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Humilhação, droga, prostituição, aborto: ex-modelo faz denúncia chocante do submundo da moda

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Aleteia Brasil - publicado em 19/10/16
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De colegas induzidas a usar laxante e fumar para ficar dentro das “medidas” até produtores que ajudaram modelos a abortar A modelo cearense Délleny Mourão, de 20 anos, publicou um desabafo impressionante em suas redes sociais. Entre outros exemplos das pressões impostas a ela e às colegas, Délleny conta que desistiu da carreira por ser obrigada a fumar e tomar laxantes e afirma que seu contrato foi cancelado porque ela estaria fora das “medidas” – ou seja, por não ter um corpo doentiamente magro como é exigido hoje pelo mercado.

As denúncias vão muito além e revelam um mundo chocante, que envolve de humilhações cotidianas ao consumo de drogas e de prostituição em troca de oportunidades até o aborto induzido.

Confira a seguir o depoimento postado por Délleny.

 

DESABAFO: POR QUE NÃO QUERO MAIS SER MODELO!

Quero deixar claro que não sou de expor minha vida na internet, porém, nessa situação que vivo, preciso e tenho que relatar e fazer um textão SIM sobre isso…

No dia 17 de agosto minha ex agência de São Paulo (não citarei nomes) cancelou meu contrato por um único motivo: NUNCA ESTIVE NAS MEDIDAS.

O diretor da agência (scouter/olheiro) me propôs passar um ou dois meses em casa para não acumular mais dívidas (pois não trabalhava em São Paulo e não conseguia pagar o aluguel). Então, aproveitaria e tentaria entrar nas medidas, e quando voltasse viajaria para Milão ou Los Angeles, conforme ele me disse. Então aceitei.

No dia 7 de junho voltei para Fortaleza. Todos os dias me matava em exercícios e com uma alimentação pobre fiquei doente, anêmica e junto veio um outro ângulo sobre o mundo da moda. Todos os dias me perguntava se esse sacrifício valia a pena. Completei meus 20 anos em agosto e não consegui comemorar, pois estava muito deprimida, sabia que essa idade era demais para a moda; estava, além de gorda, “VELHA” para eles. E então, como eu já sentia, recebi um e-mail avisando sobre o cancelamento e sobre um tal prazo vencido, algo que NUNCA me foi avisado. Fiquei quase dois meses sem sair de casa, estava muito deprimida. Era um sonho que foi embora sem eu nunca ter tido a oportunidade de apresentar.

Essa foto que publiquei aqui é na época do SPFW, pouco antes de voltar. É possível ver claramente que eu era/sou uma pessoa bem magra, basta dar uma olhada para o espaço entre minhas pernas e nos meus ossos aparecendo. Pesava quase 50 quilos, porém tenho o quadril “largo”, o que dificultava ainda mais. Sempre oscilava entre 89 e 91 de quadril, lembrando que modelos fashion (passarela/conceitual) devem ter 87 ou 88 de quadril. No contrato diz que se a modelo não cumprir com as medidas a agência pode cancelar. Mas será justo aplicar essa medida apenas para algumas modelos? Porque não aplica para todas as meninas que também estavam fora das medidas assim como eu? Garanto que não era apenas eu que estava fora de medidas. Estranho, não?

Por conta dessas cobranças vi diversos absurdos e queria relatar para vocês…

 

Vi meninas tomando laxante para emagrecer.

Vi meninas com compulsão por comida.

Vi meninas indo ao supermercado apenas para degustação, pois era uma maneira de conseguir comer.

Vi vômito no banheiro.

Vi booker OFERECENDO laxante.

Vi meninas se entupindo de chá de hibisco (para emagrecer).

Vi booker me falar que eu tinha que ter 86 de quadril.

*o i t e n t a e s e i s* de quadril, pasmem.

Vi uma menina que em um ano foi *recordista* no SPFW ser “castigada” pelo produtor/fotógrafo que possui a maior parte dos desfiles do spfw, pois ela estava “GORDA”. E desde então ele não chamou ela para nenhum desfile.

Vi menina falando “COME, DEPOIS TU TOMA LAXANTE!”

Vi menina comer escondida de todos.

Vi menina desmaiar por não comer.

Vi meninas menores de idade consumindo bebida alcoólica dentro do apartamento de modelos.

Vi menina roubar chocolate do armário da outra.

Vi estilista famoso falar palavras racistas e chulas para modelos em francês em um casting para o SPFW.

Vi menina tendo que sair com promoter para ter trabalho.

Vi menina saindo com promoter para comer de graça em restaurante japonês.

Vi menina de 17 anos saindo com dono de agência.

Vi menina fumando para emagrecer.

Vi scouter falando que ajudou menina a abortar.

Vi modelos fazendo a perigosa dieta USP.

Vi dono de agência oferecendo bebida alcoólica para as modelos menores de idade.

Vi menina menor de idade chegando depois das 10 e não entrando em casa, dormindo na rua, porque as regras não deixam entrar depois das 10.

Vi uma das modelos roubando quase 400 reais de outra menina.

Vi modelo colocando laxante no iogurte da outra.

Vi menina não pegar trabalho por ser baixa.

Vi menina que era baixa ouvir piada de outras modelos.

Vi festinha organizada pela agência onde o lugar era cheio de promoters, bebidas e drogas.

Vi scouter dizer que é “psicólogo” mas nunca teve a postura de um e na verdade estava mais para um SOCIOPATA.

Vi estilista deixando de pagar modelo.

Vi agência não pagar fotógrafo.

Vi estilista falando que “era só pagar com roupas”.

Vi estilista humilhando modelo (isso era bem comum).

 

Eu vi tudo isso e MUITO mais durante apenas o período de 5 meses e meio…

Nós moramos em um apartamento pequeno, velho e sem estrutura. Meninas dormiam em um colchão no chão ou no sofá quando a casa estava cheia. Tinha apenas um fogão, onde só três bocas funcionavam (e mal). Um banheiro para 23 MODELOS.

E é porque eu vim de uma periferia e sou de família humilde, já passei por vários perrengues e não sou de reclamar por besteira. Mas por um preço tão alto, tendo que ficar longe da família e amigos, não era algo fácil de aceitar.

Além da questão de conviver com a rivalidade. Muitas passavam fome e disputavam quem perdia mais peso. Era uma briga de ego que não possibilitava a existência de uma parceria/amizade entre elas. Raramente…

A pressão, o medo de não trabalhar e sair do mercado é 24 horas por dia. É o medo do cliente não gostar dela ou dele. É o medo de não estar na panelinha de São Paulo. É o medo de vir outra modelo parecida com ela e tomar seu lugar. É o medo de não pegar nenhum desfile na semana de moda. É o medo de ficar velha. É o medo de não viajar para fora. Um medo enorme e de uma série de coisas sem o auxílio de absolutamente NENHUM psicólogo/nutricionista para nos orientar.

Sei que em toda área de trabalho terão inúmeras dificuldades e que no mundo competitivo em que vivemos nunca será fácil a disputa do mercado de trabalho, em nenhuma área. Mas para TUDO tem que existir limite e criticidade. Aceitar tudo de braços cruzados ou fingir que nada disso aconteceu por medo de ser julgada não iria mudar em nada, nunca.

Então fica o alerta e o desabafo para vocês:

Cuidado com esses concursos descobridores de Gisele!

FUJAM DELES!!!!!!!!!!

Modelos são ALIENADAS, mas a culpa jamais será delas, mas sim de todo o sistema nojento, antiprofissional e desumano que é o mundo da moda, que usa da persuasão e manipulação, prometendo um mundo de glamour. Desde as agências, produtores, maquiadores, revistas, fotógrafos, olheiros e mais. Mas claro, sem generalizações. Há poucos que se salvam desse universo mentiroso. Mas esses poucos não sobrevivem muito tempo ou aceitam tudo de olhos fechados por medo de perder o trabalho.

E não acreditem nesse papo de modelo ser naturalmente magra! ISSO É MENTIRA! Morei com 44 modelos em 5 meses, de 44 modelos apenas OITO não faziam dietas, do resto (36), TODAS faziam dietas, t o d a s. Isso é muito mais sofrido, miserável, corrupto, injusto e depressivo do que vocês pensam.

Uma dica: Não entre. Não se misture. Não é de hoje que a moda é uma mentira. Onde poderosos estão apenas para lucrar, estão pouco se lixando se modelo X ou Y está passando fome para entrar na sua roupa. O importante para eles é o quanto de dinheiro cairá nas suas contas no fim do mês.

A questão que fica é: fui chamada de ingrata depois de vivenciar tudo isso. Será que sou mesmo?

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Versões

Repercutindo o texto, que se tornou viral na internet, a revista Veja entrou em contato com a agência que havia contratado Délleny e conversou também com a própria modelo.