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Retomada de relações entre EUA e Cuba: um esforço de longa data mantido pela Igreja

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AP Photo/Javier Galeano

John Burger - publicado em 19/12/14

João Paulo II: "Que Cuba se abra para o mundo e que o mundo se abra para Cuba"

A mudança na política dos Estados Unidos em relação a Cuba, anunciada nesta quarta-feira pelo presidente Barack Obama, é algo em que a Igreja católica esteve trabalhando durante muitos anos.

O Vaticano e as conferências episcopais dos Estados Unidos e de Cuba têm incentivado a normalização das relações entre os dois governos há muito tempo, declarou Stephen Colecchi, diretor do Escritório de Justiça e Paz Internacional, da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos. "A conferência episcopal dos Estados Unidos declarou durante anos que o caminho para melhorar os direitos humanos e para a democracia em Cuba é mais eficaz com o diálogo do que com o isolamento. Isso já era necessário fazia tempo".

Depois da libertação de um empresário norte-americano mantido na prisão durante cinco anos, anunciou Obama, os Estados Unidos vão restabelecer relações diplomáticas plenas com Cuba e abrir uma embaixada em Havana pela primeira vez em mais de meio século.

Em acordo negociado ao longo de 18 meses de conversações secretas, Obama e Raúl Castro decidiram superar as décadas de hostilidade para estabelecer uma nova relação entre os EUA e a nação insular.

As conversas foram incentivadas pelo papa Francisco. O Secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin, divulgou um comunicado nesta mesma quarta-feira dizendo que representantes dos Estados Unidos e de Cuba se reuniram no Vaticano em outubro para discutir a retomada das relações diplomáticas.

"O Santo Padre deseja manifestar as suas calorosas felicitações pela decisão histórica dos governos dos Estados Unidos da América e de Cuba no sentido de estabelecer as relações diplomáticas, a fim de superar, pelo bem dos cidadãos de ambos os países, as dificuldades que marcaram a sua história recente", afirma o comunicado.

Dom Oscar Cantú, presidente da Comissão Episcopal para a Justiça e Paz Internacional, disse em comunicado que o anúncio dos dois governos "promoverá o diálogo, a reconciliação, o comércio, a cooperação e o contato entre as nossas respectivas nações e cidadãos".

"Nós acreditamos que há muito tempo é necessário que os Estados Unidos estabeleçam plenas relações diplomáticas com Cuba, retirem todas as restrições de viagens a Cuba, incentivem o comércio que irá beneficiar ambas as nações, levantem as restrições às transações comerciais e financeiras e facilitem a cooperação nas áreas de proteção ambiental, combate às drogas, tráfico de seres humanos e intercâmbio científico", acrescentou dom Cantú.

Dom Thomas Wenski, arcebispo de Miami, cidade que tem grande população de cubano-americanos, também emitiu um comunicado ressaltando que Obama e Castro agradeceram pelo papel desempenhado pelo papa Francisco "em tornar possível o que parece ser uma verdadeira guinada no relacionamento historicamente tenso entre Cuba e os Estados Unidos".

"O papa Francisco fez o que se espera dos papas: construir pontes e promover a paz", disse o arcebispo Wenski. "Ele agiu de modo muito parecido com o seu homônimo Francisco de Assis, que, durante a quinta cruzada, foi ao Egito para se encontrar com o sultão Al Kamil em benefício da paz".

Dom Wenski afirmou que a Igreja em Cuba "sempre se opôs ao embargo, argumentando que se tratava de uma medida que prejudicava mais os inocentes do que os culpados; e a Igreja dos Estados Unidos sempre apoiou a Igreja católica em Cuba".

O arcebispo de Miami observou ainda que Raúl Castro pareceu indicar, com os seus comentários, que o governo cubano estava aberto às conversações com os Estados Unidos sobre questões relacionadas à democracia e aos direitos humanos. "O progresso nesta área é normalmente o resultado, e não a condição prévia, de tais conversações; assim, a perspectiva dessas negociações é positiva", disse ele.

"É preciso que haja mais liberdade para os cubanos praticarem a sua religião e estudarem a própria fé fora dos limites das igrejas paroquiais (…), bem como mais oportunidades para que a dissidência e as diversas opiniões políticas sejam reconhecidas e as pessoas não corram mais o risco de encarceramento ou de outros maus tratos por defenderem pontos de vista políticos que podem contradizer as posições oficiais do governo", disse, em entrevista, Richard Coll, assessor de política internacional para a América Latina no Escritório de Justiça e Paz Internacional dos bispos norte-americanos. Coll acompanhou vários bispos dos Estados Unidos a Cuba em março de 2012, durante a visita do papa Bento XVI à ilha.

"O governo dos Estados Unidos e as Igrejas norte-americanas devem pressionar constantemente para que haja mais liberdade religiosa", pediu Nina Shea, diretora do Centro para a Liberdade Religiosa, do Instituto Hudson. "Durante várias décadas, o regime de Castro esmagou as igrejas e tentou transformar a população majoritariamente católica em ateia. Tem havido alguma tolerância para com a religião desde o papado de João Paulo II, mas as igrejas ainda sofrem muitas restrições nas áreas de educação religiosa, transmissões por rádio e TV, comunicação e defesa dos direitos humanos. Assim como outros agentes, a Igreja é impedida pelo Estado de ter um papel normal na sociedade civil. As Damas de Branco e outras vozes defensoras dos direitos humanos são perseguidas, espancadas e às vezes presas. Os Castro devem ser pressionados a acabar com a sua tirania. Ao longo da última década, a pressão constante da Igreja internacional ajudou a expandir a liberdade religiosa em Cuba, ainda que até o âmbito limitado em que ela existe hoje".

Essa liberdade expandida foi notada por observadores americanos como Coll, que destacou a existência de um "forte elemento espiritual" na visita dos bispos dos Estados Unidos à ilha durante a viagem apostólica do papa Bento XVI, em 2012. Além disso, a delegação pôde testemunhar a ação da Igreja local ao visitar algumas das suas organizações que prestam serviços e ajuda "aos pobres, idosos, crianças e jovens que, sem isso, não receberiam cuidados adequados".

Outro sinal dessa abertura se reflete no fato de que, em janeiro, a Sociedade Bíblica Americana patrocinou uma grande exposição bíblica em Havana que foi visitada por mais de 50.000 pessoas, como comenta Mario J. Paredes, do departamento da Sociedade Bíblica Americana para os Ministérios Católicos Romanos, em Nova Iorque. "Os católicos de todo o mundo estão elogiando os riscos que o presidente Obama e o presidente Raúl Castro assumiram neste esforço para normalizar as relações entre os dois países, depois de 50 anos de políticas fracassadas dos Estados Unidos para promover a democracia e abrir a sociedade cubana", disse Paredes.

Quando era diretor de um centro de pastoral hispânico afiliado à Igreja católica, Paredes tinha levado peregrinos a Cuba para acompanharem a visita pastoral histórica do papa João Paulo II, em 1998. O papa, recorda ele, exortou: "Que Cuba se abra para o mundo e que o mundo se abra para Cuba".

Imediatamente após a visita, dom Jorge Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires, escreveu um livro sobre os diálogos entre João Paulo II e o então presidente Fidel Castro. O arcebispo argentino, não custa lembrar, é hoje o papa Francisco.

"Desde aquela época, o papa Francisco tem acompanhado de perto os acontecimentos em Cuba", declarou Paredes nesta quarta-feira. "Em abril deste ano, o papa recebeu o presidente Obama no Vaticano. Dois dos temas da ordem do dia foram a normalização das relações com Cuba e a libertação de Alan Gross. O diálogo entre autoridades de alto escalão no Vaticano, nos Estados Unidos e em Cuba continuou desde então até chegarmos ao surpreendente anúncio de hoje".

Outros observadores, porém, se mostraram cautelosos, como Kristina Arriaga, diretora executiva do Becket Fund, que defende a liberdade religiosa.

"Muitos receberam com grande esperança a notícia de um ‘novo capítulo’ nas relações EUA-Cuba", disse ela em um comunicado. Arriaga é filha de "pais cubano-americanos exilados", informa o site do Becket Fund.

"O Fundo Becket para a Liberdade Religiosa espera que as próximas negociações incluam proteções robustas para as pessoas de fé que sofreram intensa opressão, prisão, tortura e uma proibição de celebrações religiosas que durou trinta anos, que incluía até o Natal e que só foi levantada devido à visita do papa João Paulo II", declara Arriaga. "Se existe uma história ao estilo Dickens que realmente precisa de um final redentor, essa história é a dos irmãos Castro e do seu estrangulamento da liberdade de expressão".

Quem também reagiu publicamente à notícia foi Chad Pecknold, professor de teologia na Universidade Católica da América.

"Esta tem sido uma longa preocupação da Santa Sé, dos papas João Paulo II e Bento XVI", disse Pecknold. "Quando João Paulo II visitou Cuba em 1998, as pessoas esperavam que ele denunciasse o comunismo. Mas ele se mostrou aberto a conversar com [Fidel] Castro e o resultado foi que Castro restaurou o feriado nacional de Natal. Da mesma forma, quando Bento XVI visitou o país em 2012, ele também se manteve aberto ao diálogo com Castro, tanto que alguns até especularam que o papa o receberia de volta na Igreja (Castro foi excomungado em 1962). Então, não é nenhuma surpresa que Francisco tenha continuado esse diálogo".

Pecknold acrescenta que o papa Francisco escreveu a Obama e a Raul Castro no meio do ano para tentar abrir um diálogo direto. "Houve reuniões secretas no Canadá e a Santa Sé também recebeu delegações dos dois países no Vaticano. Sabemos que o arcebispo Kurtz se reuniu com Obama ontem, de maneira privada, e é provável que essa reunião tenha tido alguma conexão com o anúncio de hoje sobre a redefinição das relações cubano-americanas".

O anúncio, declarou Pecknold, é uma "vitória para a diplomacia do Vaticano, exercida ao longo de décadas e materializada pelo papa Francisco".

"Agora, a única dúvida em minha mente é esta: se Francisco esteve trabalhando nos bastidores em prol das relações entre os Estados Unidos e Cuba, onde mais será que ele está trabalhando pela paz? Entre Israel e a Palestina?", perguntou-se Pecknold.

Boa pergunta!

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