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“Presidente de Hitler” não, mas “Papa de Hitler” sim?

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David Mills - publicado em 11/05/16

Enquanto Pio XII é execrado, Carl Gustaf Emil Mannerheim é louvado – pelos mesmos motivos!

Ele aliou seu país à Alemanha nazista e nunca disse uma palavra em defesa dos judeus. Suas relações com Hitler são descritas como “camaradas”. Como mostra de apreço por essa aliança, Hitler lhe deu um Mercedes-Benz, que ele aceitou “graciosamente”. Ele passou seu 75º aniversário num encontro secreto com Hitler, que, para vê-lo, fez uma de suas raras viagens para fora da Alemanha. Seus compatriotas ainda o reverenciam, setenta anos depois – e com razão.

Estou escrevendo sobre Carl Gustaf Emil Mannerheim (imagem), o líder finlandês durante a Segunda Guerra Mundial. O entretido e impecavelmente liberal site Ozy publicou recentemente um artigo descrevendo como Mannerheim fez o quase impossível para manter a Finlândia livre, ao mesmo tempo, do domínio da Alemanha nazista e da invasão da Rússia soviética.

“A sua única forma de salvar a Finlândia da tirania de Stalin”, explica o site, “era aliar-se aos nazistas. Mannerheim, por isso, jogou um delicado jogo de equilíbrio, mantendo as suas tropas fortes ao mesmo tempo em que cortejava os favores de Hitler, mas sem fazer com ele nenhuma aliança formal”.

Nesse jogo de gato e rato, Mannerheim criou com Hitler uma “intrincado pacto de co-beligerância que especificava como a Alemanha e a Finlândia, embora não aliadas, cooperariam militarmente para combater o mesmo inimigo (…) Acima de tudo isso, estava a relação de intimidade entre Mannerheim e Hitler, que mantinha os nazistas à distância”.

Hoje, conclui o autor do texto, “a reputação de Mannerheim atinge proporções míticas (…) Suas complexas relações com a Alemanha nazista salvaram a Finlândia tanto de Stalin quanto de Hitler – uma façanha imensa. Assim, mesmo tendo tido que lidar com pressões no casamento e por parte dos amigos, Mannerheim terá, para sempre, a lembrança e a gratidão da sua pátria pela sua liderança perspicaz e pela sua dedicação incansável”.

É uma grande história. É como assistir a um homem na corda bamba segurando toda a sua família pela mão. Se ele cai, todo mundo morre. Mannerheim segurou todo o seu país. Se esse homem tivesse falhado, a Finlândia teria caído nas garras ou de uma ou de outra das piores tiranias da história.

Talvez você esteja pensando: “Espere um pouco. Por que esse cara é tão elogiado por ter feito o seu melhor numa situação terrivelmente difícil, enquanto o papa Pio XII continua sendo chamado de ‘papa de Hitler’ por ter feito o seu melhor praticamente na mesma situação?”.

É uma excelente pergunta.

Eu enviei um rascunho de artigo sobre isto a William Doino, especialista em Pio XII, e ele me respondeu chamando a atenção para algumas diferenças entre Mannerheim e o papa:

“Ao contrário de Mannerheim, Pio XII sim falou publicamente contra os nazistas e seus assassinatos raciais em massa durante a guerra. Pio XII nunca se encontrou com Hitler e muito menos bancou o ‘camarada’ dele. Pio XII sim salvou muitos judeus, e, é claro, Pio XII levou a cabo uma famosa tentativa de derrubar Hitler”.

Então, cadê o tal “papa de Hitler”? Pio XII não só trabalhou para derrubar Hitler, como chegou até mesmo a concordar que ele fosse morto. Hitler certamente não sentia carinho algum por Pio XII. Que “papa de Hitler” é esse?

Doino observa ainda, em nota para mim, que “Pio XII foi um dos maiores inimigos de Hitler, coisa que, finalmente, está hoje sendo amplamente reconhecida”. O especialista prevê que “os preconceitos que ainda restam contra o papa serão todos superados”. Eu espero que ele esteja certo, já que, por enquanto, ainda é vastamente predominante entre acadêmicos e jornalistas a falsa ideia de que Pio XII teria favorecido os nazistas.

A resposta

Voltemos àquela excelente pergunta: “Por que esse cara é tão elogiado por ter feito o seu melhor numa situação terrivelmente difícil, enquanto o papa Pio XII continua sendo chamado de ‘papa de Hitler’ por ter feito o seu melhor praticamente na mesma situação?”.

Porque Pio XII era católico e papa.

A lenda de que o papa tenha sido cúmplice de Hitler é conveniente demais, em termos ideológicos, para que os “evangelistas do laicismo” desistam dela. E lá vão eles martelando que “o papa era um covarde! O papa não gostava de judeus! O papa manteve suas próprias costas quentes!”. Num cenário em que predomina a crença nessas lorotas, quem se importa com o que o papa atual declara sobre moralidade?

É uma questão de leitura seletiva. A mesma coisa que é considerada heroísmo no líder finlandês é considerada vilania no líder católico. As complexas ações do primeiro são interpretadas dentro do contexto histórico; as complexas ações do segundo são tergiversadas com a pior leitura possível, que foca separadamente em cada coisa, tirando tudo de contexto. Ninguém escreve sobre Mannerheim do jeito que eu escrevi no primeiro parágrafo. Mas quase todas as principais fontes laicas escrevem sobre Pio XII exatamente desse jeito.

Imagine só os laicistas oportunistas escrevendo sobre Pio XII da forma como o site Ozy escreveu sobre o herói nacional finlandês: um líder astuto, de dedicação incansável, envolvido num jogo delicado de equilíbrio, em acordos intricados para manter o inimigo em cheque, em relações sagazes com os inimigos para salvar o que podia salvar. Sua reputação atingiria proporções míticas. Por enquanto, porém, espere sentado.

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