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Reflexões do papa sobre quando tentam nos roubar a alegria, a esperança e o espírito de comunidade

Flor no deserto

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Clemente Raphael Mahl - publicado em 31/07/15

Papa Francisco: Pega ladrão! E a ladra também! (parte 2)

Antes de prosseguir, não deixe de ler aqui a primeira parte deste artigo.

Segunda advertência: Não deixemos que nos roubem a alegria da evangelização

Seja-nos permitido começar pelo inverso. O que marca a tristeza?  Instalar-se como centro do mundo e, mesmo assim, ainda fazer-nos sentir incomodados, nada plenificados. Tristeza é isolamento. É impor minha opinião porque ela vale mais. Minhas ações merecem todo o destaque entre as demais. Minhas decisões são as melhores. Tristeza é a busca de prazeres fugazes. Uma vez encontrados, vividos, não satisfazem e tem-se a necessidade de buscar outros mais. Outros mais, que também não saciam. A alegria, aquela sensação de estar lidando com algo grandioso, que satisfaz, está na outra ponta. É de modo todo especial um dom com que conta o cristão. A alegria tem sua sustentabilidade. O papa Francisco, no dia mundial das missões, em 8 de junho de 2014, disse muito bem: “O Pai é a fonte da alegria. O Filho é a manifestação e o Espírito Santo é o animador”. Jesus disse aos apóstolos que ele iria morrer, mas que voltaria ressuscitado. “Vocês ficarão tristes, mas a tristeza de vocês se transformará em alegria” (Jo 16,20). E dois versículos adiante: “Quando vocês tornarem a me ver, vocês ficarão alegres, e essa alegria ninguém tirará de vocês” (v.22). Nesse espírito, os bispos da América Latina e do Caribe souberam se expressar assim: “Conhecer Jesus é o melhor presente que qualquer pessoa pode receber: tê-lo encontrado foi o melhor que ocorreu em nossas vidas, e fazê-lo conhecido com nossa palavra e obras é nossa alegria” (Documento de Aparecida, n. 29). Dito isso, dá para entender o que é a alegria da evangelização e o que se há de fazer para que ninguém a roube. Pois em qualquer forma de evangelização o primado é sempre de Deus, que quis chamar-nos para cooperar com Ele e impelir-nos com a força do seu Espírito… a iniciativa pertence a Deus, porque Ele nos amou primeiro (1Jo 4,19) e é só Deus que faz crescer (1Cor 3,7).

A quem deve visar a alegria da evangelização? “A alegria do Evangelho é para todo mundo, não se pode excluir ninguém” (Evangelii Gaudium n. 23). No entanto, em outra passagem, o papa emenda: “…mas sobretudo aos pobres e aos doentes, àqueles que muitas vezes são desprezados e esquecidos, àqueles que não têm com que retribuir” (Lc 14,14; Evangelii Gaudium n. 48). Qual a razão disso? É que a “opção pelos pobres é mais uma categoria teológica que cultural, sociológica, política ou filosófica” (Evangelii Gaudium n. 198).

E qual deverá ser o espírito da nova evangelização, além de ser alegre por ser exercida sob a iniciativa do Senhor? “Quando se diz que uma realidade tem espírito, indica-se habitualmente uma moção interior que impele, motiva, encoraja e dá sentido à ação pessoal e comunitária […]. Uma evangelização com espírito é uma evangelização com o Espírito Santo, já que Ele é a alma da Igreja evangelizadora” (Evangelii Gaudium n. 261).

Não se pode dizer que a evangelização, hoje, seja mais difícil do que em outros tempos. O papa não acha bom que pensemos assim. O papa tem o pensamento de que hoje é diferente, não mais difícil (cf. n.263).

Se nos roubarem a alegria da evangelização, nos roubarão o Mestre, Jesus Cristo. E nos sentiremos isolados, desamparados, sós como Maria Madalena. Para dois apóstolos ela disse: “Tiraram do túmulo o Senhor e não sabemos onde o colocaram” (Jo 20,2). E depois para os anjos, justificando seu choro: “Levaram o meu Senhor e não sei onde o colocaram” (Jo 20, 13). Pior aqui. É-nos roubado o Senhor ressuscitado. É-nos roubada a alegria. A razão da nossa alegria. Diz o Catecismo da Igreja Católica que “a alegria é um dos frutos do Espírito, os quais são perfeições que o Espírito Santo modela em nós, como primícias da glória eterna” (n. 1832).



Para que isto não nos aconteça, o ideal cristão convida sempre a superar a suspeita, a desconfiança permanente, o medo de sermos invadidos [roubados] (cf. Evangelii Gaudium n. 88). “O Evangelho convida-nos sempre a abraçar o risco do encontro com o rosto do outro […], com a sua alegria contagiosa permanecendo lado a lado” (n. 88).

Rezemos junto com o papa, com as palavras do papa:


“Espírito Santo, peço-te que venhas renovar, sacudir, impelir a Igreja numa decidida saída para fora de si mesma a fim de evangelizar todos os povos” (Evangelii Gaudium n. 261).



Terceira advertência: Não deixemos que nos roubem a esperança

O roubo da esperança é a pior coisa que nos pode acontecer. Com a desesperança, o que se pode produzir? No dizer do papa, a “desertificação espiritual”. Mas o que é isso? É “fruto do projeto de sociedades que querem construir sem Deus ou que destroem as suas raízes cristãs” (Evangelii Gaudium n. 86). Ainda assim, não está tudo perdido. Deus não permitirá. Olhe-se para a natureza. Hoje, até do xisto, uma rocha do deserto, extrai-se petróleo. Lá no deserto, diz o papa, “somos chamados a ser pessoas-cântaro para dar de beber aos outros. Às vezes o cântaro se transforma numa pesada cruz, mas foi precisamente na Cruz que o Senhor, trespassado, se nos entregou como fonte de água viva” (n. 86). Por isso o veemente apelo: “Não deixemos que nos roubem a esperança” (idem).

Vivendo no mundo, comunicando-nos com o mundo, “somos convidados a dar a razão da nossa esperança” (Evangelii Gaudium n. 271), mas sem o dedo em riste contra quem quer que seja, e sim com humildade e respeito. Foi assim que os apóstolos “ganharam a simpatia de todo o povo” (At 2,47; cf.4.21.33; 5,13). Contudo, todo cuidado é pouco. “Pode acontecer que o coração se canse de lutar, porque, em última análise, se busca a si mesmo num carreirismo sedento de reconhecimentos […], então a pessoa não baixa os braços, mas já não tem garra, carece de ressurreição” (Evangelii Gaudium n. 277). “Se a nossa esperança é somente para esta vida [ou nem isto], nós somos os mais infelizes de todos os homens” (1Cor 15,19).

O Reino de Deus jamais se extingue, mas se desenvolve como pequenina semente “que cresce no meio do joio (cf. Mt 13, 24-30) e sempre nos pode surpreender positivamente: ei-la, que aparece, vem outra vez, luta para florescer de novo. A ressurreição de Cristo produz por toda parte rebentos deste mundo novo; e, ainda que os cortem, voltam a despontar, porque a ressurreição do Senhor já penetrou a trama oculta desta história; porque Ele não ressuscitou em vão. Não fiquemos à margem desta marcha da esperança viva” (n. 278).

Ó Senhor, quem somos sem esperança? Infelizes, galhos secos, becos sem saída, viventes sem sentido, sem destino, sem razão para amar, abraçar, doar-nos. Sobra-nos a escuridão como horizonte. Como o papa Francisco concluiu a sua recém-publicada encíclica ecológica, assim podemos nós concluir o nosso clamor elevado ao Senhor: “Caminhemos cantando. Que nossas lutas e nossas preocupações por este planeta não nos tirem a alegria da esperança” (Laudato si’, n. 244). Senhor, unidos a ti e à tua serva, Santa Teresa de Jesus, ousamos dizer ainda: “Espera, ó minha alma, espera. Ignoras o dia e a hora. Vigia cuidadosamente; tudo passa com rapidez, ainda que tua impaciência torne duvidoso o que é certo e longo um tempo bem curto. Considera que quanto mais pelejares, mais provarás o amor que tens a teu Deus e mais te alegrarás um dia com teu Bem-Amado em gozo e deleite que não podem ter fim” (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1821).  

Quarta advertência: Não deixemos que nos roubem a comunidade

O que é a comunidade? “É uma fraternidade mística”:

– que ajuda a vivenciar a grandeza sagrada da convivência;

– que ajuda a abrir o coração ao amor divino com o intuito de procurar a felicidade dos outros;

– que sabe ser sal da terra e luz do mundo;

– que busca uma pertença evangelizadora (cf. Evangelii Gaudium n. 92).

– é lugar no qual exercemos da melhor maneira o amar o próximo como a nós mesmos;

– é lugar em que temos possibilidade de ensinar e aprender;

– é lugar privilegiado para perdoar e sermos perdoados;

– é lugar de praticar com muita humildade e esforço a grande virtude da paciência para atingir maior grau de crescimento espiritual.







Quem são os ladrões e as ladras da comunidade?

– o individualismo, que se recusa a dividir, a compartilhar;

– o mundanismo, que busca a glória humana e o bem-estar pessoal. Um mundanismo que “não traz o selo de Jesus Cristo, encarnado, crucificado e ressuscitado, mas a marca dos que não saem à procura dos que andam perdidos nem das multidões sedentas de Cristo” (Evangelii Gaudium n. 95);

– a corrida em busca da vanglória e do poder.


Senhor, esperamos, desejamos que as comunidades religiosas, as comunidades paroquiais, sejam de fato comunidades místicas. Não somos concorrentes entre nós. Estamos todos correndo atrás de Jesus Cristo, procurando o interesse do maior número de pessoas, a fim de que sejam salvas (1 Cor 10,33). Ajuda-nos, Senhor, a alcançar nossa meta. Associamo-nos ao apóstolo Paulo, que reconheceu sua fraqueza e depositou sua plena confiança no Senhor. “Lanço-me em direção à meta, em vista do prêmio do alto, que Deus nos chama a receber em Jesus Cristo” (Fl 3,14).

As últimas 3 advertências do papa Francisco para "não nos deixarmos roubar" serão publicadas em um próximo artigo. Não perca!

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