Papa Francisco relançou a questão com novos dados, perante a Rota Romana
O Papa Francisco pediu na sexta-feira ao Tribunal da Rota Romana que considere apenas a vontade da pessoa como argumento para a declaração de nulidade matrimonial, além da vontade demonstrada de que as limitações financeiras impeçam «o acesso de todos os fiéis à justiça da Igreja». «Os sacramentos são gratuitos, os sacramentos dão-nos a graça, e um processo matrimonial diz respeito ao sacramento do Matrimónio. Quanto gostaria que todos os processos fossem gratuitos», confessou.
No dia em que apresentou a sua Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, Francisco discursou para os membros do Tribunal da Rota Romana, o Tribunal eclesiástico da Santa Sé, na abertura do ano judicial. Um discurso bem mais valioso do que a sua cobertura mediática, pois passou despercebido à maioria dos órgãos o pedido de Francisco aos juízes. «O juiz, ao ponderar a validade do consentimento expresso, deve ter em conta o contexto de valores e de fé – bem como a sua carência ou ausência – em que a intenção matrimonial se formou», disse o Papa.
Em casos de dúvida sobre a validade do casamento, assinala o Papa, o juiz deve verificar se houve «um vício de origem do consenso», seja por falta de uma intenção «válida» seja por um «grave défice na compreensão do próprio Matrimónio». O Papa aludiu ao «contexto humano e cultural» em que se forma esta «intenção matrimonial», marcado atualmente por uma «crise de valores».
Poderíamos assumir estar perante uma posição idêntica à já defendida por Bento XVI e João Paulo II. Mas esse pode não ser o caso, pelo menos segundo o Pe. José Alfredo Patrício, canonista da diocese de Lamego, para quem o discurso de Francisco hoje «encerra uma novidade e coloca novas questões».
No seu discurso, o Papa afirma que «a falta de conhecimento da fé pode levar ao que a Igreja define como erro determinante da vontade, conforme o cânone 1099». Ou seja, o que o Papa defende é que a «formação da intenção matrimonial» dos nubentes pode ser deturpada pela falta de fé desse nubente e que tal facto pode ameaçar «não só a estabilidade do Matrimónio, a sua exclusividade e fecundidade, mas também a ordenação do Matrimónio para o bem do outro», conforme se pode ler no seu discurso.
Esta postura é «nova» e não vai no mesmo sentido das intervenções dos anteriores Papas, segundo o Pe. José Alfredo. Em 2003, no seu discurso perante a Rota Romana, João Paulo II colocava já a hipótese de haver matrimónios que, em virtude da falta de fé dos nubentes no momento de aceitação do sacramento, pudessem ser declarados nulos. E Bento XVI, em 2013, repetiu essa mesma intenção aos membros do Tribunal da Rota Romana. «Certamente o fechamento a Deus ou a recusa da dimensão sagrada da união conjugal e do seu valor na ordem da graça torna árdua a encarnação concreta do modelo altíssimo de matrimónio concebido pela Igreja segundo o desígnio de Deus, podendo chegar a minar a própria validade do pacto quando, como assume a consolidada jurisprudência deste Tribunal, se traduz numa recusa de um princípio da mesma obrigação conjugal de fidelidade, ou seja, dos outros elementos ou propriedades essenciais do matrimónio», dizia Bento XVI na altura.
No entanto, ambos os pontífices alertavam para o facto de «o pacto indissolúvel entre homem e mulher não exige, para fins da sacramentalidade, a fé pessoal dos nubentes; o que é exigido, como condição mínima necessária, é a intenção de fazer o que a Igreja faz», como dizia Bento XVI. Ou seja, que o argumento da falta de fé apenas poderia ser utilizado se estivesse «aliado à falta de acreditar numa das propriedades do matrimónio, como o ter intenção de se divorciar, ou não desejar ter filhos», confirma o Pe. José Alfredo Patrício.