Texto de Elizabeth Scalia
Girou pelo Facebook nos últimos dias um post publicado supostamente pela Associação Nacional de Freiras Católicas dos EUA, contendo uma mensagem sobre o aborto dirigida ao papa Francisco: “O senhor não está entendendo direito”, dizia o post.
A associação, já envolvida em outras controversas dissidências doutrinais, pareceria apreciar o esforço pastoral do papa em permitir, durante o Ano Jubilar da Misericórdia, que todos os sacerdotes absolvam as mulheres arrependidas por terem abortado. Mesmo assim, a associação das religiosas norte-americanas ainda não estaria satisfeita com Sua Santidade, a julgar pelo conteúdo do tal post:
[O ato de Francisco] não respeita a autoridade moral das mulheres nas decisões sobre a sua própria anatomia reprodutiva. [Esse mesmo ato] ainda considera que as decisões femininas são pecaminosas; não reconhece que foi o esperma do homem que produziu essas gravidezes não planejadas; serve apenas para enfatizar que as mulheres deveriam poder administrar todos os sacramentos; continua deixando os homens proclamarem o que é certo para as mulheres.
Bom, vamos lá…
Primeiro: qualquer que seja a “autoridade moral” que as mulheres podem achar que têm sobre o seu corpo, o fato é que um aborto destrói violentamente o corpo de outra pessoa – e mulher nenhuma tem “autoridade moral” para cometer um assassinato.
Segundo: o papa não afirma de modo algum que “as decisões femininas são pecaminosas” pelo fato de serem femininas. O caso é que, no planeta Terra, existem decisões que são pecaminosas em si mesmas. E o aborto é uma delas, seja quem for que decida realizá-lo.
Terceiro: sim, o esperma é necessário para a gravidez, mas este mesmo argumento é obrigado a reconhecer que os óvulos também são.
Quarto: o ato do papa não indica de forma alguma que as sagradas ordens devam ser abertas a todos: as sagradas ordens são reservadas somente àqueles a quem Cristo chamou para exercê-las, ou seja, os apóstolos e seus sucessores. E é com base nelas que tem continuidade a prática dos papas de proclamar a misericórdia e o amor do Criador pelas suas criaturas.
Há um ponto realmente interessante, porém, no post atribuído a essa associação de freiras: ao focar tão intensamente na reconciliação das mulheres que abortaram, a declaração do papa não mencionaria os homens, que muitas vezes incentivam (e até forçam) os abortos.
Ora, “este Ano Jubilar da Misericórdia não exclui ninguém”, escreveu Sua Santidade. O papa exorta o clero a absolver do pecado do aborto aqueles que o promoveram e aqueles que, de coração contrito, buscam o perdão por tê-lo cometido, o que inclui toda pessoa que tenha encorajado ou forçado uma mulher a fazer aborto. Essas pessoas, muitas vezes, são homens. Logo, eles também foram incluídos pelo papa entre as pessoas que precisam de misericórdia.
De acordo com as freiras, talvez alguém – uma mulher, provavelmente – devesse ter ficado ao lado do papa Francisco para lembrá-lo de que “o esperma produz bebês” e de que existem milhares de homens, talvez milhões, que desempenharam papéis cruciais na realização de abortos, contribuindo com esse holocausto humano e minimizando ou ignorando o fato de terem colocado em risco a própria alma imortal.
Parece bastante óbvio que o papa Francisco sabe de tudo isso. De qualquer modo, não custa nada explicitar que a mensagem do papa também inclui os homens: os homens também têm extrema necessidade da misericórdia – da cura e da reconciliação que só pode ser encontrada no sacramento da confissão.
Há misericórdia para as mulheres, e Sua Santidade deixou isto bem claro, mas há misericórdia também para os homens, caso alguém insista em interpretar que o papa os teria eximido dessa realidade. E os homens devem ser informados não só de que essa misericórdia está à sua disposição, mas ainda de que, se tiveram qualquer envolvimento com o aborto, eles precisam recorrer a ela. Não podemos deixar que eles vivam na ignorância desta verdade.
Nós, católicos, falamos muito, e com razão, sobre a complementaridade dos sexos em termos de relacionamento; esta é uma oportunidade para falarmos também da responsabilidade mútua dentro dessa complementaridade, assim como da necessidade mútua de misericórdia.
“… Se antes não havíeis recebido misericórdia, agora a tendes recebido”, escreveu o primeiro papa da história. Em Cristo e na sua Igreja sempre houve misericórdia e é muito bom que as mulheres afetadas pela tragédia do aborto sejam explicitamente convidadas a participar dela. Mas deixemos claro também para os homens que este convite a conhecer a misericórdia é igualmente dirigido a eles.