Um tanto de mesmice, mas com poucos palavrões, pouco sangue e sem glamourização do mal
Eu assisto a centenas de filmes por ano. É um hábito que desenvolvi bem antes que me pagassem para ver filmes e criticá-los. E eu gostaria muito de dizer a vocês que, dos milhares de filmes que eu vi ao longo das décadas, não houve nenhum do tipo que São João Paulo II mencionou em 1995 ao lamentar as produções do cinema que "distorcem a verdade, oprimem a genuína liberdade ou mostram cenas de sexo e de violência ofensivas à dignidade humana".
Infelizmente, eu mentiria se dissesse isso. A triste verdade é que, não tendo levado uma vida cristã desde sempre, eu já vi, sim, muitos filmes desse tipo. Aliás, em questão de poucos minutos, eu provavelmente poderia citar uns dez ou vinte filmes tão moralmente corruptos a ponto de causarem danos relevantes à alma de quem os visse.
O que pode ser surpreendente para muita gente é que quase nenhum desses filmes tão particularmente agressivos é de terror.
Menciono isto porque tenho a impressão de que, toda vez que eu publico uma resenha sobre um filme de terror, em especial se for daqueles que contam histórias envolvendo o demoníaco, algum leitor bem-intencionado me pergunta se os cristãos podem ou não podem assistir a esse tipo de filme. É um bom sinal que me perguntem isso. Afinal de contas, todos temos que zelar uns pelos outros. Mas eu repito o que foi dito pelo pe. Gary Thomas, exorcista da diocese californiana de San José, quando perguntado sobre filmes de terror durante uma entrevista concedida a Patti Maguire Armstrong: "Eu não acho que você se abra para o mal só por assistir a um filme. O problema é quando o mal é glorificado, o que é bem diferente de ver um filme que apenas aborda o tema do mal".
Embora possa parecer um contrassenso, levando-se em conta os macabros acontecimentos que esses filmes retratam, o fato é que a maioria das histórias de terror raramente glorifica o mal. Tomemos, por exemplo, "Ouija", o novo filme de terror que está chegando às telas dos cinemas. Se você viu as propagandas, com certeza foi apresentado a algumas das imagens nojentas que o filme exibe: cadáveres em decomposição, bocas costuradas, gente morta berrando… Enfim, o mesmo de sempre. Mas o que as propagandas não dizem é que a trama de "Ouija" acaba destacando um princípio moral que nós conhecemos do livro do Deuteronômio: aquele princípio que nos avisa que as pessoas que "consultam fantasmas e espíritos ou procuram os oráculos dos mortos" se arriscam a penetrar num mundo de sofrimento.
O filme começa com um curto prólogo em que duas jovens, Debbie e Laine, aparecem brincando com um tabuleiro Ouija. Pode parecer uma situação estranha, mas o fato é que você mesmo pode encontrar esse tipo de coisa com relativa facilidade em muitas lojas de brinquedos, e pagando menos do que custa um jogo de videogame.
Seja como for, as meninas discutem as regras básicas do jogo: nunca jogue sozinho, nunca jogue num cemitério, seja sempre educado e diga adeus quando terminar de conversar com os espíritos… Enfim, o mesmo de sempre, de novo. Passam-se alguns anos e vemos Debbie adolescente (Shelley Hennig) tentando queimar um tabuleiro Ouija, por alguma razão desconhecida. Mas o teimoso tabuleiro, infelizmente, se recusa a ser consumido pelo fogo. Perturbada, Debbie é subitamente compelida a acabar com a própria vida.
Laine (Olivia Cooke) fica arrasada com a morte misteriosa da sua amiga da vida toda e, ao encontrar a Ouija no quarto de Debbie, pensa em tentar contato com o espírito dela para conseguir algumas respostas e se despedir. Sarah (Ana Coto), que é irmã de Laine, acha aquilo uma grande perda de tempo, assim como o grupinho de amigos das duas, mas todos acabam participando da ideia na esperança de ajudar Laine a encerrar de uma vez aquele dramático episódio. Os cinco adolescentes se reúnem então na casa de Debbie para jogar a Ouija.
Mesmo que tenha visto muito poucos filmes de terror ao longo de toda a sua vida, você já sabe exatamente o que vai acontecer em "Ouija" daqui para frente. Os adolescentes entram em contato com um espírito que eles acham que é o de Debbie, mas não é. A presença maligna começa lentamente a possuir e matar os adolescentes, fazendo com que cada morte pareça um acidente. Os sobreviventes vão atrás de um parente “marginalmente religioso”, que lhes proporciona uma forma não religiosa e esquisita de se livrarem do fantasma (será que teria sido tão difícil chamar um exorcista?). Mas eles precisam, é claro, sobreviver durante um tempo suficiente para conseguirem dar conta da tarefa. Enfim, o mesmo de sempre, de novo, de novo.
Apesar da mesmice do roteiro, no entanto, "Ouija" não chega a ser uma bomba. Quase todos os atores adolescentes são veteranos da TV e sabem como agir em frente às câmeras. Mais importante: nenhum dos personagens é o típico “mala”, clichê que costuma assolar esse tipo de filmes. Não há nenhum personagem de "Ouija", portanto, que você deseje secretamente que seja detonado pela maldição.
E é interessante observar que existe algo na estrutura e no clima do filme que sugere que o diretor estreante Stiles White, também co-autor do roteiro, esteja tentando emular (com parcial sucesso) a atmosfera do original "A Nightmare On Elm Street". Em parte pelo visual geral do filme. Em parte porque os adolescentes parecem viver num universo onde a maioria dos adultos simplesmente está ausente ou não se dá conta nenhuma das realidades sobrenaturais contra as quais aqueles jovens estão lutando. E em parte porque o sempre agradável Lin Shaye, que teve um pequeno papel em "Nightmare", aparece num pequeno papel em "Ouija" também. Seja pelo motivo que for, fica bem claro que aquele filme deixou um impacto considerável no jovem Stiles White.
Resumindo a ópera, "Ouija" não é tão ruim assim, mas também não tem nada de espetacular, pelo menos não para quem já viu um monte de filmes com essas mesmas coisas de sempre. É uma produção que provavelmente cairia bem como uma espécie de “filme de terror para principiantes”. Não há sexo, há poucos palavrões e quase nada de sangue. Alguns dos fantasmas têm mesmo um aspecto horrível, mas, sendo sincero, não mais do que boa parte das máscaras que você encontra nas prateleiras da loja de fantasias mais próxima da sua casa. E, levando em conta que a história não glorifica o mal, mas respeita o princípio bíblico de que não se deve brincar com as coisas dos mortos, eu acho que existem jeitos muito piores de passar uma noite de “Halloween” com os seus filhos adolescentes do que assistindo "Ouija".