“Um mal que pode instalar-se pouco a pouco dentro de nós, no seio das nossas comunidades”“A tentação da sobrevivência faz-nos esquecer a graça, transforma-nos em profissionais do sagrado, mas não pais, mães ou irmãos da esperança, que fomos chamados a profetizar”, disse o Papa Francisco na missa com os religiosos celebrada na Basílica Vaticana na tarde desta quinta-feira (02/02), festa da Apresentação do Senhor, 21º Dia Mundial da Vida Consagrada.
Francisco observou que com aquele rito de apresentação no Templo, o Senhor exteriormente cumpria as prescrições da lei, mas na realidade vinha ao encontro do seu povo fiel. Evocando a figura do Velho Simeão, que toma nos seus braços o Menino Jesus e louva a Deus, o Pontífice ressaltou que “o encontro de Deus com o seu povo desperta a alegria e renova a esperança”.
Francisco frisou ainda que o cântico de Simeão é o cântico do homem crente que, na reta final dos seus dias, pode afirmar: “É Verdade! A esperança em Deus nunca decepciona.” Na sua velhice, acrescentou, “Simeão e Ana são capazes duma nova fecundidade e dão testemunho disso mesmo cantando: a vida merece ser vivida com esperança, porque o Senhor mantém a sua promessa”.
“Somos herdeiros dos sonhos dos nossos pais, herdeiros da esperança que não decepcionou as nossas mães e os nossos pais fundadores, os nossos irmãos mais velhos. Somos herdeiros dos nossos anciãos que tiveram a coragem de sonhar; e, como eles, também nós hoje queremos cantar: Deus não engana, a esperança n’Ele não decepciona. Deus vem ao encontro do seu povo.”
Dirigindo-se aos consagrados, o Papa lembrou que “nos faz bem acolher o sonho dos nossos pais, para podermos profetizar hoje e encontrar novamente aquilo que um dia inflamou o nosso coração. Sonho o profecia juntos”, ressaltou.
A esse ponto de sua reflexão, o Santo Padre chamou a atenção para uma tentação que pode tornar a vida consagrada estéril: a tentação da sobrevivência. “Um mal que pode instalar-se pouco a pouco dentro de nós, no seio das nossas comunidades”, observou, acrescentando:
“A atitude de sobrevivência faz-nos tornar reacionários, temerosos, faz-nos fechar lenta e silenciosamente nas nossas casas e nos nossos esquemas. Faz-nos olhar para trás, para os feitos gloriosos mas passados, o que, em vez de despertar a criatividade profética nascida dos sonhos dos nossos fundadores, procura atalhos para escapar aos desafios que hoje batem às nossas portas.”
Dito isso, Francisco foi ainda mais enfático: “A psicologia da sobrevivência tira força aos nossos carismas, porque leva-nos a «domesticá-los», a pô-los «ao nosso alcance» mas privando-os da força criativa que eles inauguraram; faz com que queiramos mais proteger espaços, edifícios ou estruturas do que tornar possíveis novos processos.”
Em síntese, o Pontífice afirma que “a tentação da sobrevivência transforma em perigo, em ameaça, em tragédia aquilo que o Senhor nos dá como uma oportunidade para a missão”. Esta atitude não é própria apenas da vida consagrada, “mas nós em particular somos convidados a precaver-nos de cair nela”, advertiu o Papa.
Voltando ao Evangelho do dia, contemplando novamente a cena da Apresentação do Senhor no Templo e o cântico de louvor de Simeão e Ana, Francisco ressaltou: “Quando Maria coloca nos braços de Simeão o Filho da Promessa, o ancião começa a cantar os seus sonhos. Quando coloca Jesus no meio do seu povo, este encontra a alegria.”
“Sim, só isto nos poderá restituir a alegria e a esperança, só isto nos salvará de viver numa atitude de sobrevivência, só isto tornará fecunda a nossa vida, e manterá vivo o nosso coração: colocar Jesus precisamente onde Ele deve estar, ou seja, no meio do seu povo.”
Todos estamos conscientes da transformação multicultural que atravessamos, ninguém o põe em dúvida, observou o Pontífice, daí, “a importância de o consagrado e a consagrada estarem inseridos com Jesus na vida, no coração destas grandes transformações”.
“A missão – em conformidade com cada carisma particular – é aquela que nos lembra que fomos convidados a ser fermento desta massa concreta”, prosseguiu Francisco. Por fim, retomando o conceito pouco antes expresso, o Papa explicitou ulteriormente:
“Colocar Jesus no meio do seu povo significa ter um coração contemplativo, capaz de discernir como é que Deus caminha pelas ruas das nossas cidades, das nossas terras, dos nossos bairros. Colocar Jesus no meio do seu povo significa ocupar-se e querer ajudar a levar a cruz dos nossos irmãos. É querer tocar as chagas de Jesus nas chagas do mundo, que está ferido e anseia e pede para ressuscitar.”
Francisco concluiu com um convite e exortação aos consagrados: “Acompanhemos Jesus que vem encontrar-Se com o seu povo, estar no meio do seu povo, não no lamento ou na ansiedade de quem se esqueceu de profetizar (…), mas na paciência de quem confia no Espírito, Senhor dos sonhos e da profecia. E, assim, compartilhamos o que nos pertence: o cântico que nasce da esperança.”
(Com Rádio Vaticano)