Aleteia logoAleteia logoAleteia
Sábado 03 Junho |
Aleteia logo
Religião
separateurCreated with Sketch.

Um padre pode romper o sigilo da confissão para salvar uma vida?

Sacrament of Penance and Reconciliation – pt

© Pascal DELOCHE / GODONG

Ary Waldir Ramos Díaz - publicado em 14/11/14

Entrevista com o cardeal Mauro Piacenza, penitenciário maior do Vaticano

Cerca de 200 confessores participaram de um congresso realizado nos dias 12 e 13 de novembro de 2014 no Vaticano, organizado pela Penitenciaria Apostólica, sobre o sigilo da confissão e a privacidade pastoral. Nesta ocasião, a Aleteia entrevistou o cardeal Mauro Piacenza, penitenciário maior do Vaticano.

O cardeal Piacenza confirma que estes temas são atuais em uma sociedade midiática e diante da necessidade de proteger a privacidade das pessoas que se aproximam da Igreja – a privacidade como “gesto delicado para proteger as almas” diante da moda de saber tudo sobre todos via online.

A privacidade como valor

Neste contexto, o prelado adverte sobre uma “excessiva exposição midiática” que ameaça as pessoas e seus valores, e afirma que na Igreja “a privacidade é importante”.

“A pessoa deve ter um âmbito ou um lugar onde possa ser ela mesma, e não o que se espera que ela seja.” Por isso, “são grandes os efeitos que queremos proteger com a privacidade e a confidencialidade, para preservar a fama, a reputação e os direitos do indivíduo e dos grupos”, constata.

A tarefa fundamental do sacerdote é defender e preservar a intimidade da pessoa como espaço vital para proteger sua personalidade, além dos seus sentimentos”, explica.

E indica que, no caso específico do pároco, por exemplo, “ele presta um serviço de assistência material e espiritual” e é obrigado a defender a intimidade das pessoas que visitam a paróquia ou igreja.

Neste sentido, o cardeal destaca que “a finalidade do sigilo, tanto sacramental como extrassacramental, é defender a intimidade da pessoa, proteger a presença de Deus dentro de cada um”.

E cita Santo Agostinho para defender o alto valor da intimidade: “Deus é superior summo meo et interior intimo meo (Deus está acima do mais alto que há em mim) e está no mais profundo da minha intimidade”.

E adverte que, para a Igreja, quem viola a intimidade da pessoa comete um ato de injustiça que, além de tudo, contradiz a religiosidade. Neste sentido, confirma que o congresso dos padres confessores responde a esta necessidade de diálogo com o mundo atual.

O sigilo da confissão

– Existem exceções ao sigilo da confissão?

Não. O sigilo é absoluto e inviolável. Eu sou obrigado a manter a confidencialidade sobre tudo o que me for dito. O penitente não fala ao sacerdote como um homem, mas fala a Deus. O confessor nem sequer sabe o que sentiu, porque, como homem, não sabe o que ouviu.

O que se diz na confissão está dirigido ao Bom Pastor. Segundo a doutrina clássica, o confessor é proibido de cultivar lembranças disso. Se, em algum momento, lhe vier uma lembrança, deve descartá-la, como faria com qualquer outro pensamento ilícito ou mau.

– No âmbito do Direito Canônico, quais são as consequências para o padre que violar o sigilo da confissão?

A excomunhão. Uma pena gravíssima. Significa trair o diálogo que a pessoa tem com Deus. Existe uma violação direta ou indireta. Neste último caso, é como se o sacerdote fizesse alusão, estando com outras pessoas, ao que alguém lhe disse em confissão.

– Já houve casos de padres que perderam a vida por manter o sigilo da confissão?

Nos regimes totalitários e com a cumplicidade de algumas legislações, alguns já quiseram violar à força o sigilo da confissão para obter informações sobre outras pessoas. Isso á aconteceu em vários regimes e, nesses casos, os padres foram verdadeiros mártires da fé.

Por exemplo, São João Nepomuceno sofreu o martírio antes de ceder às pressões do rei de Boêmia, que queria saber se a rainha o havia traído. São João era o confessor da rainha.

Portanto, a lei de um país não pode obrigar um sacerdote a violar o
sigilo da confissão.

Se a lei diz que o confessor deve denunciar uma pessoa que se confessou de um delito cometido, evidentemente o padre não pode denunciar.

– A Suprema Corte de Louisiana (EUA) ordenou, em julho de 2014, que um padre testemunhasse, rompendo o sigilo da confissão. Diante de tal pedido, a diocese de Baton Rouge afirmou que isso é inconstitucional e ataca a doutrina da Igreja. O que o senhor achou deste caso?

Os deveres da própria missão não podem ser violados de forma alguma. Trata-se de um dever mais grave que o do sigilo profissional. A diocese respondeu bem.

– Qual é a posição da Santa Sé quando o sigilo da confissão é ameaçado pelas leis de um Estado?

A Santa Sé tenta não interferir nas decisões dos países e em suas políticas – respeitando a liberdade, não o arbítrio das leis dos países, mas a liberdade verdadeira. A fé é um ato livre. A Igreja deve reivindicar a liberdade de culto, da evangelização, do sacramento e da confissão. Se o Estado não respeitar isso, a Igreja se torna mártir.

– Um padre pode romper o sigilo da confissão para salvar a vida de outra pessoa condenada injustamente?

Não. A Igreja defende a vida até o final e sempre. Vive dentro de si estes valores. O confessor deve assumir o martírio dentro de si. Pode fazer todo o possível para salvar a vida da pessoa por meio da oração, da penitência, do testemunho. No entanto, jamais poderá contar quem foi o verdadeiro assassino. 

Tags:
ConfissãoPadres
Apoiar a Aleteia

Se você está lendo este artigo, é exatamente graças a sua generosidade e a de muitas outras pessoas como você, que tornam possível o projeto de evangelização da Aleteia. Aqui estão alguns números:

  • 20 milhões de usuários no mundo leem a Aleteia.org todos os meses.
  • Aleteia é publicada diariamente em sete idiomas: inglês, francês,  italiano, espanhol, português, polonês e esloveno
  • Todo mês, nossos leitores acessam mais de 50 milhões de páginas na Aleteia.
  • 4 milhões de pessoas seguem a Aleteia nas redes sociais.
  • A cada mês, nós publicamos 2.450 artigos e cerca de 40 vídeos.
  • Todo esse trabalho é realizado por 60 pessoas que trabalham em tempo integral, além de aproximadamente 400 outros colaboradores (articulistas, jornalistas, tradutores, fotógrafos…).

Como você pode imaginar, por trás desses números há um grande esforço. Precisamos do seu apoio para que possamos continuar oferecendo este serviço de evangelização a todos, independentemente de onde eles moram ou do quanto possam pagar.

Apoie Aleteia a partir de apenas $ 1 - leva apenas um minuto. Obrigado!

PT300x250.gif
Top 10
Ver mais
Boletim
Receba Aleteia todo dia