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Teresa de Jesus, a santa católica que influencia uma das maiores autoridades anglicanas

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Alfa y Omega - publicado em 15/10/15
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Entrevista com o ex-arcebispo primaz da Igreja anglicana, Rowan Williams, que se apresenta como “filho espiritual do Carmelo” no Congresso Mundial Teresiano Rowan Williams, o ex-arcebispo de Canterbury e ex-primaz da Igreja anglicana, se declarou “filho espiritual do carmelo” durante o Congresso Mundial Teresiano celebrado em Ávila, Espanha, de 21 a 27 de setembro. A revista Alfa y Omega o entrevistou:

Por que o homem que foi a máxima autoridade espiritual da Igreja anglicana quis participar do Congresso Mundial Teresiano para falar de Teresa, da Eucaristia e da Reforma?

Falei do modo com que Teresa reagiu à Reforma do século XVI. O clima de violência que assolava a Europa a impulsionou a reformar a ordem do Carmelo e a mudar a forma da vida religiosa. Ela acreditava que Cristo estava sendo desonrado e humilhado com a destruição de igrejas, com a profanação das Sagradas Formas na França e no norte da Europa etc. Nós, como é óbvio, não estamos com Teresa no sentido de achar que a Reforma é o fim do mundo. Ela tinha um conhecimento limitado sobre os interesses da Reforma e a sua teologia. Mas o que é muito interessante é que a sua reação a esse período foi expressar a necessidade de uma vida de pobreza e entrega. A Reforma também implicou, para Teresa, um aprofundamento espiritual no sentido da Eucaristia. Ela atribuía à Reforma a rejeição da Eucaristia na Igreja. Então a vemos pensando sobre o que significa verdadeiramente a Eucaristia.

Isto merece uma explicação…

Ela nos confirma que o Filho de Deus aceita no pão a humilhação da humanidade. E, quando rezamos “o pão nosso de cada dia nos dai hoje”, rezamos para que Deus permaneça conosco até o final dos tempos. Nós, em resposta, devemos estar com Cristo. Devemos aceitar que, na pobreza, no sofrimento, na incerteza, temos de ser fiéis. Temos que acabar com a falsa crença de que a espiritualidade é cômoda ou fácil. E, em nossa fidelidade, Cristo reza, Cristo age.

Um anglicano que fala de diálogo ecumênico, de Teresa de Jesus e da Igreja católica… Como podemos entrelaçar esses aspectos?

Como anglicano, eu sempre me encontrei entre a Reforma e a Igreja católica. Em nossa Igreja, temos uma forte teologia sobre a Eucaristia. Nos últimos 150 anos, temos redescoberto a vida contemplativa e a prática da oração. Eu falo como um anglicano cujo próprio conhecimento de Deus, da Igreja e dos sacramentos foi influenciado por Teresa de Jesus e pelo desenvolvimento social dos carmelitas. Comecei a estudar João da Cruz quando eu era estudante, e Teresa quando era adolescente. Estas vozes dentro do carmelo me ajudaram no meu desenvolvimento e na minha vida de oração. Tanto a Igreja católica quanto a anglicana têm múltiplos elementos para estar em diálogo.

Às vezes, parece que estamos muito longe…

Esse diálogo tem muitos desafios e, às vezes, pode parecer excessivamente distanciado, mas eu percebo, no dia-a-dia da Igreja na Inglaterra, que há cada vez mais proximidade dos católicos, um intercâmbio maior de orações uns pelos outros, e obras de uns pelos outros. Em Canterbury, temos reuniões regulares entre bispos anglicanos e bispos católicos, e, mais do que discutir, nos reunimos para fazer uma reflexão conjunta. Isto se tornou uma rotina sadia em nossa vida e espero que possamos aprofundar no descobrimento de Deus no outro.

Rowan Williams, ex-arcebispo primaz da Igreja anglicana

 

No momento atual da Europa, é possível transformar a economia, o trabalho, os salários, a situação das fronteiras, sem resgatar os valores cristãos que nos unem?

Quando falamos dos valores europeus, eu creio que temos que lançar luz sobre o que isto significa. Simplesmente nos referimos à história dos nossos países e sociedades em particular, ou falamos das visões que fazem parte da Europa há vários séculos graças ao cristianismo? Porque os valores das Igrejas cristãs são o acolhimento, a afirmação da dignidade de cada pessoa, a possibilidade de que os estranhos possam viver juntos… Com a terrível situação que os refugiados estão sofrendo na Europa, temos que resgatar essa visão positiva da cristandade. É verdade que a Europa continua sofrendo uma crise profunda, com altos níveis de pobreza e uma situação financeira complexa, mas eu não creio que a solução para esses problemas seja criar muros e nos voltarmos para nós mesmos. Se estamos em sintonia com o conceito de sociedade global, temos que velar pela justiça para todos. Estes são os valores europeus que importam de verdade.

Falamos de uma religiosa de cinco séculos atrás. Por que é importante estudar Santa Teresa hoje?

Teresa de Ávila é uma pensadora e escritora que foca nas questões básicas da humanidade, nas questões verdadeiramente importantes. O primeiro ponto é a sua insistência no fato de que Deus traça uma relação de amizade com o homem. Direitos, igualdade, dignidade… Nada disso importa na realidade. O que importa é que Deus chama cada um de nós de “amigo”. Por isso, quando nas comunidades religiosas ou monásticas existe amizade, ela nos ajuda a conhecer os propósitos de Deus para nós. Teresa tem uma mensagem imediata para as sociedades que estão divididas. Sua própria sociedade, a do seu contexto, estava dividida e cheia de suspeitas e discriminações. Ela, com amizade e graça, enfrenta esse contexto. O segundo ponto é a sua vida de oração. Deus está vivendo, agora mesmo, neste momento, em cada um de nós. Está trabalhando em cada alma. E Deus nos chama a nos reconhecermos e a reconhecê-lo. Ela nos incentiva ao silêncio, a nos sentarmos, a ser pacientes com o mistério de Deus. E, no final, Deus aparece. Ele rompe a superfície e nós vemos Deus em cada rosto, na Igreja, em seu Filho Jesus Cristo… Deus se mostra com clareza. Contemplação e ação, oração e justiça estão indissoluvelmente unidas. É a isto que Teresa nos chama hoje.

 

Entrevista realizada por Ricardo Morales Jiménez / Ávila

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