santos. Manifestou depois a sua satisfação pela aprovação que as Nações Unidas deram ao Tratado de não-proliferação nuclear.

É longo catálogo de intervenções que abarca apenas a actividade de poucos meses. Para cada ano, para cada breve período, poder-se-iam compilar elencos idênticos, pôr em fila datas e iniciativas. Mas o património de actos que nos deixou o Santo Padre Paulo VI é tão vasto e rico que é preciso proceder sumariamente, limitando a uma série de recordações vivas o que deveria ser uma nota biográfica mais completa. Os grandes temas, por outro lado, aparecem continuamente em todos os momentos do pontificado. O Concílio está sempre presente, como na exortação de 5 de Abril de 1968 que principia com as mesmas palavras da Constituição conciliar sabre a Igreja no Mundo Contemporâneo: Gaudium et Spes. "Renovação, sim — admoestava o Papa na exortação —; mudança arbitrária, não. História sempre viva e nova da Igreja, sim; historicismo que dissolve o empenho dogmático tradicional segundo o ensino do Concílio, não; teologia conforme com livres teorias subjectivas, muitas vezes tomadas por empréstimo de fontes adversárias, não. Igreja aberta à caridade ecuménica, ao dialogo responsável e ao reconhecimento dos valores cristãos dos irmãos separados, sim; irenismo que renuncia às verdades da fé ou propenso a uniformizar-se com certos princípios negativos que favoreceram a separação de tantos irmãos cristãos do centro da unidade da comunhão católica, não. Liberdade religiosa para todos, no âmbito da sociedade civil sim; como igualmente; liberdade de adesão pessoal à religião, segundo a escolha meditada da própria consciência, sim; liberdade de consciência, como critério de liberdade religiosa, não apoiada na autenticidade de um ensino sério e autorizado, não; e assim por diante".

E a mesma solicitude pela integridade da fé que se encontra no "Credo do Povo de Deus" que assinala o ano da fé e o quinto do pontificado.

Humanae vitae

O sexto ano é o ano da Humanae vitae (25 de Julho); encíclica fundamental, então hostilizada pela onda permissiva da moda, mas destinada, com o tempo, a demonstrar progressivamente o seu indubitável peso específico no quadro do contexto mais amplo da defesa da vida: outro grande tema do pontificado, desenvolvido de modo especial no magistério dos últimos anos, em coincidência com a aprovação em vários países do mundo de leis iníquas que liberalizam o aborto. Paulo VI será incansável em afirmar o sacro valor da vida que vem de Deus e, como tal, deve ser respeitada e tutelada pelo homem contra qualquer tentativa de rebaixá-la e de negá-la.

O ano de 1969 abre-se com a celebração do Dia da Paz. "Não se improvisa uma paz verdadeira — são palavras do Papa durante a Homilia da Missa celebrada, nesta ocasião, na Basílica romana de Santa Maria de Ara Coeli —: não se mantém uma paz imposta pela opressão ou pelo temor ou por ordenamentos jurídicos iníquos e não admissíveis. A paz deve ser humana; portanto, livre, justa e feliz". Também na semana seguinte, na audiência ao Corpo Diplomático, Paulo VI exporá o conceito do serviço comum às grandes causas humanas, pondo-se em primeiro plano no empenho pela busca do verdadeiro bem de todos os povos: um empenho reafirmado várias vezes ainda nos meses seguintes, por ocasião da intensificação do conflito no Vietnam, no Próximo Oriente e na Nigéria. O Papa falou sobre a paz também com o Presidente dos Estados Unidos da América (recebido em audiência a 2 de Março) e com outras personalidades políticas de todo o mundo com quem se encontrou em diversas ocasiões.

A 28 de Abril, o Santo Padre reuniu o Consistório Secreto para a nomeação de 35 novos Cardeais. Nesta oportunidade, anunciou o novo "Ordo Missae" e o novo Calendário romano; informou que havia instituído a Comissão Teológica Internacional e que havia disposto a divisão da Sagrada Congregação para os Ritos em dois dicastérios distintos. No primeiro de Maio, na concelebração com os novos Cardeais, Paulo VI deteve-se, na homilia, sobre o espírito de pobreza e de amor como glória e sinal da Igreja. Deve recordar-se, além do mais, no último período do sexto ano de pontificado, o "Motu proprio" Sanctitas Clarior que dispõe a unificação dos dois processos das Causas de beatificação e de canonização.

A 10 de Junho de 1969, Paulo VI foi a Genebra para participar na celebração do 50° aniversário da instituição da Organização Internacional do Trabalho. Foi ocasião de uma apologia do trabalho como contribuição para a edificação de uma sociedade melhor e para a renovação do seu testemunho de confiança na organização internacional, como instrumento de defesa e consolidação da paz no mundo.

O sétimo ano de pontificado iniciou-se com o entusiasmo suscitado em todos pela conquista da lua. O Papa que antes, em face de empresas espaciais, já havia manifestado o vivo interesse da Igreja pelas afirmações da ciência, confirmou o seu louvor e o seu augúrio por esta legendária empresa humana que seguira com assídua atenção através da TV. Após alguns meses, o Papa recebeu, em audiência especial, os três cosmonautas.

No Continente Africano

Prepara-se, neste intervalo, mais uma feliz peregrinação apostólica. No mês de Agosto, o Papa foi à África, a Kampala, para encerrar o Simpósio dos Bispos do continente africano, para consagrar 12 novos Bispos autóctones, para honrar os Mártires do Uganda e para conferir o Baptismo e o Crisma a 22 africanos. Se houvera sido possível, o Papa teria ido também à Nigéria, perturbada neste período pela guerra. Entretanto, durante a sua permanência em terras africanas, não deixou de ter importantes colóquios com as partes em litígio, convidando-as à pacificação.

No Outono, deu-se um acontecimento importante para a vida da Igreja: a assembleia extraordinária do Sínodo dos Bispos, convocada por Paulo VI para discutir o tema da colegialidade episcopal. No Natal, mais uma ocasião feliz: a Missa celebrada pelo Papa numa paróquia pobre de Roma, a de Santo Agapito, no bairro prenestino. No entanto, novas sombras sobre o mundo. Do pórtico da Basílica, antes de dar a Bênção aos fiéis no dia de Natal, o Papa, ao insistir sobre as características do humanismo cristão, sente-se mais uma vez obrigado a elevar um premente apelo de paz em favor de, todos os que sofrem por causa dos conflitos na Nigéria, no Vietnam e no Próximo Oriente, "lá onde está Belém e onde, do céu, com a glória de Deus, foi anunciada a paz, no santo dia do nascimento de Cristo Senhor".

Na Primavera, a peregrinação mariana ao Santuário de Bonária. A Semana Santa foi a ocasião para chamar a atenção sobre a Cruz. Novos nomes foram escritos no álbum dos Santos. Num discurso aos artistas, Paulo VI fez votos por que se restabelecia a aliança e a amizade entre a arte moderna e a vida religiosa. O ecumenismo foi enriquecido pelo documento sobre os Matrimónios Mistos e pela demonstração de fraternidade, no amor, do encontro no Vaticano, entre o Papa e o Patriarca Arménio Vasken I. A 29 de Maio, a ocorrência do 50° aniversário da sua Ordenação sacerdotal foi uma feliz oportunidade para aprofundar o carácter peculiar do ministério sacerdotal, já sublinhado diversas outras vezes pelo Santo Padre em discursos precedentes.
São episódios, fragmentos de um quadro que, na sua complexidade, se situam decididamente além da crónica. O ponte de referência constante permanece, contudo, o Concílio cujos frutos põe a Igreja num estado perene de aperfeiçoamento.

Com a coragem da verdade, no sétimo ano de pontificado, o Papa assinalou algumas etapas salientes no caminho pós-conciliar opondo-se a qualquer desvio, mas reforçando, com confiança, toda a actividade seriamente reformadora. Paulo VI continuou a fazer da concretização do Concílio o seu programa. A "tenacidade conciliar que lhe foi reconhecida no discurso do Cardeal Marty, encontra-se ratificada em cada acto do Papa, como igualmente nos seus ensinamentos. O Papa indicou, com clareza, à atenção de todos, "os perigos tanto da indolência como do espírito crítico excessivamente corrosivo e destruidor, mas não deixou de estimular um são optimismo, o que — como disse durante a audiência geral de 4 de Fevereiro — "sabe julgar com franqueza o mal, sem se deixar deprimir por ele, que se esforça por resolver os problemas, procura construir, não demolir; e em cada situação busca os sinais da providência, esperando e orando".

O caminho da Igreja seguia duas tendências paralelas: por um lado, as reformas; por outro, a consciência cada vez mais clara da necessidade de uma paz interna no seio da fé. Grandes passos em frete foram dados no campo da reforma litúrgica (foi o ano das novas disposições acerca da Missa), da revisão do Código de Direito Canónico, da reflexão teológica, da colegialidade e do ecumenismo. Com firmeza, o Santo Padre confirmou disciplinas que não deviam ser abandonadas, como a do sagrado celibato, e princípios intocáveis, como o do respeito à vida.

Pela fé e pela paz, no caminho indicado pelo Concílio. Este programa caracterizou também o oitavo ano do pontificado: 12 meses comprometidos tanto por causa da situação interior da Igreja (invadida por tensões e inquietações muitas vezes completamente fora da sintonia com o recto caminho da renovação conciliar), como pelas contínuas perturbações da paz no mundo e pelas frequentes cedências dos homens, nos vários níveis, às tentações do egoísmo e da violência. Com espírito de coragem e de coerência, o Papa, infatigavelmente, indicava aos homens de boa vontade o clarão do Evangelho, como fonte de paz; e ao Povo de Deus o cone de luz do Concílio, como espaço a respeitar na renovação.

Riqueza do Magistério

Em confronto com os outros anos de pontificado, o oitavo é um dos mais densos de empenhos pastorais e um dos mais ricos de actos de Magistério. Neste período, teve lugar a viagem mais longa do Santo Padre, aquela com a qual, ao visitar o Extremo Oriente e a Oceânia, praticamente completou a volta ao mundo. Neste ano insere-se a data histórica da publicação da Carta Apostólica Octogesima Adveniens, no 80° aniversário da Encíclica Rerum Novarum, com justiça enumerada entre os grandes documentos sociais da Igreja.

O ponto de partida é ainda o Concílio. Completados pouco antes cinco anos desde a sua conclusão, o Santo Padre celebrava a ocorrência com uma Exortação Apostólica aos Bispos: documento rico de esperança, mas muito realista quanto às dificuldades do momento. "Temos o dever de recordar com o Concílio — escrevia o Papa aos Bispos — que a verdadeira teologia se baseia, tal como em seu fundamento perene, na palavra de Deus escrita, inseparável da Sagrada Tradição. Não nos reduza ao silêncio, Irmãos caríssimos, o temor das críticas sempre possíveis e, às vezes, justificadas". E ainda: "É preciso vigiar atentamente a fim de que uma escolha arbitrária não restrinja o desígnio de Deus dentro da nossa visão humana e não limite o anúncio da sua Palavra ao que os nossos ouvidos são ávidos de escutar".

A cinco anos de distância do encerramento do Concílio Vaticano II, o Papa encontrava-se diante de arbítrios carismáticos, de tentações de recaída no secularismo, de fenómenos de aquiescência que desfiguram o ecumenismo. Mas as linhas mestras indicadas pelos Padres Conciliares permaneciam válidas; e Paulo VI exortava continuamente os fiéis a retornarem à via justa, com confiança e solidariedade. Convidava à actualização na fidelidade: "O pluralismo — disse durante a audiência geral — não deve gerar dúvidas, equívocos ou contradições; não deve legitimar um subjectivismo de opinião em matéria dogmática que comprometeria a identidade e, por conseguinte, a unidade da fé;. progredir, sim, enriquecer a cultura, favorecer a pesquisa; demolir, não".

Passos em fronte foram dados entretanto para pôr em prática as reformas previstas concretamente pelos documentos conciliares. A 3 de Setembro de 1970 aprovou o Papa a terceira Instrução para aplicar a Constituição litúrgica. Em Maio de 1971 foram publicados o documento sobre a facilitação das Causas de nulidade matrimonial e a Instrução Pastoral sobre as comunicações sociais pedida pelo relativo Decreto do Vaticano II. Em Junho foi tornado conhecido o texto da Constituição Apostólica do 1° de Novembro sobre a renovação do Ofício Divino.

Os desvios doutrinais e as infidelidades à Igreja retardaram o caminho pós-conciliar, e o Papa não perdeu ocasião para manifestar o seu receio pelas provas a que era chamada a comunidade eclesial. Denunciou com clareza os riscos derivados do hábito de crítica corrosiva feita à Igreja institucional, o período do relativismo doutrinal, os limites que se deparam à consciência do homem quando não é iluminada por princípios transcendentes e guiada pelo Magistério ("vista que tem necessidade de luz"). Mas estas frequentes diagnoses do Santo Padre não esqueciam nunca a dimensão da esperança, especialmente quando falava a grupos de sacerdotes. 1970, como é sabido, foi o ano do jubileu sacerdotal do Papa, e muitas foram as ocasiões para um aprofundamento do tema fundamental do sacerdócio. Paulo VI ocupou-se dele, em especial, a 6 de Março, no encerramento dos exercícios espirituais em preparação para a Pascoa: é necessário sondar e compreender a fundo — disse — a essência do nosso sacerdócio, ter presente constantemente as riquezas e os valores dele, para que guiem de facto a nossa vida de cada dia; isto não só por uma razão permanente, mas também por motivos contingentes, pois sabemos qual é o vento de dúvida que atravessa a Igreja a respeito do sacerdócio ministerial.

«Não vos deixeis sugestionar»

A 20 de Fevereiro, falando ao clero romano, o Papa insistiu uma vez mais no valor excelso do sagrado celibato e exortou os sacerdotes à coragem, no entusiasmo e na esperança. A 3 de Abril disse a um grupo de neo-sacerdotes: "Não vos deixeis sugestionar por teorias e exemplos que põem em dúvida a vossa fé, as vossas opções e a vossa irrevogável dedicação a Deus". E, ainda na tarde de quinta-feira Santa, durante a Missa in coena Domini, convidava os fiéis a orarem pelos irmãos infelizes que violam as promessas sacerdotais e abandonam o lugar que tem no Cenáculo.

Paulo VI colocou, além disso, o tema do sacerdócio como tema central do iminente Sínodo episcopal, ao lado dos problemas da justiça no mundo. Quer dizer, desejou pedir um contributo vivo, um "parecer esclarecido" aos irmãos no episcopado exactamente sobre um dos argumentos de importância fundamental na situação presente da Igreja. O outro tema, o da justiça, apresentava-se sempre entre as constantes do Magistério pontifício. Ao lado dos discursos pronunciados na viagem à Ásia e à Oceânia, é necessário recordar a este propósito o pronunciado por Paulo VI durante a visita realizada à sede romana da FAO, a 16 de Novembro de 1970, quando fez votos por uma economia de serviço e de fraternidade, que eliminasse o escândalo da fome e da miséria. Também nessa ocasião, o discurso sobre a justiça se apresentou intimamente ligado com o que teve por objecto a paz. "O bem-estar — exclamou o Papa — está nas nossas mãos, mas é necessário querermo-lo construir juntos, uns para os outros, uns com os outros e nunca mais uns contra os outros".

Sobre  a paz, o magistério do Papa tornava-se cada vez mais instante e responsabilizador, assim como os seus contributos concretos em favor da solução de alguns conflitos mais preocupantes. Foram esforços que por vezes ficaram vãos, foram palavras que nem sempre foram ouvidos com boa vontade. Mas são actos que ficam e que, apesar de tudo, contribuirão com o tempo para difundir entre os homens a aspiração comum para a solução pacífica das controvérsias. "Nós — observou o Papa antes do Angelus de 27 de Setembro, referindo-se ao Próximo Oriente — não podemos constituir-nos juiz nem fazer de mediador; mas procuramos ser a todos conselheiro para a composição do conflito". "As razões profundas das intervenções da Santa Sé — disse a 9 de Janeiro ao Corpo Diplomático — escapam às vezes aos observadores superficiais, porque elas dependem de motivações de ordem espiritual e moral, e porque não se confundem com nenhuma acção de ordem temporal".

Nos factos, o panorama do oitavo ano de pontificado apresenta abundante antologia de chamamentos, apelos, iniciativas e discursos do Papa em favor da paz. Difícil é citá-los todos. Podemos aludir à mensagem de Setembro ao Presidente da Zâmbia por ocasião da Conferência dos Estados não alinhados; ao apelo pelo Próximo Oriente que Paulo VI pronunciou durante a audiência geral de 23 do mesmo mês, incluído na habitual exortação aos fiéis; aoAngelus de 20 de Setembro, quando manifestou a sua pena por causa da Jordânia; a mensagem ao Secretário da ONU, U Thant, a 4 de Outubro, pelo 25° aniversario das Nações Unidas; à queixa de 21 de Outubro pelas torturas, o terrorismo e as outras violências que perturbam o mundo; às mensagens, em Outubro, ao Presidente da Assembleia da ONU, ao Rei da Jordânia e ao Presidente de Israel e da RAU, em favor dum prolongamento da trégua ("não falte aos protagonistas do histórico acontecimento a assistência de Deus").

Todos os homens são meus irmãos

Recordar-se-á ainda o discurso de 14 de Novembro ao Rotary sobre a dimensão religiosa da paz; a Mensagem para o Dia Mundial sobre o tema "Todos os homens são meus irmãos"; o discurso pré-natalício ao Sacro Colégio; a entrega, a 6 de Janeiro, do Prémio João XXIII à Madre Teresa Boyaxhiu, fundadora da Congregação das Missionárias da caridade; a audiência geral de 27 de Janeiro, quando Paulo VI manifestou a própria dor pelo processo de Conakry; as palavras aos fiéis no domingo 14 de Fevereiro, com os votos de paz interna para a Polónia; o discurso de 22 do mesmo mês aos alunos da Pontifícia Academia Eclesiástica; o pensamento sobre a Terra Santa durante a Via-Sacra no Coliseu; o apelo em favor do Paquistão Oriental a 2 de Junho último; e tantas, tantas outras intervenções, testemunho de uma atenção, constante e esclarecida do Santo Padre, aos destinos dos povos e do mundo, na convicção de que, como disse a 9 de Maio aos participantes na marcha internacional para o desenvolvimento, nova consciência estava atingindo maturidade; a da unidade do género humano, da solidariedade entre os povos da terra, da já não tolerável desigualdade entre nações prósperas e nações a caminho de fatigante desenvolvimento. Outras vezes, dirigiu-se o Papa aos particulares ou aos Governantes. A 28 de Setembro, por exemplo, esteve no Vaticano o Presidente dos Estados Unidos da América, Nixon; falou do Próximo Oriente e do Sudeste asiático; o Papa encontrou modo de lhe expressar directamente os seus votos da uma paz conforme à justiça e às aspirações dos povos e o seu empenho na redução dos armamentos. Do mesmo tema pôde falar Paulo VI, não só com as personalidades políticas encontradas durante a viagem intercontinental, mas com outros autorizados Governantes que fizeram visita ao Vaticano, como o Imperador Hailé Selassié, o Presidente jugoslavo Tito, o Presidente da Tanzânia, o Presidente da Finlândia Kekkonen, o Chanceler alemão Brandt, o Ministro dos estrangeiros soviético Gromiko, o Secretário de Estado americano Rogers. 1970 foi também o ano da mudança nas relações diplomáticas entre a Santa Sé e a Jugoslávia.

Entre os acontecimentos especialmente impressos na memória, acrescentamos a proclamação de Santa Teresa de Ávila e de Santa Catarina de Sena como Doutoras da Igreja; a canonização dos mártires ingleses; as repetidas intervenções sobre o trabalho como meio de purificação e de ascese; a denúncia da tentação do ateísmo; os apelos em favor da moralidade dos costumes; o impulso para a actividade missionária; os apelos dirigidos aos jovens; as iniciativas ecuménicas; os progressos na revisão do Código de Direito Canónico; o diálogo a todos os níveis no estilo da Encíclica Ecclesiam Suam.

Como especial nota característica, recorda-se ainda a ligação cada vez mais íntima com as Conferências Episcopais, segundo o espírito do Concílio e em satisfação de alguns pedidos dos Padres Sinodais.

No nono ano de pontificado coloca-se a segunda reunião da assembleia do Sínodo dos Bispos, que trata dois temas de grande importância: o sacerdócio ministerial e a justiça no mundo. A assembleia trabalhou num clima de grande comunhão fraterna, como observou o Papa na conclusão dos trabalhos: "Devemos levar connosco, voltando cada um à própria diocese de proveniência, este sentido profundo de comunhão, de fraternidade, de fusão de corações, de concórdia, de luz e de paz. Devemos continuar, mesmo estando longe, neste colóquio mútuo, em que vibraram em uníssono as nossas almas". No âmbito do movimento ecuménico, o Papa recebeu a 25 de Outubro o Patriarca sírio-ortodoxo de Antioquia, Sua Beatitude Mar Ignatius Jacoub III. "Num mundo em luta para fazer surgir novas ideias, novos progressos que possam tornar todos os homens participantes dos dons da criação divina, novas relações entre homens e nações que assegurem a paz com a justiça — disse o Papa ao ilustre hóspede — nós somos chamado a proclamar um só Senhor, uma só fé, um só baptismo, um só Deus que é Pai de todos". De particular importância, neste fim do ano de pontificado, foi a instituição do Pontifício Conselho "Cor Unum" para a coordenação da actividade caritativa da Igreja.

No Natal, dirigia-se o Papa uma vez mais a celebrar a "Missa da aurora" num bairro da periferia, em "Torre Spaccata". "Cristo — recordava aos fiéis — nascendo, quis ser o mais pequenino e o mais pobre dos homens… A religião cristã é essencialmente amor: Deus quis-nos bem, parou junto de cada um de nós, veio trabalhar ao nosso lado".

No 1° de Janeiro, Paulo VI quis passar entre os hospedezinhos da "Cidade dos rapazes" o "Dia da paz", que tinha por tema, em sintonia com o Sínodo, "Se queres a paz, trabalha pela justiça". "Não pode haver paz verdadeira — disse — sem verdadeira justiça. E como a justiça deve progredir segundo as legítimas aspirações surgidas na consciência evoluída do homem moderno, assim também a paz não pode ser estática, não pode garantir um estado de coisas que não tome em conta o progresso do homem, das suas antigas e novas necessidades. Difícil equação a da justiça e da paz: exigirá sabedoria, prudência, paciência, gradualidade, não violência, não revolução (que são outras injustiças), mas deverá ser procurada com tenacidade, com sacrifício, com profundo e sincero amor à humanidade". Os rapazes e os jovens são os primeiros destinatários desta mensagem. Entre outros acontecimentos do nono ano, devem recordar-se numerosas e significativas audiências, como a concedida a um grupo de escritores italianos e outra a uma delegação do Patriarcado ortodoxo da Roménia. No discurso de 23 de Junho ao Sacro Colégio, o Papa manifestava todavia aos Cardeais algumas preocupações suas pela unidade da Igreja e pelas consequências de algumas defecções e infidelidades.

Análogas preocupações manifestou no início do décimo ano, durante a Santa Missa na solenidade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo. Convidou nessa altura os fiéis a vencerem as dúvidas e as incertezas com firmeza na fé e, com mais viva adesão à palavra de Deus e daqueles que, por Sua vontade, se encontram a guiar a Igreja.

No mês de Setembro de 1972 Paulo VI dirigiu-se a Údine a tornar parte na celebração do XVIII Congresso Eucarístico nacional italiano. Parou também em Veneza e em Aquileia. Em toda a parte foi acolhido por multidões em festa, unidas em esplêndido testemunho de fé. No Natal, a Missa da meia-noite foi ocasião de breve viagem do Papa não longe de Roma. Paulo VI esteve entre os mineiros perto de Sant’Oreste al Soratte.

Contra toda a violência e intolerância

Para o "Dia da Paz" de 1973, visitou o Papa o Centro de Recuperação de Poliamielíticos "Don Orione", em Monte Mário. No dia da Epifania ordenou 38 sacerdotes do Terceiro Mundo. Ao Corpo Diplomático, a 11 de Janeiro, comunicou mais uma vez a sua preocupação com o estender-se da violência e da intolerância no mundo. A 15 de Janeiro, recebendo o Primeiro-Ministro de Israel, Senhora Golda Meir, renovou os seus votos de paz na Terra Santa. A 24 de Janeiro, falando a um grupo de figuras da imprensa internacional, manifestou a própria alegria pelas conclusões do conflito vietnamita. A 5 de Março teve Consistório para a nomeação de 30 Cardeais. A 26 desse mês recebeu em visita oficial o Presidente da República Federal da Alemanha e a 18 de Junho o Presidente do Alto Volta. A 10 de Maio encontrara-se com o Patriarca copto-ortodoxo de Antioquia, Shenouda com o qual assinou uma Declaração comum de alto valor ecuménico.

Entretanto continuava o Papa o seu magistério ordinário nas audiências gerais, nos breves discursos dirigidos aos fiéis antes da oração do "Angelus" do meio-dia, aos domingos, e nas múltiplas audiências espalhadas pelas várias semanas. Ao terminar o 10° ano de pontificado, já Paulo VI tinha levado a termo realizações de excepcional alcance.Diante de si tinha o Ano Santo marcado para 1975, novo aprofundamento do magistério de paz, novos encontros com os fiéis (culminados na excepcional experiência da viagem a Pescara no Congresso Eucarístico Nacional), outras intervenções em defesa da integridade da fé da Igreja e para salvaguarda da paz no mundo, sempre para ajudar os homens na construção da "civilização do amor", como belamente designou o fito dos seus sonhos e esforços.

Os momentos salientes dos últimos anos, dos últimos meses de pontificado, são de alcance histórico e encontram-se vivamente impressos nas memórias. Não é possível sintetizá-los em poucas notas biográficas, ordenadas cronologicamente para consentir ao leitor percorrer de novo mais facilmente as páginas do grande livro, seguindo as ondas das recordações. Mas permanecem impressas, especialmente nas últimas fases do pontificado, algumas constantes que sempre mais profundamente caracterizaram as horas e os dias do Papa Paulo VI. A busca do diálogo franco, aberto e caridoso, mas respeitador da verdade: é uma dessas constantes. É-o também a assídua atenção a qualquer raiozinho de luz capaz de desfazer a nuvem escura da violência que se vai adensando sobre o mundo. É-o igualmente a participação pessoal nos sofrimentos dos outros. É-o ainda a obstinada insistência nos contactos com os Chefes das confissões cristãs separadas, com intenção de suavizar todos os obstáculos ao movimento ecuménico, que ultimamente deu passos de gigante em comparação com o passado. Em cada capítulo do magistério de Paulo VI, continuou a notar-se o carisma da coragem. A afirmação dos valores fundamentais (primeiro de todos o da vida) foi sempre rigorosa e desprendida de qualquer consideração oportunista. Em nome do Senhor defendeu a fé, renovou a Igreja, indicou o caminho aos homens de boa vontade. Às 21 horas e 40 minutos do dia 6 de Agosto, apagou-se no mundo um potente farol espiritual. Juntar, ordenar, compreender plenamente o alcance dos dons que Paulo VI nos deixou — é trabalho que há-de ocupar o pensamento por anos seguidos.

(Publicado no L’Osservatore Romano, ed. em português, 13 e 20 de Agosto de 1978)

(Vatican.va)

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