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A lei natural é anterior à Revelação

Two stone tablets with the ten commandments inscribed on them – pt

© albund

Javier Ordovás - publicado em 24/11/14

Uma coisa não é verdade porque a Bíblia diz, muito pelo contrário: a Bíblia diz porque é verdade

Ainda que pareça um tema abstrato e distante da nossa vida real, a maneira de conceber a lei natural (ou lei moral natural) afeta os fundamentos e ações do nosso dia a dia.

Com frequência, nós, católicos, usamos em nossas conversas o argumento segundo o qual “isso é assim porque a Bíblia diz”. Isso é correto para os que têm a convicção de que a Bíblia é revelada, mas não é aceitável pelos que não têm essa convicção.

No diálogo inter-religioso ou intercultural, temos de recorrer a outro tipo de argumentos, que se movem em um campo comum a quase todas as culturas: este é o âmbito da lei natural, na qual há muitas coincidências entre as culturas cristã, oriental e muçulmana.

A lei natural afirma, em sua substância, que as pessoas e as comunidades humanas são capazes, à luz da razão, de discernir as orientações fundamentais de um agir moral conforme a própria natureza do sujeito humano, e de expressá-las de maneira normativa em forma de preceitos ou mandamentos.

Mas o cristianismo não tem o monopólio da lei natural. De fato, baseada na razão comum a todos os homes, a lei natural é o fundamento da colaboração entre todas as pessoas de boa vontade, sejam quais forem suas convicções religiosas.

Antes de recebermos a Revelação contida no Antigo e no Novo Testamentos, as pessoas se regiam somente pela lei natural.

Nossa própria fraqueza intelectual e moral tornou necessária a ajuda de Deus com sua Revelação por meio do povo de Israel e, finalmente, por Jesus Cristo, para toda a humanidade.

Mas Deus, desde a criação, dotou o ser humano de inteligência suficiente para conhecer as verdades naturais sobre toda a criação e sobre as próprias verdades íntimas da pessoa.

Portanto, precisamos confiar na capacidade da nossa inteligência de chegar a estas descobertas.

Às vezes, pretendemos encontrar uma total certeza recorrendo ao argumento de autoridade da Bíblia, esquecendo que devemos fazer o esforço intelectual de buscar a verdade, raciocinando.

De qualquer maneira, agradecemos a Deus porque sua Revelação nos serve para confirmar se nossos raciocínios estão no rumo certo. Esta é a luz que a fé dá à razão.

Lutero negava a existência desta lei natural; por isso, muitos grupos protestantes recorrem à Bíblia como único argumento de autoridade, com todas as consequências filosóficas e teológicas que esta abordagem tem.

Um exemplo deste recurso à lei natural nos foi dado pelo próprio Jesus, quem, ao dar sua resposta sobre a indissolubilidade do matrimônio, não recorreu às tábuas da Lei ou à lei mosaica.

Jesus se referiu a um princípio válido desde sempre: Moisés permitiu o repúdio da mulher, mas “no começo não foi assim” (cf. Mateus 19, 8).

O matrimônio é uma união que não pode ser separada pelo homem, porque é algo que Deus uniu, não por meio de uma lei positiva, mas que o fez desde o começo, no momento da criação.

Neste sentido, podemos dizer que “não é verdade porque a Bíblia diz, e sim que a Bíblia diz porque é verdade”.

Da mesma maneira, os direitos humanos são prévios à Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948.

Por outro lado, não podemos ignorar que há muitas pessoas não cristãs que chegam ao conhecimento e à prática das leis morais sem conhecer o cristianismo, nem a Bíblia e, em muitos casos, são exemplares.

A partir disso, podemos comentar outro aspecto que afeta a convivência diária: a convergência entre diversas religiões e culturas.

A Comissão Teológica Internacional do Vaticano publicou um documento em 2008 chamado “Em busca de uma ética universal: nova perspectiva sobre a lei natural”.

Este profundo e extenso documento, no primeiro capítulo, começa evocando as convergências entre as diversas religiões.


Sem pretender ser exaustivo, indica que estas grandes correntes de sabedoria religiosa e filosófica testemunham a existência de um patrimônio moral em grande medida comum, que constitui a base para todo diálogo acerca das questões morais.

Além disso, sugere, de uma maneira ou de outra, que este patrimônio explicita uma mensagem ética universal inerente à natureza das coisas e que os homens são capazes de decifrar.

Segundo a fé cristã, estas tradições sapienciais, apesar dos seus limites e inclusive apesar dos seus erros, captam um reflexo da sabedoria divina que age no coração dos homens. Requerem atenção e respeito.

Testemunham nada menos que a existência de um patrimônio de valores morais comuns a todos os homens, seja qual for a maneira que estes valores são justificados dentro de uma particular visão de mundo.

Esta ordem está impregnada de uma sabedoria imanente. Contém uma mensagem moral que os homens são capazes de decifrar.

Mas a sabedoria é também o resultado de uma observação sagaz da natureza e dos costumes humanos, cujo objetivo é descobrir sua inteligibilidade imanente.

No começo da Carta aos Romanos, o apóstolo Paulo, para manifestar a necessidade universal da salvação que Jesus traz, descreve a situação religiosa e moral comum a todos os homens.

Afirma a possibilidade de um conhecimento natural de Deus: “Porquanto o que se pode conhecer de Deus eles o lêem em si mesmos, pois Deus lho revelou com evidência. Desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, o seu sempiterno poder e divindade, se tornam visíveis à inteligência, por suas obras” (Romanos 1, 19s).

Ao situar judeus e gentios no mesmo nível, São Paulo afirma a existência de uma lei moral não escrita que se encontra gravada nos corações. Esta lei permite discernir entre o bem e o mal por si só (cf. Romanos 2, 14).

Mais uma vez, a fé e a razão se encontram e se complementam.

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