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Histórias Inspiradoras
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Estou apaixonado por uma garota com deficiência mental

WEB Girl Downs Syndrome Andrea CC – pt

Andrea CC

Enrique Anrubia - publicado em 27/11/14

Fico sem reação ao vê-la, acho-a linda e não consigo parar de pensar nela

Estou apaixonado por uma garota com deficiência mental. Isso mesmo.

Se estar apaixonado é ficar sem reação ao vê-la, achá-la linda e enxergá-la em todos os cantos da minha vida, mesmo quando ela não está presente; se estar apaixonado é não conseguir parar de pensar nela, desejar-lhe um bem tão grande, que nem sei como dar-lhe; se estar apaixonado é escrever coisas bonitas, não parar de falar dela aos meu amigos, lembrar dela, querer voltar a vê-la, sorrir ao pensar nela, mesmo estando sozinho em um bar, diante de um café… então, estou mesmo apaixonado. E gosto de estar assim. Adoro. Gosto de me ver assim, mesmo sem entender muito bem como isso aconteceu nem por quê.

Para ser sincero, não me apaixonei só por uma garota com deficiência mental. Apaixonei-me por muitas, por todas as que vi há pouco tempo no Cottolengo de Madri. Rapidamente: o Cottolengo é uma instituição católica que cuida de pessoas com transtornos mentais e é administrado pelas religiosas do Padre Alegre.

E tudo isso que lhes conto aconteceu em um domingo, há pouco tempo. Apaixonei-me por muita gente: um pai viúvo que cuidava da sua filha, um médico que tem um olhar cheio de bondade, uma freira que não parava de falar e rir, outra que falava menos, mas tinha um olhar incrível, com olheiras igualmente incríveis.

Eu não pretendo contar só isso. Você, assim como eu, já deve ter ouvido falar de como as pessoas se apaixonam por esses lugares nos quais a beleza sobressai de maneira gratuita, nos quais vemos atos cotidianos e heroicos ao mesmo tempo, atos de caridade e de caridade milagrosa.

E isso não significa que tudo é muito bonito e alegre em meio a tanto sofrimento. Isso não significa que só há felicidade diante de uma doença. Isso significa simplesmente isso: vida.

Essas freiras que cuidam do local com certeza têm seus momentos de escuridão; esses médicos se cansam e têm vontade de jogar mais de um pela janela; esses padres já choraram mais que crianças. Não se trata de negar nada do que acontece, porque o que eles têm não é uma alegria postiça vinda de um idealismo de “fazer o bem” e pronto.

O que eu vi é que a razão pela qual amam essas pessoas com deficiência são as próprias pessoas, e não uma razão em si. Eles têm suas razões, certamente, mas as razões vêm depois e, sinceramente, ou não contribuem com grande coisa, ou, no final, acabam sendo um pouco chatas.

O que eu vi é que essa médica lá se sentia mais médica; esse padre, mais padre; essas freiras… Enfim, às vezes, as freiras têm a capacidade de fazer, sentir e pensar de tudo sem que ninguém perceba. E eu me senti mais eu.

Economia de uma pessoa com deficiência mental

Estamos em crise. Crise de valores, de dinheiro e do que mais você quiser; o caso é que estamos em crise. Mas o que eu vi no Cottolengo era uma espécie de (não me atrevo a chamar de “solução”) explicação para todas essas crises.

Ao ver-me apaixonado, perguntei-me: e o que esse médico ganha com isso? E essas freiras? Esse padre? Mas, sobretudo, o que pode ganhar uma pessoa com deficiência mental, neste mundo em crise? Penso que ganham tudo, precisamente porque nós, os outros, somos uns perdedores.

O que acontece lá é que essas meninas com deficiência não pedem nada. Certamente, exigem muitas coisas, é verdade: atenção física, médica, emocional, companhia… Mas pedir mesmo, como entendemos o termo, elas não pedem nada. Ninguém me pediu nada estando lá. E, pensando bem, exigem muito menos do que qualquer um de nós exige constantemente dos outros, da nossa vida, de nós mesmos.

Quando eu passava por algum cômodo – por exemplo, o refeitório –, o que acontecia era que quase precisava ter cuidado para que alguma menina não me abraçasse, ou para que outra pegasse minha mão, outra sorrisse. Elas dão, não pedem. Abraçam sem que seja preciso pedir. Em um lugar assim, ninguém exige que você seja algo que não é.


E foi então que percebi: o mais importante não é o que elas dão, mas o fato de que podem acolher tudo o que eu sou. Como eu não tenho nada a perder, posso dar tudo, dar agora e dar o que sou, e isso com a ideia de que, da minha vida, não me resta nada. Como elas não têm nada a ganhar, podem acolher tudo. A pessoa pode ser feia ou bonita, legal ou chata, alta ou baixa… Seja como for, será acolhida. E elas… elas podem ser o que quiserem.

A experiência fundamental foi não ter de sorrir por sorri, não ter de ser paciente só por ser, nem sequer ter de ser amável. O que uma pessoa tem a ganhar com essas meninas do Cottolengo? A resposta é óbvia: nada. E este é o milagre: o que elas permitem não é que a pessoa possa ganhar algo, mas que possa dar o pouco que tem. Conheço muita gente que passou por esta mesma experiência: ter alguém assim em sua casa é uma carga pesada, mas também é uma bênção.

Ser descaradamente egocêntrico

Coisas milagrosas assim, tão comuns como uma instituição católica para pessoas com deficiência mental, mostram que não amamos somente as pessoas pelo que elas são, mas pelo que nos permitem ser quando estamos com elas.

Diante de uma situação desse tipo, o que é impossível calcular não é o que o outro pode me dar (seja dinheiro ou carinho, crenças compartilhadas ou ações), mas o que o outro dá porque não tem nada a perder. Quando a pessoa já perdeu tudo, só pode começar a dar, e isso é incalculável em qualquer âmbito da vida.

Eu diria que é por esta razão, por ser incalculável, que é o mais valioso que existe. Não conheço melhor lugar, melhor rosto nem melhores mãos que os de uma pessoa com deficiência mental, para começar este caminho. O rosto de um enfermo é o lugar da vitória do perdedor, e isso é muito cristão.

Nesta relação, a pessoa pode ser médica, freira, padre, segundo seu mais profundo anseio. E eu posso ser mais eu mesmo. É o egocentrismo mais puro que já vi na vida. E tudo por causa dessas garotas pelas quais me apaixonei perdidamente. Dá vontade de gritar ao mundo: “Olhem para mim! Parem o que estão fazendo e olhem para mim! Estou sorrindo de orelha a orelha!”.

Há uma consciência de que a pessoa não se dá, senão que lhe permitam dar-se, e nem sequer precisa agradecer; e abraçamos essas meninas com toda a alma, não porque são bonitas (porque não são) nem porque são espertas (porque não são)… mas porque nelas acontece o maravilhoso milagre de cada um poder ser quem realmente é, como quer ser. E ser amado desse jeito mesmo.

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