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Vincent van Gogh e a busca do lar

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Karen Beattie - publicado em 02/06/16

Famosas pinturas do quarto do artista sugerem um desejo universal

Eu me mudei 10 vezes em 10 anos, entre os meus 20 e 30 anos. Vim para Chicago trabalhar e meu primeiro apartamento foi um flat, que dividia com uma colega. Mas, depois de seis meses, ela se mudou de volta para Ohio, para ajudar a sua mãe doente. Eu não podia pagar o aluguel sozinha, então fui morar com uma amiga de trabalho.

Depois de um ano, mais ou menos, essa amiga casou, e eu tive de ir dividir o apartamento com outra colaga. Essas andanças continuaram por uma década, incluindo uma estadia de nove meses no Colorado e voltar para Chicago.

Superficialmente, minhas razões para mudar foram todas razoáveis. Mas no fundo eu sabia que estava procurando meu lugar nesta terra e um lugar para chamar de lar.

Quarto de um artista

Recentemente, uma exposição no Instituto de Arte de Chicago me fez lembrar a minha própria procura todos aqueles anos atrás. Vincent van Gogh – pintor holandês famoso por cortar sua própria orelha – é a minha alma gêmea quando se trata de mudanças. Somente ele me derrotou: ele se mudou 37 vezes em muitos anos.

Muitas pinturas famosas de Van Gogh foram estampadas em canecas de café e quadros que estudantes universitários penduram em suas paredes do dormitório: A Noite Estrelada, Girassóis, Lírios.

A exposição no Instituto de Arte explorou uma série menos conhecida de pinturas que ele criou do quarto de uma casa amarela que ele alugou em Arles, na França, em 1888 e 1889. Quando Van Gogh terminou o primeiro quadro do seu quarto, ele gostou tanto que escreveu ao seu irmão, Theo – um negociante de arte – afirmando se tratar de uma de suas melhores pinturas.

Mas uma inundação em sua casa danificou o quadro, então Van Gogh decidiu fazer uma cópia do mesmo, e depois pintou outra cópia como presente para sua mãe e irmã.

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As pinturas da série o Quarto são todas um pouco diferentes. O quarto aconchegante inclui uma cadeira simples, uma cama, pinturas na parede, um jarro de água, uma janela. Não é difícil entender como Van Gogh poderia encontrar consolo ali. Em uma carta ao seu irmão, ele escreveu sobre a casa amarela que tinha finalmente encontrado um lugar “onde pudesse viver, pensar e respirar”.

Mas o quarto evoca muito mais do que o refúgio de um artista. Ele representa, pelo menos para mim, um símbolo do que todos nós estamos esperando.

Do missionário ao artista

Van Gogh era o filho mais velho de um pastor da Igreja Reformada Holandesa. Ele estudou teologia e estava seguindo o caminho do pai no ministério. Quando foi reprovado em seu exame de admissão ao seminário, fez um curso de três meses em uma escola missionária e depois assumiu um cargo missionário na região de mineração de carvão na Bélgica.

A família de Van Gogh era rica, mas ele se identificou mais com os trabalhadores nos campos e os mineiros de carvão. Sua congregação na Bélgica era pobre – e Van Gogh desistiu de seus alojamentos confortáveis para ser um homem sem-teto que vivia em uma cabana, dormindo na palha. As autoridades da igreja o demitiram por “causar prejuízos à dignidade do sacerdócio”.

Desiludido com a igreja (não surpreendentemente), ele começou a se concentrar cada vez mais na sua arte. Para seu irmão, ele escreveu: “Muitas vezes sinto saudades de casa”. Van Gogh parecia traduzir seu zelo espiritual para vislumbres do divino em sua arte. Ele poderia identificar-se com Victor Hugo, que disse: “Religiões passam, mas Deus permanece”.

Em vez de pintar cenas religiosas óbvias, Van Gogh retratou o divino em suas pinturas de estrelas, em escavadores de batata, prostitutas, crianças, a natureza, o sol. Ele escreveu em uma de suas cartas a Theo: “É bom continuar acreditando que tudo é mais milagroso do que se pode compreender, isso é verdade; é bom se manter sensível e humilde e terno de coração… Pois o que se pode aprender é melhor do que o que Deus tem dado pela natureza para cada alma humana”.

Van Gogh procurou “encontrar uma maneira, através da arte, de ensinar as verdades espirituais para as pessoas, a fim de consolá-las”, afirma Naomi Margolis Maurer, autora de The Pursuit of Spiritual Wisdom: The Thought and Art of Vincent van Gogh and Paul Gauguin, em uma entrevista para Los Angeles Times. “Ele acredita em uma religião que ensina as pessoas a terem reverência e temor da criação, e ter compaixão e sentimentos de caridade e solidariedade com as pessoas que sofrem”.

Saudades de um verdadeiro lar

A inquieta busca de Van Gogh pelo lar casa o levou a 24 cidades. Na maioria das vezes, ele era um convidado, dependente da hospitalidade de amigos ou família. Quando ele finalmente, em 1888, se estabilizou em Arles, França, na casa amarela, ele sentiu que tinha finalmente encontrado a sua própria casa. Muitos de seus quadros mais famosos foram criados durante o tempo que ele viveu lá.

Mas a sua satisfação não durou muito tempo. Van Gogh lutou contra uma doença mental a maior parte de sua vida adulta – muitos especialistas acreditam que ele sofria de epilepsia e possivelmente de transtorno bipolar. Seus vizinhos em Arles ficaram perturbados com seu comportamento, incluindo, naturalmente, o incidente em que ele cortou a orelha.

Van Gogh foi admitido em um asilo na cidade vizinha de Saint-Remy, onde ele continuou pintando, como A Noite Estrelada e A Porta da Eternidade. Depois de sair do asilo, ele se mudou para o norte de Paris. Mas sua saúde mental continuou a deteriorar. No ano seguinte, diz-se que ele atentou contra a própria vida com um tiro no peito, tendo morrido poucos dias depois. Tragicamente, ele tinha apenas 37 anos de idade.

“Felizmente, a minha própria busca nômade por uma casa terminou mais feliz do que Van Gogh. Após uma década à procura de um lugar para pousar, eu finalmente terminei em um apartamento no último andar de um flat e fiquei lá por cinco anos. Depois disso eu tive a sorte de comprar o meu próprio apartamento, onde vivi por 11 anos, casei-me e adotei uma criança. Agora meu marido, filha e eu estamos pensando em mudar para uma casa maior, “onde eu possa viver, pensar e respirar”. Mas, como meu marido me lembra, uma nova casa realmente irá satisfazer um desejo que só Deus pode preencher?

Talvez C. S. Lewis descreva melhor a sensação: “Se nós nos encontramos com um desejo que nada neste mundo pode satisfazer, a explicação mais provável é que fomos feitos para outro mundo”.

Assim que saí do Instituto de Arte naquele dia brilhante, ensolarado, percebi que Van Gogh estava à procura de “outro mundo”, e que a melhor aproximação desse outro mundo que ele encontrou durante o seu curto período de tempo na Terra era o quarto simples em Arles onde viveu um breve tempo calmaria de uma vida turbulenta e questionadora.

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