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Querida Mami

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Comunidade Shalom - publicado em 13/12/16

Posso chamar-lhe assim? Afinal, esta é a única vez que vou falar com você...

Posso chamar-lhe assim? Afinal, esta é a única vez que vou falar com você. Deixe-me chamar-lhe como quiser, por favor. Pensei em chamar-lhe “mamãe”, mas achei que você ia considerar antiquado demais. Sei que você é uma mulher moderna, uma mãe moderna. Então, pensei que “mami”, assim mesmo, abrasileirado, seria melhor, mais aceitável para sua mentalidade emancipada, e que faria você mais feliz.

Como você já deve ter deduzido, sou seu filho. No entanto, você nunca me viu e nunca lhe falaram de mim. Na verdade, neste momento, estou agarrado a uma irmã minha, também filha sua, que, certamente, não conseguirá sobreviver, como também eu não conseguirei. Esta é, portanto, uma carta de “oi” e “adeus”, de “obrigado” e “mas, por quê?”.

Eu, minha irmãzinha e mais uns seis, estamos, neste momento, mergulhados em vidros de nutrientes, reproduzindo nossas células. Minha irmã e eu estamos colocados, por engano, em um mesmo vidrinho e, daqui, conseguimos ver os outros irmãos, mas não tocá-los. Tanto nós quanto eles fomos rejeitados por você e pelo papi – ele que também é emancipado deve preferir ser chamado assim. O médico escolheu outros quatro para fazer a inseminação artificial, colocando-os em você, para serem gestados e terem vida. Dos quatro, não sei ainda quantos “vingarão” em seu útero. Gostaria que todos “vingassem”, pois sei o quanto é triste ter de morrer tão cedo, sem nem mesmo ter sentido o calor do seu ventre, o aconchego de seu útero.

Da prateleira onde me encontro, pude ver o seu rosto e o do papi, quando chegaram, ansiosos, para implantar os quatro escolhidos. Você é jovem e bonita! Pude ver seus quadris, que agora serão alargados pela gravidez, seus seios redondos e firmes que amamentarão – talvez – meus irmãos, seu sorriso, seus olhos que jamais me verão, suas mãos bem cuidadas que jamais me segurarão. Pude sentir seu cheiro e ouvir sua voz, que nunca se dirigirá a mim, pois não me dará nome.

Não quero me fazer de vítima. Sei que antes de mim, outros “se foram”, fecundados na margem de 1% de “falha” do DIU que você usou e dos anticoncepcionais que tomou quando o DIU teve de ser retirado. Fecundados em sua trompa, na faixa de “1% de possibilidade de gravidez”, desceram até seu útero, mas, lá, encontraram a inflamação constante causada pelo DIU e, mais tarde, com o anticoncepcional, a falta dos hormônios que possibilitam a nidação, a fixação do ovo no útero e morreram, como eu e minha irmã morreremos em breve.

Mami, você que é tão inteligente, tão estudada, tão emancipada, não soube ler nas bulas que a gravidez que, por acaso existisse, poderia ser transformada em aborto? Você, tão esclarecida, não entendeu que a expressão “interrupção da gravidez” é um eufemismo para “morte da criança”, para “aborto”? O que cegou você, mami? O que a confundiu? O que a iludiu? Que afã, que interesse, que plano, que necessidade foi mais importante que a vida desses meus irmãos? Quem a convenceu – mesmo com a evidência da bula do fabricante! – de que o DIU de cobre não é abortivo? Quem a iludiu dizendo que não há a mínima possibilidade de haver uma gravidez e conseqüente aborto quando se toma anticoncepcionais? Quem convenceu seu coração bondoso de que existe algo, além de Deus, mais importante que a vida? Depois do DIU, dos anticoncepcionais, nada de engravidar! Veio então a sugestão do próprio médico: a inseminação artificial que tem também uma coleção de eufemismos, entre eles “gravidez induzida”.

Sei disso tudo porque estava lá, dentro de você. Era parte de você, como óvulo, desde o seu nascimento, pronto para ser maturado, fecundado, ansioso por viver. Vi cada menstruação sua, em sua adolescência e juventude, sofri todas as intromissões dos hormônios artificiais depois que você se casou e decidiu tomá-los, tendo tentado o DIU. Estive lá até que aquela dose cavalar de hormônio, em preparação para a gravidez inseminada, me forçou a amadurecer e fui retirado, junto com os outros meus irmãos e mergulhado em um vidro contendo o esperma do papi. O esperma era estranhamente indiferente. Os espermatozóides, mais que me fecundar, me agrediam, como animais que cumprem com raiva um dever indesejado. Fui fecundado, como meus outros irmãos, mas não fui escolhido. Sou normal, como os outros. Foi puro acaso. Sobrei!

Você e o papi ainda fazem de conta que não existo. O médico nunca falou de mim e dos outros que sobraram. Ele finge que não existimos e vocês fingem que não sabem que existimos. É “ciência” esta desinformação estranha. Ajuda a entorpecer a consciência de quem pensa que só existe aquilo que se vê, que se toca, que se menciona. Na verdade, mami querida, o que existe é aquilo que se ama.

De minha parte, não consigo fazer de conta que você e o papi não existem. Foi de vocês que nasci. São minha referência de vida, minha origem biológica. Sei bem que minha vida vem de Deus, que me deu a alma, compungido e humilhado pela situação da inseminação que o fere, mas fiel à vida, com a qual se compromete sempre, apesar do pecado. Sei que é Deus a origem de minha vida, mas Deus quis precisar de vocês e vocês, queiram ou não, saibam ou não, mencionem ou não, são vida de minha vida.

Ontem, ouvi o pessoal que trabalha aqui dizer que os meus irmãos que estão nos outros vidros serão congelados para experiências científicas com células tronco. Ficarão esperando que o governo sancione a lei que permitirá a retirada dessas células de embriões humanos. Quando lhes retirarem as células tronco, é claro, morrerão. Pego-me a imaginar como se sentirão, congelados, estáticos, vivendo mas sem viver, sem mais poderem multiplicar suas células, esperando, indefinidamente, a morte, com sua alma vivendo neles sem que eles saibam ou percebam, porque alma, mami, não se congela!
Impossível, também, não imaginar minha própria morte. Minha irmã, creio, morrerá nos próximos minutos. Sinceramente, espero que isso aconteça enquanto estou ainda perto dela. Deve ser muito triste morrer sozinho…

Acaba de entrar o chefe deste setor. Ouvi-o ordenar que me “descartem”. Minha irmã, sua filha, mami, graças a Deus, acaba de morrer bem ao meu lado. Estou, agora, sozinho. Não sei, ainda, se me jogarão fora com o vidro ou não. Às vezes, desejo que o façam, para que eu possa viver um pouquinho mais, mergulhado nos nutrientes. Mas logo vejo que um vidro desses de laboratório é muito caro para jogarem fora, assim, sem mais nem menos. É difícil de admitir, mas ele tem mais valor que minha vida!

Fico desejando que, quem sabe, me joguem em um saco plástico com algum nutriente. Assim, além de sobreviver mais, não terei que conviver com os dejetos do esgoto e da fossa ou com o restante do lixo. No entanto, desisto do desejo, com medo de enganchar em alguma curva e ficar sendo bombardeado pelos dejetos que passam, ou ficar boiando em cima de… bem, você sabe bem de quê.

Devo despedir-me, agora. O chefe acaba de mandar um funcionário fazer algo com o vidro que me contém e não vejo nenhum saco plástico por perto. Preciso agradecer a você e ao papi pela breve vida que me deram. Obrigado pelo dom da vida! Quero que diga aos meus irmãos que “vingarem” que os amo e que foram muito bons os anos em que convivemos em seu ovário. Preciso dizer a você e ao papi que os perdôo e que, junto a Deus, estarei rezando por vocês. Está na hora de dizer “adeus” e, diferentemente do que planejei no início, não vou perguntar “por quê”. Não quero que você se sinta mal ou acusada. Poderia fazer mal aos meus irmãos que estão dentro de você. Digo apenas “adeus” e “te amo”. No céu, a gente se encontra e eu darei em você os beijos que, aqui, não pude dar. Até lá, se Deus quiser.

Maria Emmir O. Nogueira
Co-Fundadora e formadora geral da Comunidade Shalom

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