Aleteia logoAleteia logoAleteia
Domingo 28 Maio |
Bem-aventurado Antônio Julião Nowowiejski
Aleteia logo
Religião
separateurCreated with Sketch.

O Natal do silêncio e da oração

Natal na clausura

Família Cristã

Ricardo Perna - Família Cristã - publicado em 23/12/14

Na clausura, tudo se faz de forma diferente

No Mosteiro da Cartuxa, em Évora, o Natal é diferente. Em silêncio e contemplação, os monges vivem este tempo de festa com tanto ou maior entusiasmo que as famílias que se reúnem. A FAMÍLIA CRISTÃ esteve lá, visitou a clausura e conta-lhe a história de um Natal diferente do habitual.

Se alguém lhe dissesse que os seus ingredientes de um Natal perfeito eram jejum, oração prolongada e silêncio, acharia estranho? Pois bem, era muito pouco provável que, de facto, alguém lhe dissesse isso, pois é possível que os únicos que utilizam esses ingredientes sejam monges e vivam em clausura no Mosteiro Cartuxa Scala Coeli, em Évora (e noutros mosteiros que a congregação tem em todo o mundo) e não têm contacto com ninguém.

Os monges da Cartuxa serão, provavelmente, os mais radicais na escolha da forma de passar o Natal. Jejum, oração e silêncio parecem estranhos a quem pensa no Natal como a festa da família, quando todos se reúnem à volta da mesa para festejar, ou vão juntos à Missa do Galo, que é uma celebração alegre e de ação de graças. Mas fazem todo o sentido. «Por ser, para nós, um dia de festa tão importante, pede-nos uma união maior com Deus e portanto passamo-lo em silêncio e oração. É uma vivência tão forte da liturgia e da união com Deus que não nos dá vontade de falar», diz-nos o Pe. Antão Lopez, superior da comunidade da Cartuxa, monge há 60 anos, 50 deles passados ali, em Évora.

Num mosteiro em que se divide o dia em três partes idênticas (oito horas cada) de descanso, oração ou leitura e trabalho, as festas maiores da Igreja são celebradas com ainda mais empenho e oração. Existem, na Cartuxa, três momentos comunitários: uma oração à meia-noite, missa pela manhã e oração de vésperas pela tarde. Comunitários, mas em silêncio, que o convívio entre os monges apenas acontece aos domingos, depois da missa dominical e durante o almoço.

No Natal, no entanto, o processo é ligeiramente diferente. O dia 24 é de jejum a pão e água, «em memória da morte de Nosso Senhor», como o é todas as sextas-feiras ou vésperas de dias santos. À noite, pelas 23 horas, começa a Missa do Galo, conforme é mais vulgarmente conhecida, e as orações prolongam-se por cerca de quatro horas, ao que se segue o descanso. No dia 25, segue a festa da celebração do nascimento de Jesus, mas sempre em silêncio, com as orações das horas intermédias a serem rezadas nas celas. «Temos muita liturgia, mas não temos convivência neste dia, a não ser com Deus», explica-nos o Pe. Antão.

Esta convivência mais comunitária surge apenas dia 26. «No dia 26 é como se fosse domingo. Comemos juntos ao almoço e ficamos durante a tarde em convívio até ao lanche, que também partilhamos em conjunto, ao contrário dos domingos normais», conta o Pe. Antão. Um processo que deixa espantados os noviços, e as próprias famílias dos monges, que «reclamam» destas regras, comenta o Pe. Antão, divertido. «Os noviços estranham, mas quando nos sintonizamos com a nossa oração, eles compreendem e faz sentido. Já as nossas mães reclamam muito (risos)», confidencia o sacerdote espanhol, que conta que nesta altura do ano não há visitas nem comunicações. «Nós renunciamos à nossa família de sangue, e não os visitamos, são eles quem nos visita. Este é um dos maiores sacrifícios que os jovens que entram na Cartuxa sentem, e na altura do Natal mais um pouco. O Natal vive-se na Cartuxa em família. Dia 24 estamos em família em oração, dia 25 gostamos de estar em silêncio a falar com Deus, e 26 estamos juntos, mas sem a família de sangue. Até procuramos evitar que venham nesta altura, vêm mais no verão, até porque seria complicado ter aqui todas as famílias, e nós não queremos “perder” esse tempo, já que queremos estar em oração. Mas sabemos que é doloroso, por outro lado, passar esse tempo sem eles», diz.

Um isolamento nem sempre isolado por causa da fé das pessoas

O Mosteiro da Cartuxa não está aberto a visitas. Se por um lado é essencial que assim seja, para preservar o isolamento em que os monges resolveram viver, por outro é uma pena que não se possa sentir a paz e o silêncio retemperador que ali se vive, conforme testemunhou a reportagem da FAMÍLIA CRISTÃ. Os corredores vazios e o silêncio que penetra no espírito elevam a alma. Cheios deste espírito de Deus, os monges nem precisam de trocar prendas no Natal. A oração é o presente de Deus e o convívio, o presente que oferecem uns aos outros os cinco monges que ali vivem. «Não trocamos prendas, somos comunistas (risos). Temos na cela apenas o que precisamos, e não temos nada para dar a ninguém. Entre nós não somos sequer “proprietários da bengala que usamos”, diz a nossa Regra de vida, e por isso o convívio e a conversa é o presente que trocamos uns com os outros», conta o Pe. Antão.

Mas isso não significa que o Natal não seja marcado por gestos externos. «No dia de Natal enfeitamos mais a igreja e temos um presépio grande», conta o Pe. Antão, que recorda um monge português, antigo jogador do Sporting, que, «por ser negro, colocava Baltazar, o Rei Mago negro, sempre à frente dos outros dois». «Fazemos um grande presépio e vamos avançando os Reis Magos um pouco cada dia. Só no dia 6 de janeiro é que são colocados frente ao Menino Jesus», diz o sacerdote e monge.

Este isolamento dos monges da Cartuxa não significa um corte com o mundo de fora. Seria impossível, a avaliar pela quantidade de telefonemas, cartas e pedidos que recebem. O Pe. Antão celebra semanalmente uma missa numa capela do mosteiro que está fora da clausura e que tem sempre «cerca de 30 carros parados à porta», com amigos, vizinhos e pessoas que vêm de longe porque «gostam da simplicidade de uma missa toda rezada».

De fora vêm também muitas prendas na altura do Natal. «Doces, comidas, oferecem-nos até demais para nós. Recebemos muito porque os amigos se lembram de nós», reconhece o superior do mosteiro da Cartuxa. Prendas, mas intenções de oração também. «Como superior, que atende também o telefone, esse é um assunto para mim comovente. Ao contrário de outros mosteiros da Cartuxa, aqui há muita religiosidade popular e muito pedido de oração, por telefone, carta ou e-mail. Pedem que reze pelo filho que tem o casamento em crise, ou o marido que está a morrer, nem se identificam, por vezes. Rezamos por todas as intenções que nos são pedidas, nas várias missas que temos. E algumas pessoas ligam-nos mais tarde a falar sobre o que sucedeu e como a graça foi atingida. Tínhamos um padre de Lisboa que nos encomendava muitas intenções da sua paróquia, e depois ligava-nos sempre a dizer como tinham corrido as coisas», diz o Pe. Antão, que acrescenta que «não precisamos do feedback, porque sabemos que Deus nos escuta, mas é sempre agradável receber essas notícias». No Natal, não há intenções especiais. «São as mesmas de todo o ano. Mas ligam-nos muitas vezes para desejar um Feliz Natal», conta.

Em silêncio e contemplação, o Natal tem um sabor tão igual para estes monges como para as famílias que se reúnem em festa ruidosa. O Deus Menino nasce para todos, e cada um vive essa festa ao seu jeito particular. E você que nos lê, como escolhe viver o seu Natal?



texto e fotos Ricardo Perna

Tags:
Natal
Apoiar a Aleteia

Se você está lendo este artigo, é exatamente graças a sua generosidade e a de muitas outras pessoas como você, que tornam possível o projeto de evangelização da Aleteia. Aqui estão alguns números:

  • 20 milhões de usuários no mundo leem a Aleteia.org todos os meses.
  • Aleteia é publicada diariamente em sete idiomas: inglês, francês,  italiano, espanhol, português, polonês e esloveno
  • Todo mês, nossos leitores acessam mais de 50 milhões de páginas na Aleteia.
  • 4 milhões de pessoas seguem a Aleteia nas redes sociais.
  • A cada mês, nós publicamos 2.450 artigos e cerca de 40 vídeos.
  • Todo esse trabalho é realizado por 60 pessoas que trabalham em tempo integral, além de aproximadamente 400 outros colaboradores (articulistas, jornalistas, tradutores, fotógrafos…).

Como você pode imaginar, por trás desses números há um grande esforço. Precisamos do seu apoio para que possamos continuar oferecendo este serviço de evangelização a todos, independentemente de onde eles moram ou do quanto possam pagar.

Apoie Aleteia a partir de apenas $ 1 - leva apenas um minuto. Obrigado!

PT300x250.gif
Oração do dia
Festividade do dia





Envie suas intenções de oração à nossa rede de mosteiros


Top 10
Ver mais
Boletim
Receba Aleteia todo dia