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Meu primeiro filhinho, que eu deixei em Acapulco há tantos anos

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Frankieleon CC

Kathleen N. Hattrup - publicado em 20/01/17

Espero que as lágrimas que derramei por ele ao longo dos anos possam ter sido, de algum modo, orações elevadas ao nosso Deus misericordioso

Para comemorar os meus 30 anos – e já se passaram mais dez desde então –, fiz uma viagem de carro até uma praia de Acapulco, junto com meu namorado, que agora é meu marido, e com a mãe e uma tia dele. Em certo momento, os três foram dar uma volta e eu fiquei sentada sob o guarda-sol, sozinha.

Foi quando um menino, talvez de 3, 4 anos, se aproximou de mim. O bracinho e a mão dele eram ligeiramente tortos para um lado. Quando chegou à minha cadeira, suavemente, ele me pediu água.

Eu não tinha comigo nenhuma garrafa de água e não me senti à vontade para pegar a da minha futura sogra. Por isso, disse a ele que não tinha e fiz uma carícia em seu cabelo. Era o cabelo sedoso de uma criança pequena, volumoso e eriçado. Uma criança doce, inocente. Eu esperava que ele se dirigisse ao próximo banhista, mas ele ficou ali, insistindo e insistindo, repetindo uma vez atrás da outra, em crescente desespero: “Água, água, água!“.

Hoje eu fico surpresa por ter demorado tantos segundos, mas, então, superando a minha timidez, peguei a garrafinha de água da mãe do meu namorado e, movida pela compaixão, a entreguei ao menininho.

Ele bebeu com tamanha sede que eu fiquei me perguntando se ele não tinha bebido nenhuma outra gota até aquela hora em todo o dia, apesar do sol escaldante de Acapulco, da areia e do vento do mar.

Depois, ele seguiu em frente, andando pela areia, em meio aos outros banhistas, até desaparecer. E eu fiquei soluçando, incontrolável, como ainda fico agora, anos e anos depois, ao trazer da lembrança aquela cena que me devastou.

Quando meu namorado, sua mãe e sua tia voltaram, nem sequer um minuto depois, ficaram perplexos com o meu pranto solto. Não me lembro se eu consegui controlar os soluços e contar a eles o que tinha acontecido ou se eles mesmos viram o menininho perambulando perto do mar e imaginaram o que tinha havido. Mas me lembro que eles encararam a minha reação com ternura, ainda que com certo estoicismo, tão forçados que já tinham sido, pela vida, a testemunhar durante anos tantas experiências semelhantes.

Esse garotinho deve ser, hoje, um adolescente desajeitado de seus 13 ou 14 anos. Tenho medo de que a sua deficiência, combinada à sua pobreza e talvez abandono, o tenha levado ao envolvimento com o crime, ou com erros terríveis – se é que, de fato, ele ainda está vivo. Talvez ele seja um menor desacompanhado, vagando pelo mundo, pedindo esmolas ou fazendo bicos para sobreviver… Talvez ele esteja vendendo drogas… ou usando-as. Os traficantes de seres humanos podem tê-lo forçado a coisas indizíveis…

E eu penso nele como meu filho espiritual. Ele vem frequentemente à minha lembrança, aos meus pensamentos.

Espero que as lágrimas que derramei por ele ao longo dos anos possam ter sido, de algum modo, orações elevadas ao nosso Deus misericordioso, pedindo dele graças extraordinariamente eficazes para a proteção e o bem-estar daquele menininho sedento. Têm que ter sido graças poderosas, capazes de mover montanhas, considerando a vida para a qual aquele pequeno nasceu, com sua mãozinha torta e seus cabelos escuros.

O meu filhinho espiritual é para mim um ícone que representa cada rosto afetado ou esquecido pelos abstratos debates políticos. Eu nunca mais vou me esquecer da suavidade daquele seu cabelo.

Os refugiados são mulheres e homens, meninos e meninas que não são diferentes dos nossos próprios familiares e amigos. Cada um deles tem um nome, um rosto e uma história, além de um direito inalienável a viver em paz e a almejar um futuro melhor para seus filhos e filhas” – Papa Francisco, 17 de setembro de 2016.

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