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A jornada de Aysha: a busca de uma mãe refugiada por um lugar seguro

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Michael Rennier - publicado em 29/03/16

Escritor acompanhou uma mãe síria grávida desesperada para proteger seus filhos em sua longa jornada da Síria para a Alemanha

“Eu fui para o lugar mais seguro que poderia pensar”, explica Aysha, mãe de três filhos que deixou sua casa em Aleppo, na Síria, e seguiu para a Alemanha. Com duas crianças andando ao seu lado e grávida de seu terceiro, Aysha procura segurança para a sua família e está disposta a enfrentar qualquer dificuldade para proteger seus entes queridos. Sua história, contada nas páginas da revista Marie Claire UK pela jornalista Corrine Redfern, foi acompanhada pela fotografia de cortar o coração de Georgios Makkas, cujas imagens mostram uma viagem angustiante, cheia de incógnitas, desconforto e a constante ameaça de perigo.

Aysha lembra o tempo quando a vida era diferente, quando ela tinha um lugar seguro perto da família, uma casa e uma carreira. Ela descreve o tipo de vida que muitos de nós sonhamos: “Eu passei vinte anos viajando pelo país trabalhando como engenheira civil para o governo. Conheci meu marido há seis anos… Nossa casa era antiga e bonita, com tetos altos, paredes brancas e piso frio. Passávamos os nossos dias no trabalho e nossas noites com os amigos – comíamos fora, ouvíamos música, éramos normais”. Até hoje, tendo deixado tudo isso para trás, ela se esforça para manter um ambiente normal, dizendo: “Eu não gosto de pensar em mim mesma como uma refugiada”.

Setembro de 2015: Aysha chega à Europa na praia de Kagia, na costa norte da ilha de Lesbos. O barco estava transportando cerca de 50 sírios, homens, mulheres e crianças. Foto por Georgios Makkas
Georgios Makkas

Setembro de 2015: Aysha chega à Europa na praia de Kagia, na costa norte da ilha de Lesbos. O barco estava transportando cerca de 50 sírios, homens, mulheres e crianças. Foto por Georgios Makkas

Normal ou não, sua vida mudou drasticamente. Em seu país de origem, Síria, uma revolta contra o presidente Bashar al-Assad disparou em julho de 2012 uma guerra civil. No mês passado, a ONU documentou mais de 4,8 milhões de sírios que deixaram o país. Refugiados que fugiram para outros lugares, incluindo nações próximas, como Egito, Turquia, Líbano e Jordânia. Na Europa, a Grécia e a Alemanha aceitaram mais de 400.000 refugiados cada. Só na Alemanha, existem ainda mais de 200.000 requerentes de entrada.

“No final, o meu marido deixou-nos ir. A última coisa que ele me disse foi que eu tinha que manter nossas crianças seguras, porque nós somos toda a sua vida. Se não o fizesse, disse ele, a dor não valeria a pena.”

No artigo, Aysha descreve como era a vida quando ela ainda estava na Síria: “Depois de meses de soldados rebeldes lutando contra o presidente Bashar al-Assad, bombas começaram a cair. Todos os diferentes grupos começaram a atacar uns aos outros e, em seguida, o Estado Islâmico também começou a avançar no país”.

Logo, era muito perigoso até mesmo atravessar a rua para visitar amigos. A comida começou a faltar e casas estavam resumidas em pedaços. A vida não poderia continuar assim. Ela tomou a decisão de procurar a segurança de seus filhos, mas tomando cuidado para que eles não sofressem consequências. Seu marido, médico, sentiu o dever de ficar e cuidar dos feridos. Durante cinco meses, eles discutiram sobre se o resto da família deveria ficar ou ir. “Mas no final”, diz ela, “deixou-nos ir. A última coisa que ele me disse foi que eu tinha que manter nossas crianças seguras, porque nós somos toda a sua vida. Se não o fizesse, disse ele, a dor não valeria a pena”.

Três dias após a sua chegada à praia grega, Sham e Bisan dormiram no colo de Aysha enquanto estavam em um trem para refugiados e imigrantes de Gevgelija a Slanishte, passando pela Macedônia. O trem estava lotado, não havia banheiro e ninguém tinha idéia de quanto tempo duraria a viagem. Foto de Georgios Makkas
Georgios Makkas

Três dias após a sua chegada à praia grega, Sham e Bisan dormiram no colo de Aysha enquanto estavam em um trem para refugiados e imigrantes de Gevgelija a Slanishte, passando pela Macedônia. O trem estava lotado, não havia banheiro e ninguém tinha idéia de quanto tempo duraria a viagem. Foto de Georgios Makkas

O que se segue é uma história verdadeiramente surpreendente envolvendo caminhar longas distâncias, esconder-se no porta-malas de carros, ficar regularmente sem comer por dias, ser conduzida através da mata por contrabandistas e entrar em um bote perigosamente sobrecarregado para atravessar o oceano. Tudo isso ocorreu em um clima de medo: medo de cair nas mãos de criminosos, de ser apanhados e enviados de volta para a Síria, do desconhecido que estava por vir. Finalmente, Aysha e seus filhos chegaram à Alemanha. Ela agora sabe que eles não serão enviados de volta, pelo menos não até que seja seguro voltar para casa. Surpreendentemente, ela é inflexível e quer voltar para a Síria. Na verdade, ela diz: “Todos que eu conheço querem voltar”.

Aysha pode ter cruzado a fronteira de forma segura, mas ainda existem inúmeros desafios pela frente. Ela fala sobre os abrigos onde eles estão autorizados a permanecer: “Está frio aqui, e todos nós temos gripe, mas não há qualquer medicamento. Estou com medo de ser esquecida e, às vezes, me sinto tão só; é difícil não chorar o tempo todo”. E, no entanto, este é o lugar mais seguro que ela e sua família conseguiram encontrar desde muito tempo. Pode ser seguro, mas ainda não está em casa, e um enorme pedaço de sua vida está em falta. O marido não está aqui, e ela cheira sua loção pós-barba para se lembrar dele quando cai no sono durante a noite.

“Eu sei que estamos seguros, e eu sei que temos sorte. Mas estou começando a perceber que ficar na Europa não é o fim dos nossos problemas. Chegar a Europa foi apenas o começo.”

A jornalista Redfern viajou com Aysha na segunda metade da sua jornada, da Grécia à Alemanha, enquanto o fotógrafo Makkas acompanhou-as por toda a viagem. O artigo e as fotos são evocativos, revelando uma história muito diferente das estatísticas de imigração. Esta é uma mulher de verdade, desesperada para proteger seus filhos. Ela deixou tudo para trás para fazer isso. Seu marido se agiganta na história por sua própria ausência a partir das imagens. Ele tem dever com seu país de origem de usar suas habilidades médicas para ajudar a curar uma nação dilacerada e ferida. Fazendo isso, ele teve que ferir o seu coração e permitir que sua esposa saísse.

Aysha abraça suas duas filhas na entrada principal da estação central de Viena, depois de esperar na fila do bilhete por horas. Foto de Georgios Makkas
Georgios Makkas

Aysha abraça suas duas filhas na entrada principal da estação central de Viena, depois de esperar na fila do bilhete por horas. Foto de Georgios Makkas

No final, Aysha é grata ao povo alemão e a todos que a ajudaram ao longo do caminho. “Eu sei que estamos seguros, e eu sei que temos sorte, e isso significa tudo. Mas estou começando a perceber que ficar na Europa não é o fim dos nossos problemas. Chegar à Europa foi apenas o começo”. Para este artigo, tentamos encontrá-la para ver o que ela está fazendo nestes quatro meses desde que o artigo original foi publicado na Marie Claire. Nós ainda não conseguimos contatá-la, e me pergunto onde ela está e como está vivendo. Seu filho nasceu saudável? Seus filhos se adaptaram, fizeram amigos, conseguiram frequentar alguma escola? Ela conseguiu falar com o seu marido?

É uma coisa saber que você está seguro em um lugar temporário, e outra saber que está em casa, saber que você é amado. Aysha está trabalhando duro para ter um novo começo, para criar um lugar onde seus filhos podem ser livres de danos e conflitos, mas para ela e milhares de outros pais e mães, a casa ainda é um lugar muito distante.

Michael Rennier vive em St. Louis, Missouri, com sua esposa e cinco filhos.Ele é editor colaborador da Dappled Things, uma revista dedicada às artes escritas e visuais.

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