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Susanna Tamaro: “a falta de amor é o grande mal da vida”

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Miriam Diez Bosch - publicado em 04/01/16

"Eu creio que a vida cristã é o caminho de máxima realização do ser humano, e portanto um caminho de máxima liberdade e de máximo amor"

“No cristianismo, é preciso se apaixonar”: é o que afirma a escritora italiana Susanna Tamaro. A famosa autora do livro “Vai aonde te leva o coração” conversou com a Aleteia sobre questões profundas que muitas vezes só a sensibilidade de uma grande escritora consegue expressar em palavras.

Aleteia: o amor sempre está presente em sua obra…

Susanna Tamaro: Acredito sinceramente que a falta de amor é o grande mal da vida. Isto é, não há nenhum outro mal, e a única terapia contra esse mal é o próprio amor. Você pode até obter ajuda psicológica e outras, mas é só o amor total que cura as feridas da falta de amor.

Nossa sociedade está dramaticamente doente por amor.

Existe muito amor narcisista, amor possessivo, amor de apego. Vemos como as pessoas se destroem e chegam a dizer: “se você me deixar eu te mato…”. Na verdade, o amor é a doação de si mesmo, e enquanto dom, pode gerar vida.

A literatura pode nos inspirar e revolucionar? 

Susanna Tamaro: A literatura nasceu para sacudir, é feita para revolucionar. Mas existe uma fratura entre o leitor de hoje e a verdadeira função da literatura.

Ms eu confio nos jovens, porque vejo que quando lhes damos bons livros, eles compreendem e são tocados. Entendem que os livros os alimentam, e não apenas os distraem. É muito bom se entreter e divertir com leituras, mas a verdadeira literatura foi feita para alimentar as pessoas, não apenas para entreter.

Quem escreve se mostra?

Para escrever é preciso coragem. Porque escrever é precisamente se revelar, e é preciso exibir toda a sua nudez humana, mas sem autocomplacência. Não se trata de uma exibição narcisista, mas de um dizer: eu tenho esta capacidade de olhar dentro da alma e a utilizo até o fim, sem colocar barreiras para me esconder. Este é o dom que tenho, e as pessoas podem tirar proveito disso apenas se for verdadeiramente honrada.

O artista é aquele que se revela completamente, sem medo, porque não há narcisismo neste ofício: é um oferecer-se através da doação ao leitor. Minha vida é reservada, privada, mas minha alma é pública.

Por que nos seus livros sempre se abordam os vínculos familiares?

Em nossos pais está um pouco do segredo da nossa vida. Indagar as raízes, na família, nas relações humanas, é fundamental, porque nós estamos feitos de relações afetivas, e as primeiras relações são naturalmente com os pais. Podem ser positivas, negativas, positivo-negativas, mas nos definimos através da origem, dos pais, e por isso é tão importante. A literatura, no fundo, sempre falou das relações afetivas.

A natureza também é um componente importante para você.

A natureza nos fala da beleza e do mistério da vida, antes de tudo. Por isso, escolhi viver no campo, porque para escrever, para mergulhar profundamente, sinto a necessidade de estar um pouco em solidão e também de muito contato com a natureza.

A natureza oferece contínuas metáforas quando se escreve, é um espelho no qual você vê a vida do homem, e ela te devolve estas metáforas que te ajudam a interpretar a vida. Penso que se não tivesse vivido 26 anos no campo, minha obra seria muito mais pobre.

Você está sempre em companhia dos animais, é verdade?

Os animais são a pura inocência, penso eu, e têm um coração que só está disposto à doação. Eu preciso muito da proximidade dos animais, ainda que não seja uma militante das causas animais no sentido ideológico. Acredito que é um enriquecimento mútuo, e nos próximos anos será totalmente necessário um novo paradigma homem-animal: um paradigma que não seja ideológico, mas que respeite a natureza dos animais, que é algo que nos nutre e torna possível nossa vida.

O que pensa do apelo do Papa Francisco por uma ecologia integral?

Não se pode deixar a ecologia nas mãos das ideologias de poder, que ao fim são derivas pagãs e perigosas. Tudo reluz no amor, quando se respeita a visão integral do Universo como criação. Então tudo encontra o seu lugar. No momento em que se cai em alguma visão de poder de um grupo, há racha e violência. Assim, uma visão cristã da criação da natureza é absolutamente fundamental hoje.

O que você pensa sobre a proposta do cristianismo neste mundo materialista?

No cristianismo, é preciso se apaixonar, conhecendo pessoas que te inspiram a se apaixonar. Eu creio que a vida cristã é o caminho de máxima realização do ser humano, e portanto um caminho de máxima liberdade e de máximo amor. Assim, antes de dizer que sou cristã ou cristão, prefiro que as pessoas digam: “vejam como é essa pessoas, é feliz, é livre, eu também quero ser como ela”. Então posso dizer: “sou assim porque são cristã”. Não digo antes o nome e depois o fato: antes vem o testemunho, depois vem a nomenclatura.

Lendo suas obras, vemos que você tem uma relação quase natural com a morte, como se fosse muito consciente de que somos finitos e de que não nos resta muito tempo.

Eu adoro a vida. Precisamente por isso, penso na morte. Amo a vida. E este é o ponto fundamental. Creio que um dos males de nossa sociedade atual é tentar apagar este horizonte da morte, da finitude do ser humano. Dessa forma tudo perde sentido ou se converte em um jogo insano. De fato, em meus livros eu sempre falo sobre o limite, este mistério que atinge todos, antes ou depois, inevitavelmente.

Algumas pessoas se converteram ao cristianismo a partir dos seus livros.

Meus livros são um pouco como luz na opacidade dos dias das pessoas e as ajudam a iniciar uma mudança. Houve sim pessoas que se converteram através dos meus livros. Batizaram-se, realizaram um verdadeiro caminho de fé, partindo do que eu havia colocado nos meus livros – conversão que não é mérito meu – e que suscita mudança nas pessoas.

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