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Democracia em Cuba: com Obama, pouca esperança para o progresso dos direitos humanos

Anti-Castro protestor in Miami – pt

AP

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John Burger - publicado em 27/12/14

Ativistas continuam listando abusos contínuos e lamentam o que consideram uma “rendição” dos Estados Unidos

Carlos Eire é professor de história na Universidade de Yale. Ele cresceu em Cuba e foi uma das 14.000 crianças enviadas de avião para fora do país comunista no início dos anos 1960. Mas muitos dos seus parentes ficaram para trás. Ele andou pensando especialmente em uma das suas parentas ao longo da semana passada, quando os presidentes Barack Obama e Raúl Castro anunciaram em conjunto a intenção de normalizar as relações entre os seus países.

"Se você vai à igreja, pode esquecer de conseguir um bom trabalho. Eles sabem; eles sabem quem vai porque em cada bloco existe uma casa espiã. E se você der uma educação religiosa de qualquer tipo aos seus filhos, pode esquecer que eles consigam passar da 8ª série", denuncia Eire, autor de vários livros traduzidos para diversas línguas, mas proibidos em sua própria terra natal. "Uma das minhas tias ensinava o catecismo. Ela sempre teve só duas ou três crianças na turma. Os pais delas faziam uma escolha difícil, colocando em risco o futuro delas para garantir uma educação religiosa. Ela tinha que fazer um relatório para a comissão espiã local, no bloco que as crianças frequentavam. Isso durou da década de 1970 até a década de 1990”.

“Quando o papa João Paulo II visitou Cuba [em 1998], de repente, de uma semana para a outra, ela tinha 30 crianças na sala de aula”, continua Eire. “Mas, um mês depois, já eram duas ou três de novo, porque a comissão de espionagem disse para os pais: ‘Se vocês continuarem mandando os seus filhos para a casa dela, o que vai acontecer com vocês é isso e isso’”.

Eire e outros simpatizantes do movimento pela democracia em Cuba expressaram ceticismo quanto à possibilidade de que o acordo anunciado na semana passada melhore a situação dos direitos humanos na ilha. É verdade que a experiência da tia de Eire remonta às décadas de 1970 a 1990, mas os ativistas entrevistados nos últimos dias afirmam que ainda é difícil praticar a religião em Cuba, embora o governo afirme que existe liberdade de religião no país.

"O governo dos Estados Unidos e as igrejas americanas têm que pressionar constantemente por mais liberdade religiosa", declarou Nina Shea, diretora do Centro para a Liberdade Religiosa, do Instituto Hudson. "As igrejas ainda sofrem muitas restrições no tocante à educação religiosa, ao uso de rádio e TV, à comunicação e à defesa dos direitos humanos. Como tantos outros, eles são impedidos pelo Estado de desempenhar um papel normal na sociedade civil".

"O governo tolera a Igreja, desde que ela não interfira na política", observa Enrique Pumar, professor associado de sociologia na Universidade Católica da América. Pumar vê alguma mudança em comparação com a sua época de adolescente em Cuba, mas é preciso muito mais progresso. "Eu era coroinha lá, no final da década de 1960. Eles faziam festas com música alta na frente da igreja para não conseguirmos ouvir a missa. Eles nos proibiam de tocar os sinos, para que as pessoas não soubessem a hora das missas".

Apesar dos pequenos progressos, afirma ele, o governo "se infiltrou na Igreja" e "nunca vai permitir" que a Igreja realize um dos seus maiores desejos, que é gerir as suas próprias escolas e universidades.

"Eu estou pessimista" quanto ao impacto do acordo na situação dos direitos humanos, prossegue Pumar. "Perdemos uma grande oportunidade" ao concordar em normalizar as relações sem antes insistir em concessões por parte de Cuba. "Tínhamos que ter seguido a solução de Warren Christopher [ex-secretário de Estado norte-americano] e dizer aos cubanos que tudo depende deles: vocês fazem as reformas e nós mudamos a nossa política".

Eire também gostaria que os Estados Unidos insistissem nas condições antes de aplicar qualquer mudança, como o fim do embargo econômico. “[Os Estados Unidos deveriam] dizer [a Cuba]: ‘Permitam os partidos políticos. Permitam os sindicatos, a liberdade de reunião, a liberdade de imprensa. Parem de assediar as pessoas que não concordam com o governo. Façam uma eleição’. Existe todo tipo de condição que poderia ser colocada para que este acordo aconteça. Não houve nada disso”, considera ele.

Alberto de la Cruz, editor do site Babalublog, é ainda mais pessimista. “Este acordo passa a mensagem para o governo cubano de que os Estados Unidos não se preocupam com os direitos humanos”, interpreta De la Cruz, que nasceu nos Estados Unidos, mas é filho de pais que fugiram da revolução comunista em Cuba. “A primeira coisa que eles dizem quando você quer fazer negócios com eles é o seguinte: ‘Não mencione e não exija nada sobre direitos humanos’”.

Dentre os observadores que aprovaram a notícia do acordo na semana passada, incluindo representantes da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos, alguns destacaram que o diálogo com o regime cubano poderia gerar mudanças mais rapidamente do que o isolamento. Alguns fizeram uma comparação com a China, onde o turismo e o comércio internacional expuseram os chineses ao Ocidente democrático.

“As pessoas dizem que os turistas mostram o quanto o capitalismo é maravilhoso e que o povo vai se levantar e derrubar o governo”, continua De la Cruz. “Mas eu pergunto: ‘O que os turistas norte-americanos podem fazer que os turistas ingleses ou canadenses não podem?’”. Canadá e Reino Unido permitem o turismo em Cuba há mais de 20 anos. “A ilha já recebe 2 milhões de turistas. Além disso, toda a indústria do turismo é chefiada pelo exército cubano. O seu dia inteiro em Cuba é controlado pelo governo cubano. Você vai para os museus deles, fica nos hotéis deles, assiste aos shows deles. Você visita as partes de Havana que eles querem que você visite. E se você tentar visitar os dissidentes… Um cara me mandou um e-mail dizendo: ‘Eu não fui vigiado pelo governo’. Eu perguntei: ‘Certo, e quantos dissidentes você visitou?’. Ele disse que nenhum. Eu respondi: ‘Bom, se você tivesse tentado, eles não precisariam ter vigiado você, eles apenas vigiam o dissidente, que é o que eles já fazem. Eu garanto que, se você tivesse visitado um dissidente, você também teria recebido uma visitinha’”.

Quando anunciou as mudanças, o presidente Obama disse que é hora de tentar uma abordagem diferente, já que o corte de relações durante mais de cinquenta anos e o embargo econômico não deram os resultados desejados. “Estes cinquenta anos demonstraram que o isolamento não funcionou”, disse ele. “É hora de uma nova abordagem”.

“Mas a alternativa que eles estão propondo foi usada pela Europa e pelo Canadá nos últimos vinte anos, ou seja, fazer negócio com o regime dos Castro, e isso também não funcionou”, retruca De la Cruz. “As detenções de ativistas dos direitos humanos quadruplicaram em Cuba desde 2010”.

De fato, poucos dias antes do anúncio do acordo, dissidentes cubanos foram às ruas para fazer manifestações no Dia Internacional dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro, conforme recordaram tanto Pumar quanto De la Cruz. Centenas deles foram presos. Alguns foram agredidos.

Para De la Cruz, este fato ressalta a falta de liberdade de imprensa e a capacidade de Cuba de intimidar os jornalistas estrangeiros. Em vez de informar sobre as prisões, disse ele, as agências AP e Reuters publicaram notícias “mais seguras” sobre o maior charuto do mundo e sobre uma competição de bartenders.

Apesar da intimidação, vários grupos de dissidentes continuaram se expondo. As Damas de Branco, esposas de dissidentes presos, assistem à missa todos os domingos numa igreja de Havana e marcham em silêncio rezando o terço.

“Centenas de vezes, elas foram atacadas pelo regime de Fidel Castro, pelo seu exército, pelos seus capangas”, afirma Margaret L. Petito, que dirige a fundação Amigos do Estado de Direito no Equador, sediada em Washington. “Muitas delas morreram, foram estupradas, torturadas, dentro e fora da prisão. E isso continua. Não há nenhuma garantia de que Raúl vá reformar nada”.

Petito lamentou ainda que, no acordo proposto por Obama, não há instrumentos para garantir o progresso no tocante aos direitos humanos. “Isso não faz parte do plano. Este é o furo em tudo isso”.

A organização Human Rights Watch saudou a decisão histórica de Obama de revisar a política dos Estados Unidos em relação a Cuba como um “passo crucial na remoção de um grande obstáculo para o progresso dos direitos humanos”, mas destacou os problemas que persistem.

O governo cubano continua a reprimir indivíduos e grupos que criticam o governo ou exigem os direitos humanos básicos, disse a organização em comunicado. “As prisões arbitrárias e as detenções de curto prazo aumentaram de modo dramático nos últimos anos, impedindo rotineiramente que os defensores dos direitos humanos, os jornalistas independentes e outros exerçam a liberdade de reunião e de movimento. As detenções são utilizadas preventivamente para impedir as pessoas de participar de marchas ou de reuniões pacíficas voltadas à discussão política. Os detidos são frequentemente agredidos, ameaçados e mantidos incomunicáveis durante horas ou dias”.

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