O que fazer se eu não estou em sintonia com o Magistério da Igreja?
Um leitor perguntou:
O padre italiano Athos Turchi, professor de filosofia, responde:
As divergências me parecem significativas, mas, sem saber especificamente quais são elas, não é fácil responder à sua pergunta. Uma coisa é você não concordar em comer peixe às sextas-feiras e outra é dizer que Deus não é trino. Se as divergências dizem respeito a questões fundamentais da fé, como parece o caso, é preciso, de fato, você questionar se ainda faz parte da religião que diz professar.
O problema, porém, não está colocado adequadamente, porque, em matéria de religião, a questão não é se você pode comungar com tudo ou com um pouco. Há uma questão prévia: o que é uma religião e o que ela pode lhe oferecer? O que você procura em uma religião e aonde quer chegar com ela? Se você deseja apenas pertencer a certo círculo político, social, cultural, então, obviamente, a religião não é o que você procura. Ela não pode lhe dar essas coisas porque as transcende, nem pode ser flexível e mutável ao sabor das preferências particulares precisamente porque ela não tem uma dimensão evolutiva e dialética, e sim salvífica.
Um exemplo: se a religião diz que somos salvos por viver honestamente, ela não pode mudar de ideia em dado momento e passar a dizer que somos salvos por roubar. Uma religião tão contraditória se desacreditaria e se destruiria sozinha.
Já se você estiver em busca de uma comunhão com Deus voltada à sua salvação eterna, e para isso estiver disposto a seguir uma doutrina de fé e uma prática de aperfeiçoamento, então deverá avaliar a religião que melhor lhe permite alcançar o que deseja, bem como, por consequência, o modo e o método que essa religião lhe propõe para obter aqueles bens eternos, normalmente resumidos no seu corpo doutrinal. O cristianismo propõe um caminho, um método, um conteúdo ou doutrina, um ensinamento e uma organização, chamada de Igreja, e toda essa proposta é derivada de Cristo. Esse credo atende às suas aspirações? Se você disser que deseja aderir ao cristianismo, não poderá viver como um budista; seria uma contradição tanto quanto se dizer vegetariano e continuar comendo carne.
Hoje temos a impressão de que cada um pode pinçar nas religiões os elementos que prefere e até criar uma religião própria, com doutrina e organização personalizada. A questão é, de novo, o que o crente espera da religião à qual decide aderir. Se, por exemplo, a fé cristã ensina que o caminho da santidade é o casamento indissolúvel, mas o crente não está convencido disto, ele é perfeitamente livre para participar de outra religião que pregue algo diferente. Mas atenção: a religião que nega a indissolubilidade do matrimônio deverá negá-la sempre, porque, assim como a cristã, ela deve ser coerente com aquilo que prega. Aliás, a maior parte das outras religiões é muito mais rigorosa do que o cristianismo. Nelas, a salvação vem do cumprimento de leis e regras, enquanto o cristianismo abre espaços para a caridade e para relevar a ignorância, coisa que, em outras religiões, não ocorre. É o caso da blasfêmia: no cristianismo ela é quase uma constante, ao passo que, no islã, para citar um exemplo, talvez ela seja tolerada uma vez ou duas, mas, depois disso, pode ensejar uma condenação à decapitação. Isso quer dizer que, nas religiões, o conteúdo de salvação e de doutrina não pode ser alterado, exceto para ser reafirmado com ainda mais clareza conforme a época em que se está vivendo.