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Especialistas: menos europeu e mais global, catolicismo continuará crescendo – e muito

WYD Rio 2013 – pt

© Ronaldo Correa/JMJ Rio 2013

Aleteia Brasil - publicado em 06/10/16

...apesar das vozes que prenunciam o fim das religiões até 2100

Quando o seu biógrafo Peter Seewald lhe perguntou sobre a descristianização da Europa, o papa emérito Bento XVI respondeu:

“É tudo uma questão de repensar a presença, encontrar novas formas, trabalhar com talento”.

Ou seja: em vez de repetir a ladainha das igrejas vazias, fechadas e abandonadas, é mais útil entender que o problema é mesmo a fé, que está sedada e distraída. É desta questão fundamental que se deve recomeçar, testemunhando Cristo de formas novas.

Philip Jenkins, um dos maiores especialistas em história e ciência das religiões, reforçou recentemente no jornal The Catholic Herald: nada de fim, nada de extinção. O problema, segundo Jenkins, está em pensar no catolicismo como algo europeu, ligado à teoria das antigas catedrais, aos ritos de um tempo que se foi, à catequese em doses maciças para crianças de 5, 6, 7 anos, toda manhã, depois da missa e antes da escola. Afinal, na maioria das vezes, essas crianças são hoje os adultos que, desligados de deveres impostos, nem colocam mais os pés na igreja nem levam para dentro dela os seus filhos.

De fato, em grande parte das atuais democracias laicas, a tendência é a da não identificação com religião nenhuma. Na República Checa, nada menos que 60% da população se declara sem religião. O cenário levou a American Physical Society a publicar, em 2011, um detalhado dossiê no qual sentenciava inapelavelmente que o mundo se livraria de todas as religiões até 2100; no topo da lista dos países já prontos para abandonar tudo aquilo em que acreditaram durante séculos, estariam a Áustria e a Irlanda.

Há, no entanto, uma grande distância entre essas tabelas de Excel e a realidade da fé individual. O fato de haver cada vez menos católicos em Praga pode preocupar quem ainda se emociona com o som dos sinos das igrejas, mas não sela o destino de uma religião.

O próprio Jenkins já tinha escrito um livro, “A história perdida do cristianismo“, em que observava que muitas religiões morrem:

“Ao longo da história, algumas religiões desaparecem totalmente, outras se reduzem de grandes religiões mundiais a um punhado de seguidores”.

No caso da Igreja Católica, porém, o catastrófico prognóstico não parece aplicável, prossegue ele. A Igreja, que “é a maior instituição religiosa do planeta”, vem desfrutando de crescimento global. Em 1950, a população católica somava 347 milhões de indivíduos. Em 1970, eram 640 milhões. Em 2050, conforme estimativas conservadoras, serão 1,6 bilhão.

Eu falei de crescimento global, e o elemento ‘global’ requer ênfase”, sublinha Jenkins. “Ao longo da história, houve muitos impérios chamados ‘mundiais’ que, na realidade, estavam confinados principalmente à Eurásia. Foi apenas no século XVI que os impérios espanhol e português realmente abraçaram o mundo. Para mim, a verdadeira globalização começou em 1578, quando a Igreja Católica estabeleceu uma diocese em Manila, nas Filipinas, do outro lado do imenso Oceano Pacífico”.

Ele prossegue:

Estamos habituados a pensar no cristianismo como uma fé tradicionalmente ambientada na Europa (…), mas essa religião se propaga em escala global. O número dos cristãos está aumentando rapidamente na África, na Ásia e na América Latina. O cristianismo está tão enraizado no patrimônio cultural do Ocidente que faz com que pareça quase revolucionária essa globalização, com todas as influências que ela pode exercer na teologia, na arte e na liturgia. Uma fé associada principalmente à Europa deve se adaptar a esse mundo mais vasto, redimensionando muitas das suas premissas“.

É natural perguntar: esse “novo” cristianismo global permanecerá autêntico?

É uma interrogação legítima, só que um tanto sem sentido quando nos damos conta de que os grandes reservatórios do catolicismo estão hoje em países como o Brasil, o México e as Filipinas – aliás, neste último país houve mais batismos no ano passado que na França, Espanha, Itália e Polônia juntas.

A objeção é fácil: as tendências demográficas explicariam as razões desse crescimento. Onde nascem mais crianças, crescem mais católicos, se o substrato estiver presente. Onde isso não acontece, o catolicismo seca.

Jenkins discorda: basta ir à África e ver que não é bem assim. Em 1900, havia no imenso continente africano talvez 10 milhões de cristãos (não apenas católicos), constituindo 10% de toda a população. Hoje, há na África meio bilhão de cristãos (200 milhões dos quais são católicos). E eles vão duplicar nos próximos 25 anos. Acontece que não há “substrato cristão” na África, brutalmente marcada por invasões, ocupações e islamização mais ou menos forçada. Mesmo assim, a África terá mais católicos em 2040 do que havia no mundo inteiro em 1950. Antes ainda, em 2030, os católicos africanos já terão superado os europeus. Em seguida, a África vai disputar com a América Latina o título de região mais católica do mundo. Em somente uma geração, Nigéria, Uganda, Tanzânia e Congo estarão entre os dez países mais católicos do planeta – e o catolicismo começou a se enraizar nesses lugares faz apenas um século.

Mesmo diante deste cenário, há dúvidas legítimas, especialmente no tocante às conversões e batismos em massa. Bento XVI, em 2009, reconheceu que existem riscos mesmo numa Igreja jovem e entusiasta como a da África: é verdade que ela é “um imenso pulmão espiritual para uma humanidade em crise de fé e de esperança”, mas também é verdade que um pulmão sempre pode ficar doente.

E, afinal, quais são os riscos de “contaminação” do cristianismo euroamericano, considerado por muitos como o “único autêntico”?

A resposta está não só nas massas de fiéis africanos e asiáticos que lotam as igrejas italianas para a missa dominical, mas também na forma do rito – muitas vezes bem mais respeitosa do que aquilo que se vê em algumas catedrais centenárias, de rosácea brilhante e altares majestosos. Basta ver como o Papa foi acolhido na paupérrima República Centro-Africana: enquanto ele entrava na catedral depois de abrir a Porta Santa, o povo estava ajoelhado, recolhido em adoração, sem empurrões nem tentativas superficiais e grosseiras de tirar uma selfie com seu smartphone. Trata-se de respeitar a fundo o essencial, o Sagrado – e não apenas de supervalorizar, apegadamente, formas e rituais que, sem o essencial, não fazem sentido.

Nesse mesmo contexto, Jenkins menciona a cidade de Aarhus, na Dinamarca. Embora aquele país tenha muito pouco de católico, tanto nos costumes quanto na prática religiosa, as poucas igrejas católicas que existem na cidade têm visto grupos numerosos de fiéis, provenientes de terras distantes, entrarem com frequência crescente para rezar, em mostra evidente do caráter global (ou seja, católico) da fé cristã.

Diante destas realidades, a pergunta que não cala é: existe vontade e capacidade de experimentar novas formas de testemunho e de presença? Isso implica focar no essencial e deixar de lado os discursos menos cristãos do que partidaristas sobre “a verdadeira raiz do cristianismo”, bem como os debates sectários que divagam indagando se a sua “imagem mais correta” é a da velha Europa (que não se reconhece mais) ou a da jovem África (que abraça cada vez mais o cristianismo).

Na mensagem enviada aos participantes do 14º Simpósio Intercristão, realizado neste último agosto em Salônica para tratar justamente da reevangelização das comunidades cristãs na Europa, o Papa Francisco escreveu que o continente já está lidando com “a realidade generalizada dos batizados que vivem como se Deus não existisse, das pessoas que não estão conscientes do dom da fé recebida, das pessoas que não experimentam a Sua consolação e não são plenamente partícipes da vida da comunidade cristã”.

A Igreja no Velho Mundo está, claramente, diante do desafio de renovar as suas raízes cristãs cada vez menos percebidas. Como? O Papa Francisco propõe: “Identificando caminhos novos, métodos criativos e uma linguagem capaz de fazer que o anúncio de Jesus Cristo, em toda a sua beleza, chegue ao homem europeu contemporâneo”.

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A partir de texto de Matteo Matuzzi no jornal Il Foglio

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