Deus pede a cada um o impossível que mais convém à sua alma
Se há algo de curioso nos pontos em comum dos vários chamamentos de Deus na Bíblia e na vida dos santos é, sem dúvida, o “abraço no impossível”. Parece fazer parte da pedagogia do Deus dos Impossíveis exigir daquele que Ele chama este abraço radical que levará a dois do fundamentos básicos para o “sim” à vontade de Deus: um esvaziamento total e radical de si mesmo e, ao mesmo tempo, a entrega e confiante à vontade de Deus.
Quem foram os grandes eleitos de Deus na Bíblia? Quais as características de personalidade? Como se deu com cada um, este tão imensamente difícil e libertador abraço no impossível”?
“Deixa!”
“Deixa!” Foi esta a primeira palavra que Deus disse a Abrão. Deixa! O que Deus pedia para o caldeu Abrão deixar? Basicamente a mesma coisa que Jesus pediria aos seus, séculos mais tarde: terra, família, a casa do pai. O Deus dos Impossíveis pedia a Abrão que deixasse tudo. Não teria mais pátria, nem a terra que ele conhecia tão bem e que o mantinha. Não teria mais o apoio seguro da presença da família, que provavelmente nunca mais veria, nem a tradição do clã, ao qual jamais voltaria. (Gn 12,1-4)
“Deixa”, diz Deus a Abrão. Em troca de quê? De promessas. Abrão calou-se e obedeceu. Séculos mais tarde, o intempestivo Pedro não se calaria: “Vê, nós abandonamos tudo e te seguimos”(Mt 19,27-29). O Deus dos Impossíveis lembra que é também o Deus das Promessas e responde com a mesma garantia dada a Abrão: a promessa do cêntuplo, com tribulações, e a vida eterna.
Abrão obedeceu. Resolveu abraçar o impossível. Sabia que ele e Sarai eram idosos e que ela era estéril. Sabia que devia obedecer não apenas por causa da promessa, mas, muito especialmente por causa daquele que o chamava. O autor do Gênesis reserva para o capítulo 15 o momento da pergunta de Abrão, cuja fé havia já sido provada no sofrimento da fome e da seca, na humilhação do Egito, na desfio da guerra. Mesmo sabendo que, aqui o Gênesis não segue uma cronologia, pode-se contemplar Abrão, provado pela tribulação, que argumenta: “Senhor Javé, o que me darei vós?” (Gn 15,2)
Você sabe a resposta. O Senhor dá a Abrão uma promessa impossível ao velho marido da estéril Sarai: “Levanta os olhos para os céus, e conta as estrelas, se és capaz… Pois bem, ajuntou ele, assim será a tua descendência (Gn 15,5). Abrão não mais argumentou: “confiou no Senhor e o Senhor lho imputou para justiça”(Gn 15,6). Na nossa linguagem, diríamos: “o Senhor viu nesta atitude de Abrão uma prova de confiança e santidade e fez com que este ato de fé se transformasse em graças em favor daquele que seria “pai de uma multidão”. (Gn 17,4)
A confiança de Abrão nos promessas de Deus levou-o a selar com Ele um pacto pela circuncisão da carne. A confiança do nosso intempestivo Pedro, levou-o a selar com Deus uma aliança nova e eterna, no sangue de Jesus Cristo.
A maior parte dos santos não se apoiou em outra promessa que não a promessa bíblica do cêntuplo e não foi guiada por outra motivação que não a do amor a Deus.
“Moisés, Moisés!”
“Moisés, Moisés!”. Com estas palavras, o Deus que costuma chamar Seus filhos pelo nome interpela Moisés. Séculos mais tarde, interpela da mesma maneira o grande Paulo: “Saulo, Saulo!” o que ordenou o “Eu Sou” a Moisés? Naturalmente, o impossível: “Vai, eu te envio ao Faraó para tirar do Egito os israelitas, meu povo” (Ex 3,10).
E ao altivo Saulo, homem intelectualizado, conhecedor das culturas helênica e judaica, cidadão romano a quem ninguém ousava enfrentar, o que ordenou aquele a quem Saulo perseguira e agora chamava “Senhor” (At 9,5) ? O que queria aquele Senhor que o valente Saulo, preparado para qualquer desafio, fizesse? Nada! Pelo menos, da sua auto-suficiência. Instruído minuciosamente pelo Senhor para levantar-se, entrar na cidade e esperar novas ordens, Saulo se vê cego e, portanto, impotente para cumprir a ordem que lhe fora dada. Deus, novamente, pede o impossível e Saulo, tomado pelo mão, é introduzido em Damasco, tendo passado três dias sem ver, sem comer nem beber, esperando, em tremendo desconforto, que fosse cumprida a promessa de que lhe “seria dito” o que deveria fazer (At 9,1-9)