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Congoleses relembram luta de Ali em Kinshasa: ‘ele nos enfeitiçou’

<p>Foto de 8 de novembro de 2006 mostra um trem de passageiros em Kinshasa, na República Democrática do Congo</p>

Agências de Notícias - publicado em 04/06/16

“Passamos toda nossa juventude pensando em Muhammad Ali, foi ele que nos fez”. Em Kinshasa, Martino Kavuala relembra com emoção a passagem do “maior campeão de todos os tempos”, na “luta do século” contra George Foreman, em 1974.

“Na época, se você era jovem e não lutava boxe, você era um falso jovem, não tinha lugar na sociedade”, conta o ex-pugilista amador de 63 anos, que trabalha hoje como corretor de imóveis.

Ali, que faleceu na sexta-feira, aos 74 anos de idade, “tinha estilo próprio. Quando ele estava no ringue, fazia aquela dança com os pés. Isso nos enfeitiçou”, descreve.

Kavuala já era fã do americano antes mesmo da viagem à República do Congo, então chamada de Zaire, quando ainda se chamava Cassius Clay.

No final da década de 1960, em Kinshasa, “os jovens eram como cães raivosos. Era melhor não chegar perto”, lembra o sessentão, às gargalhadas. “Tínhamos gangues de bairros e para namorar com uma garota de outro bairro, era melhor saber de defender”, justifica.

‘Multidão de boxeadores’ “Cada homem tinha que aprender a se defender e Ali era um modelo para nós. Em Kinshasa, há multidões de boxeadores”, explica.

“Tirando o futebol, o boxe era a mãe de todas as outras modalidades, e a cidade toda só falava em Muhammad Ali”, enfatiza. “Foi por isso que o ‘presidente-marechal’ Mobutu (ditador que ficou no poder de 1965 a 1997) achou bom organizar a luta do século aqui”.

O combate, que aconteceu no dia 30 de outubro de 1974, ganhou o apelido de ‘Rumble in the jungle’ (briga na selva).

Timba Kabwe ‘Bougnol’ viu tudo de perto. Hoje com 65 anos, depois de uma longa carreira de boxeador e treinador, Kabwe já tinha fundado o Boxing Club de Gombe, no norte da capital congolesa, quando Ali desembarcou no país.

Ele fez parte da numerosa equipe contratada para acompanhar o americano nas longas semanas que passou em solo africano antes da luta. Quando o dia enfim chegou, teve o privilégio de assistir à vitória de Ali a poucos metros do ringue, no estádio do dia 20 de maio (hoje chamado Tata-Rafaël).

‘Chuva de bençãos’ “Foreman era muito mais forte. Ele batia demais”, relembra. “Mas no oitavo assalto, quando Ali sentiu que o adversário estava cansado, acertou dois socos no rosto, aqui e aqui”, mostra Kabwe, apontando para o queixo e a têmpora. “Foreman desabou”.

Kavuala não teve a mesma sorte. Assistiu à luta pela televisão, na escola de aviação do Katanga, no sudeste do país.

“Ficamos com medo, mas foi só um susto. Sinceramente, se Ali tivesse sido derrotado aqui no Congo, todo o Zaire e a África inteira teriam ficado de luto”, avisa.

O combate começou no meio da noite, para poder ser transmitido ao vivo em horário nobre na TV americana. “Logo depois, caiu muita chuva, tudo estava molhado”, recorda ‘Bougnol’. “Parecia uma chuva de bençãos”, concorda Kavuala.

Ambos, porém, têm a impressão de ser os guardiões de uma história esquecida pelos congoleses.

“Com a morte de Muhammad Ali, parte da nossa história está enterrada”, lamenta Kavuala.

Kabwe ainda se lembra da suíte presidencial que a lenda o boxe ocupou no Hotel Intercontinental. O estabelecimento mudou de nome e a jovem recepcionista diz nunca ter ouvido falar em Muhammad Ali.

Théophile Kisoto, gari em Kinshasa, tinha 17 anos em 1974. Nos arredores do estádio, ele lembra ter esperado “até 3 horas da manhã” nas arquibancadas para ver os boxeadores entrarem no ringue.

“Havia muitos refletores, um monte”, descreve. Hoje, é preciso usar telefone celular para enxergar nos corredores do estádio, que estão sem luz.

René Mipendo, encarregado pela administração do espaço, recebeu a visita da filha de Ali há alguns anos. A única coisa que guarda do encontro é a lembrança amarga de um apoio financeiro que nunca veio.

(AFP)

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