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Eu condeno o atentado, mas não sou Charlie Hebdo

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Salvador Aragonés - publicado em 13/01/15
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Uma coisa é condenar o atentado a um jornal, seja ele qual for, e outra coisa é identificar-se (“eu sou”) com tal jornal
A manifestação de Paris, pela liberdade e pelos valores de convivência ocidental, como a tolerância e contra o terrorismo, foi um sucesso, como todas as demais manifestações realizadas no último domingo, em toda a França.
 
Finalmente, o Ocidente parece ter se conscientizado do terrorismo, e agora é preciso passar dos gestos e das palavras, das manifestações e dos cartazes, aos fatos.
 
No entanto, o sucesso de Paris, que me alegra, não significa que “eu sou Charlie Hebdo”, pois eu não sou Charlie. Isso não é uma provocação. Condeno o vil assassinato múltiplo cometido pelo Al Qaeda e pelo Estado Islâmico na França na semana passada. E faço uma afirmação inquebrantável a favor da liberdade e da tolerância, e por isso, também da liberdade de expressão.
 
Mas eu não sou Charlie Hebdo, e tenho a liberdade e a obrigação de dizer isso, porque não posso me identificar com um jornal que é o oposto das minhas ideias, que zomba de todas as religiões. Defendo sua existência, mas não atribuam a mim slogans ou cartazes confusos, como “Eu sou Charlie Hebdo”, porque eu não me identifico com este jornal.
 
Como disse o presidente da França, houve três atentados terroristas, um deles também em um supermercado judaico, e nem por isso preciso me identificar com esse supermercado. Uma coisa é o atentado a um jornal, seja ele qual for, e outra coisa é identificar-se (“eu sou”) com tal jornal.
 
Os slogans sempre são reducionistas e necessariamente não podem expressar com exatidão um pensamento. No entanto, o slogan francês contra o terrorismo do Al Qaeda chegou a identificar-se com um jornal cujo conteúdo é uma sátira das religiões.
 
Rejeito a hipocrisia daqueles que hoje dizem uma coisa e amanhã fazem o contrário em seu país, em sua universidade, em sua terra, em sua cidade ou em seu colégio, onde a tolerância é cada vez menor.
 
Nos Estados Unidos, por exemplo, não se toleraria esse jornal, como não se tolerou que um professor universitário explicasse a doutrina da Igreja Católica sobre a homossexualidade: ele foi despedido.
 
Os franceses e o mundo em geral condenaram sem paliativos, em sua manifestação de Paris, os atentados terroristas daqueles que utilizam o Islã para cometer atos violentos ou para matar em nome de Alá.
 
Não vi nenhum muçulmano exibindo o cartaz “Je suis Charlie Hebdo”. A delegação de Marrocos inclusive se retirou da manifestação de Paris porque havia cartazes burlescos sobre Maomé.
 
O terrorismo de origem islâmico pode ser combatido somente com o uso das forças de segurança ou do exército, como na França? Certamente, não.
 
E faço outra pergunta: o que os imames disseram em suas pregações, nas numerosas mesquitas do mundo, na sexta-feira de oração seguinte aos atentados? Segundo me informaram, nem todos condenaram os atentados, como fizeram as vozes oficiais de importantes organizações islâmicas, ainda que nem todas.
 
Tampouco todos os estados islâmicos condenaram os atentados de Paris, ainda que o Hezbollah, catalogado como organização terrorista, bem como o Irã, tenham afirmado que a violência não faz parte da religião islâmica. Este terrorismo precisa ser combatido também com armas políticas.
 
O governo da Espanha, meu país, por exemplo, deveria se preocupar por combater o terrorismo do Al Qaeda e do Estado Islâmico; talvez conseguir que alguns clubes, como o Barcelona, deixassem o patrocínio de um estado como o Qatar, financiador do Estado Islâmico; ou que os governos do mundo buscassem que suas relações com o Qatar não incentivassem o terrorismo.
 
Poderíamos continuar mencionando certos apoios, diretos e indiretos, que ocorrem a quem financia o terrorismo. Mas me limito a recordar que a luta contra o terrorismo de origem islamita não será derrotada somente com medidas policiais, mas também com medidas políticas que logicamente afetam o bolso de estados e organizações internacionais.
 
Chegou a hora de acabar com a hipocrisia das políticas internacionais de muitos estados.