Na clausura, tudo se faz de forma diferente
No Mosteiro da Cartuxa, em Évora, o Natal é diferente. Em silêncio e contemplação, os monges vivem este tempo de festa com tanto ou maior entusiasmo que as famílias que se reúnem. A FAMÍLIA CRISTÃ esteve lá, visitou a clausura e conta-lhe a história de um Natal diferente do habitual.
Se alguém lhe dissesse que os seus ingredientes de um Natal perfeito eram jejum, oração prolongada e silêncio, acharia estranho? Pois bem, era muito pouco provável que, de facto, alguém lhe dissesse isso, pois é possível que os únicos que utilizam esses ingredientes sejam monges e vivam em clausura no Mosteiro Cartuxa Scala Coeli, em Évora (e noutros mosteiros que a congregação tem em todo o mundo) e não têm contacto com ninguém.
Os monges da Cartuxa serão, provavelmente, os mais radicais na escolha da forma de passar o Natal. Jejum, oração e silêncio parecem estranhos a quem pensa no Natal como a festa da família, quando todos se reúnem à volta da mesa para festejar, ou vão juntos à Missa do Galo, que é uma celebração alegre e de ação de graças. Mas fazem todo o sentido. «Por ser, para nós, um dia de festa tão importante, pede-nos uma união maior com Deus e portanto passamo-lo em silêncio e oração. É uma vivência tão forte da liturgia e da união com Deus que não nos dá vontade de falar», diz-nos o Pe. Antão Lopez, superior da comunidade da Cartuxa, monge há 60 anos, 50 deles passados ali, em Évora.
Num mosteiro em que se divide o dia em três partes idênticas (oito horas cada) de descanso, oração ou leitura e trabalho, as festas maiores da Igreja são celebradas com ainda mais empenho e oração. Existem, na Cartuxa, três momentos comunitários: uma oração à meia-noite, missa pela manhã e oração de vésperas pela tarde. Comunitários, mas em silêncio, que o convívio entre os monges apenas acontece aos domingos, depois da missa dominical e durante o almoço.
No Natal, no entanto, o processo é ligeiramente diferente. O dia 24 é de jejum a pão e água, «em memória da morte de Nosso Senhor», como o é todas as sextas-feiras ou vésperas de dias santos. À noite, pelas 23 horas, começa a Missa do Galo, conforme é mais vulgarmente conhecida, e as orações prolongam-se por cerca de quatro horas, ao que se segue o descanso. No dia 25, segue a festa da celebração do nascimento de Jesus, mas sempre em silêncio, com as orações das horas intermédias a serem rezadas nas celas. «Temos muita liturgia, mas não temos convivência neste dia, a não ser com Deus», explica-nos o Pe. Antão.
Esta convivência mais comunitária surge apenas dia 26. «No dia 26 é como se fosse domingo. Comemos juntos ao almoço e ficamos durante a tarde em convívio até ao lanche, que também partilhamos em conjunto, ao contrário dos domingos normais», conta o Pe. Antão. Um processo que deixa espantados os noviços, e as próprias famílias dos monges, que «reclamam» destas regras, comenta o Pe. Antão, divertido. «Os noviços estranham, mas quando nos sintonizamos com a nossa oração, eles compreendem e faz sentido. Já as nossas mães reclamam muito (risos)», confidencia o sacerdote espanhol, que conta que nesta altura do ano não há visitas nem comunicações. «Nós renunciamos à nossa família de sangue, e não os visitamos, são eles quem nos visita. Este é um dos maiores sacrifícios que os jovens que entram na Cartuxa sentem, e na altura do Natal mais um pouco. O Natal vive-se na Cartuxa em família. Dia 24 estamos em família em oração, dia 25 gostamos de estar em silêncio a falar com Deus, e 26 estamos juntos, mas sem a família de sangue. Até procuramos evitar que venham nesta altura, vêm mais no verão, até porque seria complicado ter aqui todas as famílias, e nós não queremos “perder” esse tempo, já que queremos estar em oração. Mas sabemos que é doloroso, por outro lado, passar esse tempo sem eles», diz.