separateurCreated with Sketch.

Um alerta sobre o fim dos tempos: será que foi disso que o papa Francisco falou no Parlamento Europeu?

whatsappfacebooktwitter-xemailnative
Pe. Dwight Longenecker - publicado em 04/12/14
whatsappfacebooktwitter-xemailnative

Os discursos recentes do papa parecem alertar para um tema que vem se destacando em seu pontificado
Em seu já clássico texto “Cristo e Cultura”, o teólogo protestante H. Richard Niebuhr descreve vários tipos de relação entre a igreja cristã e a cultura circundante. Ele explica que alguns cristãos veem a si mesmos em constante conflito com o mundo, enquanto outros veem a história como a interação do Espírito de Deus com a natureza e com a trajetória humana. Uma terceira visão é sintetizadora: ela vê a história humana como uma preparação positiva para a vinda do Reino de Deus. Niebuhr chama de "conversionistas" aqueles que veem a história como o fluxo dos grandes feitos de Deus e da reação da humanidade a eles. A conversão do mundo acontece através dos conflitos da história.

Todos esses pontos de vista têm os seus méritos, mas o último entendimento é o mais plenamente católico. Os católicos enxergam o propósito de Deus para o mundo se realizando no âmbito da relação muitas vezes conturbada e difícil com os poderes mundanos. Ao longo da história, vimos os papas se envolverem com os poderes do mundo sem medo, como nos casos de Leão Magno ao desafiar o huno Átila, de Pio XII ao resistir aos nazistas, de João Paulo II ao enfrentar as forças comunistas. Pelos séculos afora, os grandes papas têm mostrado que a Igreja não se furta a desafiar as potências deste mundo.

Os recentes discursos do papa Francisco diante do Parlamento Europeu e do Conselho da Europa voltam a demonstrar essa tradição da Igreja. O papa não fugiu à interação com as potências mundiais nem se resignou a desempenhar um papel simplesmente passivo. Ele não fica sentado à espera da vinda do Senhor, nem considera os poderes do mundo apenas como uma espécie de mal necessário a ser suportado. Em vez disso, a exemplo de seus predecessores João Paulo II e Bento XVI, o papa Francisco encarou o conflito de frente.

O que emerge das palavras do papa em Estrasburgo é uma repreensão surpreendente às autoridades europeias. Francisco desafiou a sua opulência, complacência e torpor. Ao declarar com todas as letras que a Europa de hoje se mostra "idosa e abatida", ele está perguntando ao velho continente: "Onde é que está o seu vigor? Onde é que está aquele idealismo que inspirou e enobreceu a sua história?".

Francisco criticou os europeus por desperdiçarem alimentos num mundo em que existem tantas crianças morrendo de fome, por não lidarem com a crise da imigração, por deixarem de proteger o meio ambiente e por ignorarem o mais básico dos direitos humanos, que é o direito à vida. Mais uma vez, ele denunciou a "cultura do descarte", lembrando aos legisladores das necessidades dos "doentes terminais, dos idosos que são abandonados sem cuidados e das crianças que são mortas no útero da mãe".

Acima de tudo, o papa Francisco relacionou os europeus com o mal-estar espiritual subjacente no mundo desenvolvido. Observando a atitude cínica e cansada dos europeus, ele disse que há um "grande vazio de ideais" no Ocidente. O esquecimento essencial de Deus levará a uma ideologia da uniformidade em que a singularidade humana e os pontos fortes individuais serão engolidos por um império secular, burocrático e sinistro, que se expande cada vez mais.

Curiosamente, um dos livros favoritos do papa Francisco é “O Senhor do Mundo”, de Robert Hugh Benson. Este romance distópico se passa num futuro dominado exatamente pelo tipo de ideologia burocrática uniformizante que o papa denunciou em seus discursos no Parlamento Europeu e no Conselho da Europa. O papa Francisco não tem pudores em falar do fim dos tempos. Seu discurso aos europeus deveria ser visto sob essa luz. Será que o papa Francisco enxerga na burocracia secular pan-europeia um poder sinistro que ameaça o mundo inteiro? Existe um quê de apocalíptico no poderoso desafio que o papa fez à Europa? Esse tema pode estar emergindo como um dos destaques deste papado: um desafio ao poder único global, que ameaça varrer o mundo com uma eficiência assustadora, criando o clima ideal para o anticristo.

Se for isso mesmo, qual é então a resposta do papa Francisco? Ele propõe o retorno e a renovação do coração da Europa e do mundo desenvolvido. Para Francisco, não se trata simplesmente de uma adesão obediente e cega à religião católica, mas de um chamado a um novo entendimento sobre a relação do homem com Deus e a uma busca espiritual dinâmica, que traga Cristo para o coração da cultura, convertendo-a de dentro para fora.