Embora não tenha a profundidade de “O Senhor dos Anéis”, a trilogia também tem os seus prós
Antes de começar, eu gostaria de perguntar se tem alguém aí que acredita que os filmes da trilogia “O Hobbit” são adaptações fiéis da reverenciada obra de J.R.R. Tolkien. Tem? Por favor, levante a mão. Sim, o senhor lá no fundo. Se é nisso que o senhor realmente acredita, então, para o seu próprio bem-estar mental, eu lhe peço respeitosamente que deixe esta sala enquanto discutimos “O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos”. O senhor vai me agradecer por isso depois. Obrigado!
Muito bem. Agora, podemos falar do encerramento do trabalho multimilionário de Peter Jackson sem precisar deixar nenhum purista de Tolkien à beira de um ataque. Eu entendo a angústia dessas pessoas, mas, para aqueles que, como eu, estão dispostos a ignorar as adaptações de Jackson e enxergar os filmes “O Hobbit” apenas como entretenimento, a trilogia foi bastante agradável. Será que era necessário que um personagem que mal foi mencionado em “O Simarillion” se transformasse num antagonista de grande relevância, ou que houvesse um romance “anão-élfico”? Não, não era. Mas, para mim, essas coisas não estragaram o filme.
E isso é bom, porque “O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos” é apenas marginalmente melhor do que as duas primeiras partes da trilogia no tocante a mexer com o mundo de Tolkien. É verdade que coisas como os vermes gigantes parecem um tanto distantes da obra de Tolkien, mas, como parte da Terra Média de Peter Jackson, o resultado não foi ruim.
No geral, “O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos” é um excelente encerramento para a série. Ele começa exatamente onde o último filme tinha terminado, com o grande ancião Smaug rumando a Laketown para perpetrar uma vingança de fogo. Mais uma vez, Benedict Cumberbatch esteve em grande forma como a voz do dragão, cheio de arrogância e excesso de confiança ao provocar a aldeia condenada.
Sim, é um pouco estranho que a desolação de Laketown por Smaug aconteça no início deste filme em vez de ocorrer no final do último, onde teria feito mais sentido (até porque ele se chamava “A Desolação de Smaug”), mas, tematicamente, ele imprime um adequado tom escuro a este filme. Como nos capítulos finais de “O Hobbit” de Tolkien, A Batalha dos Cinco Exércitos é muito mais sombria do que aquilo que tinha vindo antes.
Isto fica logo evidente quando Thorin, tendo já garantido a sua posição como rei debaixo da montanha, cai vítima da mesma "doença do dragão" que tinha possuído Smaug anteriormente. Sua queda rumo à loucura é maravilhosamente retratada numa sequência alucinante em que o líder dos anões é engolido por um lago de ouro. Para quem está familiarizado com o Jackson pré-Senhor dos Anéis, a estranheza da cena é um interessante retorno a alguns dos outros trabalhos do diretor.
Depois de ter prometido ao povo de Laketown que compartilharia uma parte do tesouro quase infinito que estava à sua disposição, o Thorin doentio se recusa agora a ceder uma única moeda. Neste ponto, pelo menos, o filme se mantém bem próximo de Tolkien e do núcleo católico que está no coração das suas obras. A “doença de dragão” que afeta Thorin é nada menos que o pecado da avareza, contra o qual a Igreja nos alerta quando proclama que “aquele que ama o dinheiro nunca tem dinheiro suficiente”. Este desejo desordenado pode exceder os limites da razão e levar uma pessoa a cobiçar injustamente o que é devido a outro. E este é o pecado que obscurece o coração de Thorin e que dá a partida aos eventos que se seguem.
Bem, à maioria dos eventos. Ainda temos que lidar com o pequeno problema de Gandalf preso em Dol Guldur. Numa cena que não encontramos em nenhum dos escritos de Tolkien, os membros do Conselho Branco montam uma operação de resgate para libertar Gandalf das garras do recém-despertado Nazgûl. Será que este acréscimo era necessário para a história? Não. Mas só assista ao Sauron de Christopher Lee entrando em modo batalha e me diga se não é uma viagem bem-vinda! Se você me disser que não, eu não vou acreditar.
Agora, se você quiser destacar que muitas das cenas envolvendo Legolas e Tauriel são desnecessárias, aí sim eu vou estar bem mais inclinado a concordar com você. Eu entendo que essa parte está em sintonia com a linha do tempo, mas realmente não há nenhuma razão para que Legolas esteja nessa história além do fato de que os admiradores de Orlando Bloom queriam que ele estivesse. Para piorar a situação, suas extremas acrobacias dos filmes anteriores se transformam aqui em total super-heroísmo. É uma concessão da pior espécie às expectativas de um grupo de fãs.
Em suma, não é um filme perfeito. Mas, de todos os filmes de “O Hobbit”, este talvez seja o mais satisfatório. O peso emocional do filme é definitivamente maior que o dos seus antecessores, graças ao retrato da relação que vai ruindo entre Bilbo e Thorin. O pesar do pequeno hobbit pela incapacidade de salvar o amigo do pecado é palpável, e a sua angústia com a necessária traição é sincera. Assim como nos dois filmes anteriores, o Bilbo de Martin Freeman não recebe todo o tempo de cena que merecia, mas, quando aparece na tela, é tudo de bom. Isto só reforça que todo o exercício de adaptar “O Hobbit” e transformá-lo num épico de três partes foi uma mistura de prós e contras.
No final, os filmes de “O Hobbit” não se comparam de modo algum à trilogia de “O Senhor dos Anéis” em termos de escopo, complexidade e profundidade de sentido. Mas, se formos honestos, é exatamente a mesma coisa que acontece com os livros. A primeira vez que eu li “O Hobbit” continua sendo uma das minhas lembranças de infância mais queridas, mas o fato é que a leitura de “O Senhor dos Anéis” foi uma experiência muito mais madura e enriquecedora. E isto resume muito bem a minha reação a esses filmes. Se você quer uma obra-prima, reveja “O Senhor dos Anéis”. Mas se a única coisa que você espera é um pouco de diversão, os filmes “O Hobbit” deverão lhe fazer muito bem, obrigado.