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O “caminho novo” do papa Francisco no sínodo da família

Pope Francis – General Audience 5 Sabrina Fusco – pt

© Sabrina Fusco / ALETEIA

Pe. Dwight Longenecker - publicado em 24/10/14

E a sua coerência com o "velho caminho" de São Pedro

No encerramento de duas tumultuadas semanas de sínodo, o papa Francisco pediu que a Igreja fique aberta ao "Deus das surpresas". Em janeiro deste ano, o papa tinha falado longamente sobre a dimensão sempre nova e surpreendente do Evangelho. Na homilia da missa de segunda-feira passada, Francisco lembrou de novo aos católicos que eles adoram o "Deus das surpresas". Na cerimônia de beatificação do papa Paulo VI, Francisco repetiu: "Deus não tem medo das coisas novas. É por isso que Ele está sempre nos surpreendendo, abrindo os nossos corações e nos guiando de maneiras inesperadas".

Os críticos do papa Francisco enxergaram no contexto temporal das suas palavras uma exortação clara aos padres do sínodo para ficarem abertos ao seu “programa”, um “programa reformista” que, para alguns católicos, é preocupante porque eles o veem como “radical e destrutivo”. As observações que o papa fez em janeiro aconteceram poucas semanas antes do discurso do cardeal Kasper na abertura de um consistório sobre a família, no qual ele apresentou as suas ideias para um tratamento mais aberto aos católicos divorciados e recasados​​. Quem tem “receio” do papa Francisco não acha que seja coincidência o fato de as suas outras observações sobre o "Deus de surpresas" e o Deus que "não tem medo de coisas novas" terem sido feitas um pouco antes da publicação do polêmico relatório inicial do sínodo e no encerramento do mesmo sínodo sobre a família.

Em sua homilia de 13 de outubro, o papa Francisco lembrou aos ouvintes que os líderes judeus do tempo de Jesus estavam presos à sua compreensão limitada e legalista da vontade de Deus: "Aqueles doutores da lei não entendiam os sinais dos tempos (…) Por que eles não entendiam? (…) Porque eles estavam fechados no sistema deles. Todos os judeus sabiam o que podiam fazer, o que não podiam fazer, até aonde podiam chegar. Tudo era organizado. E eles se sentiam a salvo desse jeito. Eles não entendiam que Deus é o Deus de surpresas, que Deus é sempre novo. Ele nunca se contradiz… Mas Ele sempre nos surpreende".

No Evangelho, Jesus falou vividamente do vinho novo que estouraria os odres velhos do legalista sistema religioso judaico. O exemplo mais impactante da nova verdade estourando as velhas formas estabelecidas é a visão contada por São Pedro no décimo capítulo dos Atos dos Apóstolos.

Em seu sonho, o primeiro papa tinha visto um lençol que descia dos céus repleto de animais considerados impuros pelos judeus. A voz no sonho ordenava a Pedro: "Levanta-te e come". A ordem parecia entrar em contradição direta com a lei judaica que Pedro conhecia e à qual obedecia, mas o Espírito Santo o chamava a um novo entendimento. Para São Pedro, Deus se tornava mais uma vez o Deus das surpresas. A visão perturbadora significava que o Evangelho não era destinado apenas aos judeus, mas também aos gentios.

O desafio para a Igreja é discernir entre o Deus das surpresas e os constantes apelos do mundo laico por mudanças. Em todas as épocas e em todas as culturas, os apóstolos da Igreja têm tido que lutar com o desafio de adaptar o Evangelho aos contextos em que ele pode ser adaptado, sem que isso acabe comprometendo as verdades imutáveis ​​da fé católica.

No discurso de encerramento do sínodo, Francisco voltou ao tema. Ele alertou contra "a tentação da inflexibilidade hostil, ou seja, de querer se fechar na letra da lei e não se deixar surpreender por Deus (…) É a tentação do zeloso, do escrupuloso, do solícito e dos chamados ‘tradicionalistas’ e também dos intelectuais". Por outro lado, é também "a tentação da tendência destrutiva a (…) enfaixar as feridas sem antes tratá-las e curá-las; a tratar os sintomas e não as causas e as raízes. É a tentação dos assim chamados ‘progressistas e liberais’".

Como é que podemos, então, ouvir o chamado profético do papa Francisco a ficar abertos ao Deus das surpresas ao mesmo tempo em que afirmamos as verdades eternas da fé? Como podemos chegar ao equilíbrio entre o legalismo e a licença, entre as verdades eternas e a sua aplicação misericordiosa no cuidado das almas? O Novo Testamento mostra o caminho e, em seu discurso final no sínodo, o papa Francisco apresentou tanto o problema quanto a solução.

A visão revolucionária de São Pedro foi confirmada e validada pelo Conselho de Jerusalém – a reunião dos apóstolos. Entre conflitos e mal-entendidos, os apóstolos conseguiram compreender o significado da visão de São Pedro, confiando a ele a missão de pregar aos judeus e a São Paulo a de levar o Evangelho aos gentios.

O papa Francisco reafirma esta mesma verdade: que a visão radical de mudança não pode caber somente a Pedro, mas a Pedro em união com os bispos da Igreja. Assim, no seu último discurso ao sínodo, o papa Francisco declarou: "A Igreja é de Cristo – ela é a sua noiva – e  todos os bispos, em comunhão com o Sucessor de Pedro, têm a tarefa e o dever de guardá-la e servi-la, não como mestres, mas como servos. O papa, neste contexto, não é o supremo senhor, mas sim o supremo servo – o ‘servo dos servos de Deus’; o garantidor da obediência e da conformidade da Igreja à vontade de Deus, ao Evangelho de Cristo e à tradição da Igreja, deixando de lado todos os caprichos pessoais, apesar de ser – por vontade do próprio Cristo – o ‘supremo Pastor e Mestre de todos os fiéis’ e apesar de desfrutar do ‘supremo, pleno, imediato e universal poder ordinário na Igreja’”.

O dramático e por vezes conflitante Sínodo sobre a Família é exatamente a maneira de avançarmos no serviço de Cristo para discernir a orientação do Espírito Santo. No tumulto das últimas duas semanas, nós ouvimos o eco de Pedro e dos apóstolos, lutando para conciliar as surpresas de Deus com a sua compreensão da lei. No sínodo, nós vimos o Vigário de Cristo reunido com os seus bispos para discernir, através dos conflitos sinodais, a mente de Cristo. Este é o método complexo através do qual descobrimos como aplicar as verdades imutáveis ​​a um mundo em rápida mudança; o método através do qual descobrimos, também, como reaprender o mistério da Igreja de Cristo, "tão antiga e tão nova".

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