Em sua mais recente entrevista, Francisco fala sobre pobreza, justiça social, crise econômica e rebate críticas ao seu estilo
"Marxista", "comunista" e "pauperista": as palavras de Francisco sobre a pobreza e sobre a justiça social, os seus frequentes apelos à atenção em relação aos necessitados, lhe atraíram críticas e até mesmo acusações, às vezes expressadas com dureza e sarcasmo. Como o Papa Bergoglio vive tudo isso? Por que o tema da pobreza esteve tão presente no seu magistério?
Publicamos abaixo um trecho da entrevista com o Papa Francisco veiculada no jornal La Stampa nesse domingo. A publicação em português é da IHU On-Line.
Santidade, o capitalismo, como o estamos vivendo nas últimas décadas, é, na sua opinião, um sistema de algum modo irreversível?
Eu não saberia como responder a essa pergunta. Reconheço que a globalização ajudou muitas pessoas a se levantarem da pobreza, mas condenou tantas outras a morrer de fome. É verdade que, em termos absolutos, cresceu a riqueza mundial, mas também aumentaram as desigualdades e surgiram novas pobrezas. O que eu noto é que esse sistema se mantém com aquela cultura do descarte da qual já falei várias vezes. Há uma política, uma sociologia e também uma atitude do descarte. Quando no centro do sistema não está mais o homem, mas o dinheiro, quando o dinheiro se torna um ídolo, os homens e as mulheres são reduzidos a simples instrumentos de um sistema social e econômico caracterizado, melhor, dominado por profundos desequilíbrios. E assim se "descarta" aquilo que não serve para essa lógica: é aquela atitude que descarta as crianças e os idosos, e que agora também afeta os jovens.
Impressionou-me saber que, nos países desenvolvidos, há tantos milhões de pessoas com menos de 25 anos que não têm trabalho. Eu os chamei de jovens "nem-nem", porque não estudam nem trabalham: não estudam porque não têm possibilidade para fazê-lo, não trabalham porque falta o trabalho. Mas eu também gostaria de lembrar daquela cultura do descarte que leva a rejeitar as crianças também com o aborto. Chamam-me a atenção as taxas de natalidade tão baixas aqui na Itália: assim, perde-se o vínculo com o futuro. Assim como a cultura do descarte leva à eutanásia escondida dos idosos, que são abandonados, em vez de serem considerados como a nossa memória. O vínculo com o nosso passado é um recurso de sabedoria para o presente. Às vezes eu me pergunto: qual será o próximo descarte? Devemos parar no tempo. Paremos, por favor! E então, para tentar responder à pergunta, eu diria: não consideremos esse estado das coisas como irreversível, não nos resignemos. Busquemos construir uma sociedade e uma economia em que o homem e o seu bem, e não o dinheiro, estejam no centro.
Uma mudança, uma maior atenção à justiça social pode ocorrer graças a mais ética na economia ou é justo supor também mudanças estruturais no sistema?
Acima de tudo, é bom lembrar que há a necessidade de ética na economia e há necessidade de ética também na política. Várias vezes, vários chefes de Estado e líderes políticos que eu pude encontrar depois da minha eleição a bispo de Roma me falaram sobre isso. Eles disseram: vocês, líderes religiosos, devem nos ajudar, dar-nos indicações éticas. Sim, o pastor pode fazer os seus apelos, mas estou convencido de que é preciso, como recordava Bento XVI na encíclica Caritas in veritate, de homens e mulheres com os braços levantados para Deus para rezar a Ele, conscientes de que o amor e a partilha dos quais deriva o autêntico desenvolvimento não são um produto das nossas mãos, mas um dom a se pedir.
E, ao mesmo tempo, estou convencido de que é preciso que esses homens e essas mulheres se comprometam, em todos os níveis, na sociedade, na política, nas instituições e na economia, pondo no centro o bem comum. Não podemos mais esperar para resolver as causas estruturais da pobreza, para curar as nossas sociedades de uma doença que só pode levar a novas crises. Os mercados e a especulação financeira não podem gozar de uma autonomia absoluta. Sem uma solução aos problemas dos pobres não resolveremos os problemas do mundo. São necessários programas, mecanismos e processos orientados a uma melhor distribuição dos recursos, à criação de trabalho, à promoção integral de quem está excluído.