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Um sacerdote confessa: como é a experiência de ouvir os pecados dos outros?

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Zoe Romanowsky - publicado em 01/12/14

Em entrevista, um padre nos fala da reconciliação vista pelo lado do confessor

Muito tem sido escrito sobre o sacramento da reconciliação: a teologia em que ele se sustenta, a sua fundamentação bíblica, os seus benefícios para os penitentes. Mas na prática, para um padre, como é ouvir os pecados dos outros, semana após semana, mês após mês? Será que é um fardo? Será que afeta a vida espiritual de um sacerdote? A editora da versão da Aleteia em inglês, Zoe Romanowsky, foi conversar com o mons. Charles Pope sobre a sua experiência de confessor durante vinte e quatro anos de sacerdócio.

Mons. Charles Pope é pároco na arquidiocese de Washington. Mestre em Teologia Moral, ele foi ordenado sacerdote em 1989 e tem trabalhado desde então na capital norte-americana. Mons. Pope já dirigiu estudos bíblicos no Congresso dos Estados Unidos e na Casa Branca. Atualmente, é o coordenador arquidiocesano para a celebração da missa em latim. Professor, pregador de retiros espirituais, diretor espiritual e escritor, ele é também colunista em publicações diversas e modera um blog diário da arquidiocese de Washington.

O senhor ainda se lembra da primeira confissão que ouviu? Como foi?

Mons. Charles Pope: Lembro, sim. Já tinham me pedido o sacramento da confissão antes mesmo de eu chegar à paróquia. Mas sentar ao confessionário pela primeira vez foi memorável, até porque aconteceram alguns problemas com o próprio confessionário! Eu já estava um pouco nervoso. Então alguém entrou e se ajoelhou e, de repente, a tela do confessionário caiu e lá estava o rosto da pessoa me olhando. Ela ficou envergonhada, já que as pessoas esperam que a confissão seja anônima, e eu fiquei tão nervoso que me atrapalhei até para achar o papel com a fórmula da absolvição, apesar de sabê-la de memória. Enfim, foi inesquecível neste sentido também! Eu só tinha 27 anos de idade. Algumas das coisas que eu ouvia nas confissões de sábado eram bem complicadas. Que tipo de conselhos sábios eu poderia dar a um homem de 70 anos que tinha problemas conjugais, por exemplo? É incrível a confiança que as pessoas depositam nos sacerdotes quando vêm até nós. Nós temos que confiar no fato de que é Deus quem age através de nós.

O que mudou em relação ao início do seu sacerdócio no tocante a ouvir as confissões das pessoas?

Mons. Charles Pope: O principal é que eu aprendi a incentivar as pessoas a irem mais fundo nas confissões. O que tende a acontecer é que as pessoas contam o que elas fizeram e o que não fizeram. Isso é bom, mas a questão mais profunda é “por quê?”. Quais são os motivos mais profundos? Eu acho que estou mais qualificado hoje para ouvir as coisas que as pessoas me dizem e para entender como elas estão relacionadas. Há uma longa lista de reflexões que eu incentivo as pessoas a fazerem quando elas vão preparar a confissão: os sete pecados capitais, as atitudes, a arrogância, a ira… Isso ajuda a tornar a confissão viva. Muitas pessoas ficam frustradas porque confessam sempre as mesmas coisas… O crucial é olhar mais a fundo.

O que o senhor aprendeu sobre a natureza humana ouvindo as confissões das pessoas?

Mons. Charles Pope: Aprendi a ter paciência com a condição humana. Todos nós temos as nossas fraquezas, nossas lutas. Existe um chamado a levarmos o pecado a sério, e, na maioria das confissões, as pessoas falam das suas lutas com o pecado, mas eu descobri que as lutas das pessoas e os pontos fortes delas estão intimamente relacionados. Talvez uma pessoa seja boa na arte de se dar bem com os outros, mas não é perseverante, por exemplo; ou talvez ela seja realmente apaixonada e isto faça a diferença, mas tem que enfrentar a luta no campo da castidade. As nossas batalhas e as nossas forças estão muitas vezes relacionadas. Eu me lembro de um confessor que me dizia o seguinte: "Quando você estiver resolvendo isso, não destrua o Charlie Pope no processo". Eu guardei isso no coração. Muitas vezes nós resolvemos os nossos pecados de uma forma que nos leva a renunciar aos nossos pontos fortes. Mas nosso Senhor quer trabalhar em cima dessa diferença. Nós não queremos destruir a nós mesmos. E temos de respeitar o processo.

Ouvir confissões durante tantos anos afetou o senhor, emocional e psicologicamente?

Mons. Charles Pope: A minha primeira sensação, quando alguém vem se confessar, é de alívio. Essa pessoa ouviu o evangelho e se arrependeu, mas também recebeu a esperança e a graça. Eu fico muito feliz de que ela tenha vindo e esse é um momento para ser gentil e escutar. Um dos perigos, para os sacerdotes, é que nós somos um pouco “médicos”. Eu me lembro de um médico que tinha muitos anos de experiência. Eu não sabia, mas eu tinha quebrado umas costelas e achava que aquilo tinha que ser algo horrível. Mas a atitude do médico, na hora da consulta, foi a seguinte: "Você deve ter quebrado umas costelas. Isso é uma coisa bem chata". Ele já tinha visto casos iguais um milhão de vezes, mas, para mim, era uma coisa nova e assustadora. Bom, nós, como sacerdotes, também já ouvimos de tudo e podemos acabar entrando no piloto automático. Temos que lutar contra isso. Temos que estar ali por inteiro com a pessoa naquele momento. Para nós pode ser a confissão número 30 daquele dia, mas é a primeira e única para a pessoa que está ali se confessando. Estar ali de verdade com ela é importante. Eu tento me lembrar sempre de São João Maria Vianney, que dizem que era rude no púlpito, mas muito gentil no confessionário.

Como o senhor se prepara espiritualmente para ouvir confissões? O senhor faz alguma coisa específica quando termina, que o ajude a esquecer o que ouviu?

Mons. Charles Pope: Eu mesmo me confesso toda semana. Os sacerdotes deveriam se confessar com muita frequência, porque, sem isso, não vão ser confessores eficazes. Eu considero que esta é uma preparação importante. O resto é, principalmente, o que eu chamo de preparação "remota". Eu sou blogueiro e escritor e boa parte do meu trabalho gira em torno da vida espiritual e moral. Então eu faço um monte de leituras espirituals. Para mim, esta é uma condição “sine qua non” para os sacerdotes, e, com certeza, é muito importante para mim. Estou sempre lendo alguns livros. E faço a Hora Santa todos os dias. Eu dedico tempo a me sentir grato pela misericórdia de Deus. Quando as pessoas me perguntam como eu estou, eu gosto de responder: "Para um pecador, eu sou muitíssimo abençoado"!

Eu sei que o segredo da confissão é inviolável, mas o senhor já sentiu a vontade de compartilhar o que ouviu com outra pessoa?

Mons. Charles Pope: A proibição não é tão absoluta a ponto de que você nunca possa falar sobre aquilo. O que você não pode nunca é compartilhar informações ou detalhes que identifiquem alguém. Mas eu posso conversar com um irmão sacerdote e comentar algo com ele, desde que não seja nada específico. De vez em quando, eu também poderia usar algo que foi dito no confessionário para comentar numa homilia, mas, novamente, sempre de uma forma muito geral. Eu acho que todos os sacerdotes experimentam isso, mas, quando fui ordenado, Deus me abençoou com uma memória ruim. Como padre, você ouve tanta coisa que é realmente difícil se lembrar de tudo o que as pessoas dizem. E há tanta coisa que você tem que manter em sigilo, e não é só a confissão: é o aconselhamento que você dá, ajudando as pessoas que passam por problemas… Depois de alguns anos como sacerdote, no geral, você pode nem sequer se lembrar mais do que ouviu em confissão no mesmo dia. Essa falta de memória é uma graça que Deus nos dá!

Ser confessor mudou a sua vida espiritual de que forma?

Mons. Charles Pope: Para mim, é uma graça imensa poder ser confessor. A palavra que me vem à mente é “humildade”. É uma coisa extraordinária que eu esteja lá sentado fazendo o que São Paulo chamou de “ministério da reconciliação”. Não sou eu que estou fazendo isso: é nosso Senhor. E é uma coisa que realmente nos leva a ter mais humildade. Jesus assume a pessoa do sacerdote; a humanidade do sacerdote é o pão material do sacramento da ordem. Jesus nos toma e age através de nós. E isso me faz pensar: mas, meu Deus, o que é que eu tenho para ter sido escolhido para isso? Nada! É um fato que gera humildade. De um jeito quase assustador.

Ouvir confissões afeta a forma como o senhor mesmo recorre ao sacramento e vice-versa?

Mons. Charles Pope: Claro! Por exemplo, se eu sou rápido para interromper alguém, eu tento me lembrar de que eu mesmo não gosto de ser interrompido quando me confesso. Às vezes você precisa, é claro, mas eu tento escutar bem. Eu costumo me confessar sempre com o mesmo confessor, mas, às vezes, posso estar em outro lugar e sou consciente da beleza de ter alguém para me ouvir. Existe algo de poderoso na escuta; ela permite que alguém desabafe e se liberte de uma carga. O que eu digo como confessor é a parte menor. O mais poderoso mesmo é o fato de que alguém pode se libertar dos seus pecados em voz alta diante de Deus. Eu aprendi isso como diretor espiritual, também. Quando deixamos a pessoa falar, é como se ela se tornasse a sua própria ministra; há um processo de cura que está acontecendo ali. Em suma, eu tento transmitir às pessoas a minha felicidade por elas estarem ali. Eu quero que elas se sintam confortáveis falando.

O que faz de um sacerdote um grande confessor?

Mons. Charles Pope: Saber ouvir. Eu digo para os sacerdotes mais jovens, com quem eu trabalho, que 90% consiste em escutar. Você não tem que ter sábios conselhos prontos para cada momento. Esse não é o propósito da confissão. No fim das contas, o dom de saber ouvir com compaixão é suficiente.

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