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Observatório Astronômico do Vaticano: uma visão que vai muito além

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Alexandre Zabot - publicado em 23/07/15
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Astrofísico brasileiro testemunhou pessoalmente as ótimas relações entre a fé católica e a ciência
Das muitas acusações feitas contra a Igreja, uma das mais despropositadas é a de que ela é contra a ciência; de que ela tem perseguido a ciência ao longo dos milênios. Muitos fatos desmentem isso. Um dos mais evidentes é que o próprio Vaticano, através da ação de muitos papas, mantém um Observatório Astronômico, ou Specola Vaticana, em italiano, como é geralmente conhecido. Esse observatório, edificado no coração da Igreja, é prova viva e testemunho eloquente da relação de amor da Igreja e dos seus membros com a ciência. E de que a ciência, quando livre de uma hermenêutica materialista, está de pleno acordo com a fé católica.
 
Segundo o padre Sabino Maffeo, S.J., no livro In the service of nine popes (No serviço de nove papas, em tradução livre), a Specola Vaticana remonta ao ano de 1582, quando o papa Gregório XIII reformou o calendário juliano. O observatório, entretanto, não foi criado oficialmente naquele ano. Em várias épocas, os papas se interessaram pela astronomia e criaram observatórios. Mas foi em 1891 que o papa Leão XIII fundou formalmente a Specola Vaticana através do motu proprio Ut Mysticam. Segundo ele, a Specola Vaticana serviria para “que todos pudessem ver que a Igreja e seus pastores não se opõem à verdadeira e sólida ciência, humana ou divina, mas abraçam-na, encorajam-na e promovem-na com a máxima dedicação possível”.
 
Inicialmente, a Specola Vaticana ficava dentro do próprio Vaticano, na Torre dos Ventos. No final do século XIX, a luminosidade em Roma não era muito grande e aquele era um excelente lugar. É imprescindível para os astrônomos que o telescópio esteja em um lugar com céu bem escuro à noite, porque cidades luminosas impedem que se observem objetos mais fracos. Em 1933, Roma já tinha os céus claros demais para permitir uma pesquisa séria. O papa Pio XI ofereceu a residência papal de verão em Castelgandolfo, que fica a poucos quilômetros de Roma e que tinha condições excelentes de observação. Em 1980, novamente os céus já eram claros demais para os jesuítas fazerem suas pesquisas. A Specola Vaticana continuou em Castelgandolfo, mas boa parte de seus pesquisadores se mudou para Tucson, nos EUA, onde foi formado um grupo de pesquisa. Esta mudança foi encorajada e apoiada pelo papa João Paulo II. Lá, em colaboração com a Universidade do Arizona, este grupo pôde cooperar com outros astrofísicos e usar vários telescópios americanos. Em 1993 foi inaugurado nos EUA um grande telescópio para uso dos astrofísicos da Specola Vaticana. Foi um grande salto em produtividade de pesquisa, visto que, antes, eles precisavam usar outros telescópios.
 
Entretanto, a pesquisa de ponta em astrofísica não é a única atividade dos jesuítas da Specola Vaticana. Também é missão deles servir à Igreja, testemunhando no mundo a sua boa relação com a ciência. Eles fazem isso escrevendo artigos, dando palestras em universidades e institutos de pesquisa e organizando eventos. Ano passado, eu tive o privilégio de poder participar de um desses eventos. A cada dois anos, é realizada a “Escola de Verão do Observatório do Vaticano”. Cerca de duas dúzias de estudantes de astrofísica de todo o mundo são selecionados para passar um mês em Castelgandolfo, tendo aulas sobre algum tema de vanguarda em astrofísica. Assim como eu, a maior parte dos estudantes era de países subdesenvolvidos e não tinha condições de arcar com os custos. Por isso, o Observatório do Vaticano financiou as despesas.
 
Durante a Escola, além de poder observar com os telescópios que ficaram em Castelgandolfo, pudemos conhecer os pesquisadores da Specola Vaticana. Mais incrível que isso foi que, já no primeiro dia, tivemos a honra de ser recebidos pelo papa Bento XVI e pudemos, todos, cumprimentá-lo pessoalmente.  O critério de escolha dos participantes não foi religioso. Alguns dos estudantes nem mesmo sabiam o que era um “papa”. Havia até uma estudante muçulmana. Foram semanas magníficas onde estudantes do mundo todo puderam vivenciar o apreço que a Igreja católica tem pela ciência. Nenhum daqueles estudantes será capaz de dizer, um dia, que a Igreja é obscurantista e contra a ciência. Este foi o desejo de Leão XIII e de vários outros papas e tornou-se a missão dos padres jesuítas que constituem a Specola Vaticana. Creio que também esta deva ser a missão de todos nós, católicos, pois o conhecimento científico serve à fé e ajuda a revelar, na beleza da criação, o Criador.

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O prof. Alexandre Zabot, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), é físico e doutor em Astrofísica. Aleteia lhe agradece pela generosidade de compartilhar conosco os seus artigos sobre as relações entre fé e ciência e convida os leitores a conhecerem o rico blog do professor, AlexandreZabot.

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