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«A Palavra de Deus é o nosso alimento»

D. António Couto

Família Cristã

Ricardo Perna - Família Cristã - publicado em 29/04/15

D. António Couto, bispo de Lamego e uma referência no panorama bíblico português, volta a editar uma obra que ajuda a compreender o Evangelho

D. António Couto, bispo de Lamego e uma referência no panorama bíblico português, volta a editar, com a chancela da PAULUS Editora, uma obra que ajuda a compreender o Evangelho, neste caso de S. Marcos, e que permite entender de forma mais profunda os diferentes excertos do Evangelho que compõem as leituras dominicais deste ano litúrgico. O autor já tinha publicado livros semelhantes, dedicados ao evangelista Mateus. Obras que pretendem ajudar na compreensão dos textos bíblicos, «o alimento normal» de cada cristão, mas que, infelizmente, parece estar «fechado para a maioria dos cristãos».

Esta coleção é uma obra direcionada para os sacerdotes, ou é útil aos fiéis poderem ler mais sobre o Evangelho que ouvem na eucaristia semanalmente?
São duas Obras de diferente alcance e diferente metodologia, mas que se complementam mutuamente. "Quando Ele nos abre as Escrituras Domingo após Domingo" é uma leitura bíblica do Lecionário (Ano B) e pretende ser um companheiro ao dispor de quem quiser, aos Domingos, alcançar uma melhor compreensão da liturgia dominical, a partir dos principais textos bíblicos em uso em cada Domingo. Privilegia-se o Evangelho, mas há também oportunos acenos às duas primeiras leituras e ao Salmo Responsorial. Pode ser útil para os sacerdotes em trabalho pastoral, mas sê-lo-á também para todos os fiéis leigos que sentem a necessidade do pão da Palavra Dominical, necessidade de sentir e saborear a Palavra como Pão. Por outro lado, o livro Introdução ao Evangelho segundo Marcos pode ser visto como um guia, para quem, neste Ano B, em que a Liturgia privilegia este Evangelho, pretenda mais ajudas ou chaves para entrar dentro do mundo ou da casa deste Evangelho, conhecer melhor os seus procedimentos literários, objetivos, desafios, mensagens… Ainda que possam ser lidos separadamente (cada um tem identidade própria), pode, todavia, o leitor, quando lê em Quando Ele nos abre as Escrituras (Ano B), uma passagem do Evangelho, recorrer também a outros elementos complementares que a Introdução ao Evangelho segundo Marcos lhe proporciona.

Que tipo de explicações podemos encontrar nestas duas obras?
Não se trata tanto de explicações. Trata-se de visitas guiadas ao chão e ao céu da Palavra de Deus, para que as pessoas aprendam a abrir a Porta da Palavra, passagem após passagem, e ganhem gosto em frequentar essa paisagem deslumbrante e surpreendente. Até lhe sentirem o corpo, o odor, o sabor. Sim, não se trata tanto de explicações, lições, mais ou menos estudadas ou a estudar, mas da apresentação de um Amigo que te pode acompanhar a vida inteira. E, mesmo quando se descascam as palavras, é para as deixar sobre a mesa, odorosas e saborosas, como pão quente a sair do forno.

Porquê explicar o Evangelho de Marcos e depois explicar as leituras dominicais? São um complemento?
O Evangelho segundo Marcos é um corpo vivo e dorido, nascido no seio da chamada Guerra Judaica (66-70), que pretende mostrar à pequena Igreja perseguida «Quem é Jesus», clarificando também ao mesmo tempo, por um extraordinário jogo de figuras, «Quem é o discípulo que Jesus quer». Sendo um Evangelho nascido em circunstâncias difíceis, que rapidamente desapareceram, deixou de se sentir necessidade dele logo desde o século II até ao século XX, quando a Igreja voltou a ser minoritária e perseguida. A Introdução ao Evangelho segundo Marcos tem um pouco esta dimensão de ajudar a abrir novamente um Evangelho que esteve fechado durante muito tempo, e que hoje volta a ser muito lido, dada a situação de perseguição que tantos cristãos experimentam no corpo e no espírito. Quando Ele nos abre as Escrituras (Ano B) constitui uma leitura celebrativa dos textos bíblicos de cada Domingo. Nos Domingos deste Ano B, Marcos é o Evangelista de serviço. Mas há também muitas interferências de João. E é preciso trazer para a mesa outros textos do Antigo e do Novo Testamento, que ocupam também o menu dominical. De qualquer modo, é sabido que é o Evangelho que dá o tom a cada Domingo. No tempo do Advento, Quaresma e Páscoa, as outras duas leituras afinam pelo tom do Evangelho. No tempo comum, só a primeira leitura é escolhida de acordo com o Evangelho. A segunda é lectio semi-contínua de uma Carta de um Apóstolo, que pode estar, mas não tem de estar em sintonia de conteúdo com o Evangelho. A leitura celebrativa de Quando Ele nos abre as Escrituras pretende sempre também mostrar a harmonia da Palavra de Deus proclamada e escutada em cada Domingo.

«A Bíblia é um companheiro que me lê e fala»

Como vê o conhecimento que os cristãos têm da Bíblia?
Infelizmente, a Bíblia continua a ser um livro fechado para a grande maioria dos cristãos. E assim, os dois, o cristão e a Bíblia, estão muito bem acomodados na estante, e não se veem em ação. É cada vez mais necessário retirar a Bíblia da estante e o cristão da acomodação.

Faz falta olharmos mais para o Livro Sagrado no nosso dia a dia, fora das eucaristias?
A Bíblia, enquanto Palavra de Deus, tem de ser para nós livro de bolso e de cabeceira. E não de estante. Atrevo-me mesmo a dizer, usando a linguagem bíblica, que é urgente comer a Palavra de Deus a arder, ainda a sair do forno, que nos deve queimar as entranhas, impregnando de um novo sabor as nossas horas, comportamentos, afazeres, dizeres… Sim, não é só ao Domingo, excecionalmente, que deixamos entrar meia-dúzia de palavras nos ouvidos. A Palavra de Deus é e tem de ser o nosso alimento normal.

Estas obras que explicam o conteúdo da Bíblia são úteis para desmistificar a ideia de que a Bíblia é algo de incompreensível para o leigo comum?
A Bíblia é um companheiro que me lê e me fala, ainda antes de ser eu a lê-la ou a falar dela. A Bíblia é a Palavra Primeira, sempre Primeira, que me chama e interpela e me pede uma resposta. Sim, pretendo com estes livros expor a Palavra de Deus como pão. Comendo e saboreando esta Palavra, vamos acabar viciados nela, e vamos querer saber como se amassa a farinha, como se põe o crescente, como se mete ao forno… E não é verdade que um leigo seja um ignorante. Um «leigo» é um membro do laós, faz parte do laós, que é o povo (ou um membro do povo) que já ouviu o seu nome dito por Deus, que já ouviu Deus chamar por ele. Por isso, já conhece bem, saiba-o ou não, a língua materna de Deus. A Bíblia não é incompreensível, não há nenhum muro entre nós e a Bíblia. Deus não fala do alto de um muro inacessível. Tão-pouco fala por algarismos. A Bíblia é a nossa língua materna, não fôssemos nós filhos de Deus. Dar a Bíblia ao Povo de Deus é dar o leite materno e o pão, é abrir a porta e pôr a mesa. Tudo coisas que tão bem compreendemos.

A Bíblia é ferramenta de Nova Evangelização? Como?
A Bíblia é o pão e o vinho, a respiração, da nova evangelização, de toda a evangelização. Não é ferramenta. É a base sem a qual não há evangelização adjetivada ou não, dado que, conforme o fecundo dizer de S. Jerónimo: «Desconhecer as Escrituras é desconhecer Cristo». As Escrituras, diz Jesus, falam de Mim (Lucas 24,44), dão testemunho de Mim (João 5,39). Ferramentas podem ser os livros que nós hoje escrevemos para ajudar à compreensão do Livro.

Ricardo Perna

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