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“Amor ao próximo palpável”: uma história litúrgica do rito do lava-pés

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Ryan Beck

Greg Kandra - publicado em 08/02/16

As recentes mudanças estabelecem que quaisquer indivíduos podem ser escolhidos dentre o povo de Deus

O Arcebispo Arthur Roche, da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos publicou recentemente no L’Osservatore Romano alguns comentários sobre o decreto que altera o rito do Lava-pés da Quinta-feira Santa, incluindo comentários muito pertinentes acerca de sua contextualização histórica:

À luz do Evangelho de João, o rito encerra um duplo significado: uma imitação do gesto realizado por Cristo ao lavar os pés dos Apóstolos no Cenáculo, bem como a expressão do doar-se a si mesmo exemplificada com aquele ato. Não por acaso, o gesto é chamado de Mandatum na antífona recitada na cerimônia: “Mandatum novum do vobis, ut diligatis invicem, sicut dilexi vos, dicit Dominus” (João 13:34).

De fato, o mandamento de amor fraternal compromete todos os discípulos de Jesus, sem qualquer distinção ou exceção. Em um antigo ordo do século 7o já lemos a seguinte fórmula: “Pontifex suis cubicularibus pedes lavat et unusquisque clericorum in domo sua”. Aplicada com variações em diferentes dioceses e abadias, pode ser encontrada também no Pontifical Romano do século 12, bem como no Pontifical da Cúria Romana do século 13 (“facit mandatum duodecim subdiaconos”). O Mandatum é descrito como se segue no Missal Romano do Papa São Pio V (1570): “ Post denudationem altarium, hora competenti, facto signo cum tabula, conveniunt clerici ad faciendum mandatum. Maior abluit pedes minoribus: tergit et osculatur”. Era recitado com os cantos das antífonas, das quais o último é o Ubi caritas, e encerrado com o Pater noster e uma oração em que se associa o mandamento do serviço à purificação dos pecados:

Adesto Domine, quaesumus, officio servitutis nostrae: et quia tu discipulis tuis pedes lavare dignatus es, ne despicias opera manuum tuarum, quae nobis retinenda mandasti: ut sicut hic nobis, et a nobis exterioria abluuntur inquinamenta; sic a te omnium nostrum interiora laventur peccata. Quod ipse praestare digneris, qui vivis et regnas, Deus, per omnia saecula saeculorum”.

Com base no Evangelho ouvido na Missa da manhã, entende-se que a condução do rito estaria reservada ao clero (conveniunt clerici); mas a ausência de instruções prescrevendo que houvesse “doze” sugere que o que realmente importa não é imitar o ato de Jesus no Cenáculo, e sim colocar em prática o valor exemplificado por Jesus em seu gesto – algo que se espera de todos os seus discípulos.

Um pouco adiante, ele prossegue notando que nem sempre o Lava-pés foi realizado com 12 homens:

A descrição do “De Mandato seu lotione pedum” que consta no Caeremoniale Episcoporum de 1600 (…) menciona a tradição do Bispo lavar, enxugar e beijar os pés de “treze” pessoas pobres, após tê-las vestido, alimentado ofertado-lhes esmola em caridade. O ato poderia igualmente ser conduzido com treze religiosos, de acordo com os costumes locais ou preferência do Bispo: “videtur enim eo pacto maiorem humilitatem, et charitatem prae se ferre, quam lavare pedes Canonicis”. A cerimônia do Lava-pés, ainda que não estivesse sendo aplicada à totalidade do povo de Deus, e estando eventualmente reservada ao clero, não rejeitava, em seu significado mais profundo, costumes locais envolvendo os pobres ou os mais jovens (ver, por exemplo, o Missale Parisiense).

As recentes mudanças estabelecem que quaisquer indivíduos podem ser escolhidos dentre o povo de Deus. A significação do rito não se limita a um imitar exterior do gesto de Jesus; busca expressar o sentido profundo do ato foi por Ele realizado: doar-se a si mesmo “até o fim” pela salvação da humanidade – ato que assume importância universal. Sua caridade, abrangendo toda a humanidade, faz de todas as pessoas irmãos e irmãs pela força do seu exemplo. Na verdade, o exemplum por ele deixado nos convida a transcender o ato físico de lavar os pés do outro, para vivenciar o pleno significado expresso no gesto: servir num amor palpável pelo próximo.

Finalmente, convém destacar que em sua análise, o Arcebispo Arthur Roche enfatiza algo que muitos têm esquecido: o decreto é opcional. Está facultado aos pastores decidir a melhor forma de aplicá-lo.

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