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Santo Sudário: exposição laica de arte sacra gira em torno do mistério da ressurreição

Sudário da Ressurreição

Mirtis Moraes

Aleteia Vaticano - publicado em 20/04/15

A artista plástica brasileira Mirtis Moraes fala sobre o enigma que inspira a sua arte sacra

Em junho deste ano, o Santo Sudário será exposto à visitação pública em Turim, na Itália, e o papa Francisco já confirmou que irá pessoalmente à cidade para ver a relíquia.

Aqui no Brasil, a artista plástica Mirtis Gonçalves de Moraes, que já organizou na quaresma de 2014 a exposição de arte sacra "Sudário da Ressurreição", fala sobre o misterioso tecido em que o corpo de Jesus teria sido envolvido no sepulcro.



Mirtis, a sua exposição de arte sacra "Sudário da Ressurreição" não se concentra apenas no Santo Sudário. Você expõe uma sequência de peças sacras ligadas a vários momentos da História da Salvação. Por que o título da exposição faz referência especificamente ao Sudário?

Mirtis – Porque o Sudário é um ícone da Ressurreição de Cristo, que é o evento mais importante de toda a fé cristã. É o evento que dá sentido a todos os outros episódios da História da Redenção. "Se Cristo não ressuscitou, vã é a nossa fé". Alguns outros episódios da História da Salvação eu também represento na exposição, mas sempre girando em torno do núcleo da Ressurreição.

Desses outros episódios que giram em torno da Ressurreição, quais são representados na exposição de arte sacra?

Mirtis – Eu represento uma série de momentos, personagens e conceitos, cujo sentido sempre se orienta para o ápice que é a Ressurreição de Cristo. O Amor do Pai, por exemplo, é a explicação suprema da própria Ressurreição, já que tudo foi feito porque Deus amou tanto a humanidade que entregou o próprio Filho para redimi-la do pecado e reconciliá-la consigo. As peças que representam o Amor de Deus Pai são O Coração do Pai e A Criação, simbolizada pela mão de Deus tocando a mão do homem, numa releitura da Criação de Adão, de Michelangelo, mas agora em forma de escultura. A Santíssima Trindade é representada por uma peça tripla, em forma de cruz inserida num círculo, com caracteres hebraicos que evocam a historicidade concreta da linguagem da redenção. Maria, a Mãe de Deus Encarnado, está presente em três peças: o Magnificat, a Rainha da Paz e o Coração Imaculado, em que ela é representada junto com o Sagrado Coração de Jesus, de quem é inseparável. E, é claro, as peças que evocam especificamente os episódios da Semana Santa. A primeira delas é, na verdade, uma instalação composta, chamada Encruzilhada, que reúne a cruz latina, a cruz grega e a cruz celta. Temos também o Lenço da Verônica, o Mandamento do Amor do Cristo Missionário, o Triunfo de Cristo, o Cristo Vivo e duas versões do Sudário. A primeira versão se chama exatamente Sudário da Ressurreição: ela apresenta o sudário envolvendo os braços de uma Cruz flutuante e transparente, já sem o Corpo de Jesus. E a outra versão é o Sudário Vivo, que é uma peça de estilo mais abstrato, fundida em bronze e recoberta de pátina. Essa peça é muito mais simbólica, subjetiva, aberta à reflexão de cada um. Aliás, cada uma das peças é acompanhada, na exposição, por um texto que propõe uma reflexão filosófica ecumênica, aberta a crentes e não crentes. A reflexão de fundo é unitária: o mistério da nossa própria ressurreição para uma vida espiritual.

Toda a Semana Santa culmina no dia da Ressurreição de Cristo, no Domingo de Páscoa. A Semana Santa começa no Domingo de Ramos, quando Cristo entra em Jerusalém montado num burrinho e é recebido como o Salvador pela multidão, que o aclama com ramos de oliveira. Na Quinta-Feira Santa, Jesus celebra a Última Ceia: é quando Ele institui a Eucaristia, o grande memorial do seu sacrifício, atualizado em todas as missas. Na Sexta-Feira Santa, Ele enfrenta a Paixão, o grande, terrível sofrimento da cruz. No Sábado Santo, a Igreja guarda um grande silêncio, meditando sobre Jesus e acompanhando sua Mãe, Maria, que permaneceu firme aos pés da cruz. E no Domingo de Páscoa, quando Cristo já ressuscitou dos mortos, só o sudário é encontrado dentro do sepulcro aberto. Mirtis, você concebeu o "Sudário da Ressurreição" como uma exposição para a Semana Santa?




Mirtis – É uma exposição indissociável da Semana Santa, mas ela pode ser realizada ao longo do ano todo, até porque todos os tempos litúrgicos evocam o ápice da História da Salvação, que é justamente a Ressurreição de Cristo. Mas é claro que a Semana Santa é o momento de mais intensidade espiritual em que esta experiência pode ser vivida. A exposição original, por isso, foi realizada na Quaresma deste ano.

Você nos contou que esculpiu duas versões do sudário de Cristo. Elas se inspiram, de alguma forma, no Sudário de Turim?

Mirtis – Não, eu não me baseei no Sudário de Turim para esculpir as peças. A inspiração é o próprio sudário mencionado no evangelho. Eu medito sobre a Ressurreição e vejo o sudário como um símbolo, como um ícone da Ressurreição. As duas peças que eu fiz nem sequer se parecem com réplicas do Sudário histórico, da relíquia conservada em Turim. São interpretações espirituais, digamos assim, mais pessoais. O Sudário histórico fez parte da exposição em forma de palestra científica e cultural. No evento, eu proponho várias experiências: a exposição propriamente dita, as reflexões filosóficas, a palestra cultural sobre o Sudário de Turim e apresentações audiovisuais, acompanhadas por música instrumental ao vivo, de violino e harpa. A proposta é de uma experiência sensorial e de reflexão.




O Sudário que você chama de histórico, ou seja, a peça que é preservada em Turim, é um tecido de linho, que mede 4,41 metros de comprimento e 1,13 de largura. O que essa peça de tecido tem de mais peculiar é que ela apresenta a imagem de um homem que parece ter sido crucificado, com feridas semelhantes às que Jesus sofreu antes da crucificação. Anatomicamente, a imagem corresponde à de um semita. A medicina legal admite que a imagem impressa no Sudário de Turim se ajusta completamente à descrição histórica da morte de Cristo na cruz. Você acredita que o Sudário de Turim é o mesmo sudário citado nos evangelhos?

Mirtis – Eu acho possível. E acho essa possibilidade fascinante, maravilhosa! Mas nós sabemos que ainda não existem provas definitivas da autenticidade do Sudário de Turim. Há indícios, muito desafiadores, mas não temos provas finais. Os evangelhos citam um tecido de linho, que é chamado de sudário, que envolveu o corpo de Cristo no sepulcro. O sudário que hoje está guardado em Turim foi encontrado muito tempo depois da morte de Jesus, já na Idade Média. O debate é muito complexo entre os cientistas e os estudiosos que analisam essa relíquia, porque alguns estudos e pesquisas indicaram que ele foi forjado durante a Idade Média e outros indicaram que ele pode muito bem ser do tempo de Cristo. Do ponto de vista da devoção cristã, ele é um sinal que nos remete ao sepultamento de Jesus. É um símbolo que pode nos ajudar a contemplar a Paixão de Jesus por nós. Não uma prova científica. A própria Igreja não considera que o Sudário de Turim seja “matéria de fé”. Mas ele é venerado e preservado como uma relíquia válida, como uma fonte de inspiração preciosa.

Atualmente, o Santo Sudário está guardado na Catedral de Turim, mas até 1983 ele pertencia à família real italiana dos Savoia, que estava de posse da relíquia desde 1357. Com a morte de Umberto de Savoia, em 1983, o Santo Sudário foi doado, em testamento, para o Vaticano. A peça é raramente exibida ao público. A última exposição pública, no ano de 2010, atraiu mais de dois milhões de visitantes. Podemos dizer que a Igreja incentiva oficialmente a veneração ao Sudário de Turim?

Mirtis – A Igreja não pede para as pessoas acreditarem na veracidade do Sudário de Turim, porque ela própria deixa essa questão para os cientistas investigarem. É uma investigação que ainda está acontecendo. A Igreja apenas leva em consideração que existe a possibilidade e, principalmente, o potencial de inspirar a meditação das pessoas. E, claro, a possibilidade de que o Sudário seja autêntico. As pessoas, se desejarem, podem contemplar a imagem estampada no Sudário de Turim como uma fonte de inspiração para meditar sobre a paixão de Cristo e sobre a Ressurreição. Veja, eu tenho aqui um texto do papa São João Paulo II, de um discurso que ele fez justamente em Turim, que diz o seguinte: “O Sudário é uma provocação à inteligência. Ele requer, antes de tudo, o empenho de cada homem, em particular do investigador, para captar com humildade a mensagem profunda enviada à sua razão e à sua vida. O fascínio misterioso exercido pelo Sudário impele a formular interrogativos sobre a relação entre o Linho sagrado e a vicissitude histórica de Jesus. Não se tratando de uma matéria de fé, a Igreja não tem competência específica para se pronunciar sobre essas questões. Ela confia aos cientistas a tarefa de continuar a indagar, para chegar a encontrar respostas adequadas aos interrogativos conexos a este Lençol que, segundo a tradição, teria envolvido o corpo do nosso Redentor quando foi deposto na cruz”. E ele diz também o seguinte: “O que conta para o crente é o fato de o Sudário ser o espelho do Evangelho. Com efeito, na reflexão sobre o Linho sagrado, não se pode prescindir da consideração de que a imagem nele presente tem uma relação tão profunda com o que os Evangelhos narram a respeito da paixão e morte de Jesus que todo o homem sensível se sente interiormente tocado e comovido ao contemplá-lo. O Sudário constitui um sinal singular que remete a Jesus, a Palavra verdadeira do Pai”.




João Paulo II, de certa forma, cultivava essa meditação, não é?

Mirtis – Eu acho que sim. Eu tenho aqui mais um texto belíssimo em que João Paulo II menciona o sudário como "imagem do silêncio". É profundíssimo, veja: “Há um silêncio trágico da incomunicabilidade, que tem na morte a sua máxima expressão, e há o silêncio da fecundidade, que é precisamente de quem renuncia a fazer-se ouvir no exterior, para atingir no profundo as raízes da verdade e da vida. O Sudário exprime não só o silêncio da morte, mas também o silêncio corajoso e fecundo da superação do efêmero, graças à imersão total no eterno presente de Deus. Ele oferece, assim, a comovedora confirmação do fato de que a onipotência misericordiosa do nosso Deus não se detém por nenhuma força do mal, mas sabe antes de fazer concorrer para o bem a própria força do mal”. É um discurso que ele fez diante do próprio Santo Sudário, no dia 24 de maio de 1998.

É assim que você mesma enxerga o sudário, não é? Mais do que a peça específica do Sudário de Turim, que ainda está aberta à pesquisa histórica e científica, você se volta às referências bíblicas do Sudário…

Mirtis – Eu acho fascinante a possibilidade de que o Sudário de Turim seja o mesmo que envolveu o corpo de Jesus e que testemunhou nada menos que o milagre absoluto da Ressurreição! É um mistério gigantesco! O que os evangelhos nos dizem, começando pelo de Mateus, é que um homem chamado José de Arimateia envolveu o corpo de Jesus com um “lençol branco e o depositou num sepulcro novo, que tinha mandado talhar para si na rocha” (Mateus 27,59-60). O evangelho de João também fala de José de Arimateia: ele e Nicodemos “tomaram o corpo de Jesus e o envolveram em panos com aromas, como os judeus costumam sepultar” (João 19,38-40). João conta mais: ele diz que Maria Madalena foi até o sepulcro no domingo de manhã, antes do nascer-do-sol, viu a pedra do sepulcro que tinha sido removida e correu para contar a Pedro e a João: “Tiraram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde o colocaram” (João 20,2). Pedro entrou no sepulcro e viu os panos no chão e o sudário posicionado à parte. Mas o corpo de Jesus não estava mais lá. Estas são as informações que os evangelhos nos dão sobre o sudário. E há muitíssimo para meditar com base nisso.

Falamos da datação do Sudário de Turim, mas o que mais suscita fascínio é a figura extraordinária que ficou "impressa" nele. Supostamente, é a figura do próprio Jesus Cristo. A formação dessa imagem ainda não foi explicada pela ciência e continua sendo um mistério. E a maior parte dos estudos já realizados conclui que a origem da imagem não é manual. Não são poucos os estudiosos envolvidos nessas pesquisas: são historiadores, arqueólogos, químicos, peritos informáticos, médicos, físicos… A crença popular diz que a imagem foi impressa pela própria intensidade do fenômeno da Ressurreição. Você acredita nisso, Mirtis?

Mirtis – Por que não? A ciência não consegue explicar. Você tem aí algumas informações sobre as últimas análises científicas, não tem? Eu gostaria que você lesse, para conversarmos sobre elas.

Vamos lá. A última análise experimental das propriedades físicas e químicas da imagem corpórea do tecido foi efetuada em 1978 por um grupo de 31 cientistas do Grupo de Investigação do Manto de Turim (STURP), que utilizaram instrumentação avançada da época, efetuando numerosas medidas não destrutivas no tecido. As análises efetuadas não encontraram quantidades significativas de pigmentos (colorantes, vernizes) nem sinal de desenho. Baseados nos resultados das dezenas de análises, os pesquisadores da STURP concluíram que a imagem corpórea não foi pintada, nem estampada, nem obtida por meio de aquecimento. Certificaram que a coloração da imagem reside na parte mais externa e superficial das fibras que constituem os fios do tecido. Outras medidas efetuadas recentemente nos fragmentos do Sudário demonstraram que a espessura da coloração é extremamente sutil. Algumas conclusões das medições da STURP são as seguintes:
a) o sangue é humano;
b) não há imagem embaixo das manchas de sangue;
c) a coloração contém informação tridimensional do corpo;
d) as fibras coloridas da imagem são mais frágeis do que as fibras não coloridas;
e) a coloração superficial das fibras da imagem deriva de um processo desconhecido de envelhecimento acelerado do linho.





Mirtis – Você sabe o que eu acho muito chamativo? Que a ciência e a fé não são incompatíveis. É uma pena que existam pessoas tentando criar uma disputa entre razão e fé, que não faz o menor sentido. Veja que essas informações da ciência corroboram a força deste mistério. A fé é você acreditar em algo que não foi comprovado cientificamente. Se tivéssemos certeza, não seria fé. Seria simplesmente ficar sabendo de um dado comprovado, sem nada de misterioso. A fé é dar um voto de confiança, é dar crédito a algo que a razão ainda não explica. E talvez nunca explique. Não explica, mas também não refuta. É um mistério aberto.

E os estudiosos já fizeram tentativas de reproduzir essa mesma imagem sobre linho, com as mesmas características do Sudário de Turim, mas até hoje sem sucesso…

Mirtis – Exatamente. Nenhuma tentativa conseguiu reproduzir todas as características, nunca. A pergunta continua em pé: qual é a origem dessa imagem? Ela é uma imagem dupla, ou seja, de frente e verso. São as marcas deixadas no lençol por um homem que foi flagelado e crucificado. As características físicas e químicas dessa imagem são impossíveis de reproduzir em laboratório até hoje. Por que não poderiam ser o resultado da Ressurreição de Cristo, se nós acreditamos que a Ressurreição aconteceu de fato?

Você tem acompanhado as pesquisas e tentativas mais recentes da ciência de explicar o Sudário de Turim?

Mirtis – Eu já li e ouvi sobre elas, inclusive na palestra cultural que fez parte da exposição de arte sacra, mas não é a minha área. São análises muito complexas! Você tem mais informações recentes para compartilhar?

Tenho. A pesquisa mais recente sobre o tecido do Sudário de Turim foi publicada em dezembro de 2011, pela Agência Nacional de Novas Tecnologias e Desenvolvimento Sustentável, da Itália (ENEA). Essa agência estudou durante cinco anos a formação da imagem que aparece no sudário e tentou reproduzi-la. A conclusão foi que é impossível reproduzir a imagem em laboratório. Os cientistas tiveram extrema cautela ao publicar suas conclusões, limitando-se a propor considerações que não extravasam o campo científico.

Mirtis – Impressionante, não é?

Bastante. Os pesquisadores dizem também que as dificuldades tecnológicas e científicas levam a concluir que “a hipótese de um falsário medieval não parece racional”, já que até hoje não há tecnologia capaz de reproduzir uma imagem semelhante à do Sudário. Os pesquisadores do ENEA afirmam que a pesquisa vai continuar: “Não chegamos ao fim. Estamos montando um quebra-cabeça científico fascinante e complexo. O enigma da origem da imagem do Sudário de Turim continua sendo ‘uma provocação à inteligência’”.

Mirtis – Pois é, como disse o papa João Paulo II… Você concorda que há um mistério maravilhoso envolto neste sudário, não é? Eu acredito que, enquanto a ciência continua tentando desvendar esse mistério, o sudário nos oferece uma série de reflexões profundas e transformadoras sobre a vida e a morte, sobre o sentido do sofrimento, sobre a possibilidade de uma vida espiritual além da mortalidade do corpo, sobre a possibilidade não só da existência de Deus, mas de um Deus que é Pai, que entrou na historicidade do tempo, que se envolveu conosco, que viveu os nossos dramas humanos, que nos redimiu! E essas reflexões, que fazem parte da nossa experiência humana, estão num patamar de anseio por sentido da existência, num patamar de filosofia, de propensão à transcendência, a algo que vá além desta vida mortal e delimitada… Será que a ciência tem respostas para toda essa nossa dimensão transcendente e desejosa de sentido e eternidade?

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