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Pós-verdade: quando a verdade segue os “likes”

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Salvador Aragonés - publicado em 16/04/17

A aparente morte da verdade pode levar à morte dos direitos humanos

Embora a proliferação de redes sociais em todo o mundo tenha sido vista pela primeira vez como uma possível democratização dos meios de comunicação social, tal suposta democratização tornou mais difícil a busca de informações verdadeiras e confiáveis.

Na verdade, atualmente, mais notícias falsas (vamos chamá-las do que realmente são: mentiras) estão sendo espalhadas do que antes visto na história da humanidade.

Durante as grandes campanhas eleitorais, a taxa de falsas notícias compartilhadas cresce exponencialmente. Vimos isso acontecer nos Estados Unidos, durante o referendo britânico, e agora nas eleições de França e Alemanha – o nevoeiro da pretensão da pós-verdade. Se a verdade morre, a democracia morre também: a verdade, a democracia, a liberdade de expressão e os direitos humanos estão entrelaçados inseparavelmente.

A luta, ao que parece, está sendo travada entre mídia clássica e redes sociais estabelecidas, nas quais qualquer pessoa pode acessar uma imensa quantidade de diferentes fontes de informação, independentemente de sua confiabilidade. Mas por que é esse o caso?

Para começar, nem toda informação pode crescer a ponto de se tornar uma “notícia falsa” muito difundida. A notícia falsa deve ter alguns vestígios de credibilidade, do tipo que uma ampla audiência não pode distinguir entre estar certo ou errado. Sempre que histórias falsas sobre pessoas e instituições estão lá fora orbitando no ciberespaço, elas têm o potencial de gerar centenas, milhares ou mesmo milhões de cliques, gostos e ações, saltando de uma rede social para outra em todo o mundo. Provavelmente, a metáfora “viral” nunca foi tão precisamente usada: é, de fato, algum tipo de doença da mídia. Transformar a maré – ou seja, desacreditar tais “notícias falsas” – é um trabalho árduo, e, às vezes, não vale a pena. Uma vez lá fora, notícias falsas se tornam parte do debate público.

Permita-me apresentar apenas um exemplo (de muitos) que envolve o Papa João Paulo II. Em fevereiro de 1996, ele visitou a Nicarágua, Guatemala e Venezuela. Enquanto o Papa estava na Guatemala, a EFE publicou que Rigoberta Menchú, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz em 1992, disse que Wojtyla iria recebê-la na sexta-feira, às 7 horas da manhã, antes de partir para a Venezuela.

Parecia natural que, estando o papa na Guatemala, encontrasse a ganhadora do Nobel; não seria a primeira vez, como Menchú e Wojtyla já haviam se reunido duas vezes (em 1992 e 1993) no Vaticano. Nenhum jornalista se levantaria tão cedo para chegar à audiência do papa com a ativista indígena, especialmente porque Menchú rotulou a visita de simplesmente uma “visita educada”. Todo mundo acreditou que a audiência tinha sido realizada. As agências de imprensa publicaram que a reunião tinha sido na sede da Nunciatura Guatemalteca, e os jornalistas que acompanhavam o papa foram para Caracas.

Pouco depois, durante o voo, a verdade apareceu. A conhecida jornalista espanhola Paloma Gómez Borrero, que seguiu as 102 viagens do Papa João Paulo II, perguntou ao fotógrafo do papa:

“Como Rigoberta estava vestida na audiência com o papa?”

“Rigoberta quem?”, perguntou o fotógrafo.

“Bem, Rigoberta Menchú, é claro!”

O fotógrafo papal simplesmente respondeu: “Não houve audiência com Rigoberta Menchú”. Parecia quase escandaloso.

Quem disse que haveria uma entrevista? Apenas a Sra. Menchú. Ninguém se incomodou em confirmar as informações que ela estava fornecendo. A agência IPS afirmou ainda que “o papa havia cancelado uma audiência com a ativista indígena Rigoberta Menchú, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz em 1992”. É evidente que este era um caso clássico de “notícias falsas”: é impossível cancelar uma audiência que simplesmente não estava programada no calendário do papa, apenas no de Menchú.

Curiosamente, até então, a informação começou a circular que Menchú tinha falsificado parte de sua biografia e currículo. Mais tarde, sua biógrafa, a antropóloga francesa Elisabeth Burgos (bem como o antropólogo americano, David Stoll) confirmaria tais irregularidades. Em 2007, Menchú deu à política mais uma tentativa, tornando-se candidata a presidência da Guatemala: ela obteve apenas 3,05 por cento dos votos.

Li(k)es – e mentiras – no Facebook e Twitter

A mídia social é o paraíso das notícias falsas. Parte do problema reside no fato de que há pessoas obtendo suas informações exclusivamente de mídias sociais. Quando mensagens de notícias falsas se espalham, muitas vezes recebem mais “compartilhamentos” e “likes” (curtidas) do que aqueles posts que os desmistificam, negam e corrigem. Isto continua sendo um problema não resolvido.

Por exemplo, o BuzzFeed News informou que, nos três meses anteriores à campanha eleitoral presidencial dos EUA, as 20 postagens mais bem-sucedidas de “notícias falsas” somaram 8.711.000 ações, reações e comentários no Facebook, enquanto as 20 postagens mais bem-sucedidas na imprensa nacional, com informações verificadas e verídicas, totalizaram 7.377.000. O futuro começou a se parecer com a era da pós-verdade: uma era em que não se preocupa com fatos, mas sentimentos: “Como as pessoas gostam (ou não) deste pedaço de informação?”.

Destas 20 histórias falsas, as mais bem-sucedidas no Facebook foram uma afirmando que Clinton vendeu armas para o Estado Islâmico, e outra afirmando que o Papa Francisco apoiava Donald Trump. Outra afirmou que se os democratas ganhassem a presidência, cerca de 250.000 sírios seriam admitidos como refugiados nos Estados Unidos (quando Barack Obama só falou em receber 10.000). O sucesso de notícias falsas recai fortemente sobre nossa desconfiança atual em relação aos meios de comunicação estabelecidos, muitas vezes percebidos como em conformidade com as elites econômicas e políticas. Mas, também, as pessoas podem simplesmente compartilhar o que quiserem no Facebook e Twitter, sem assumir muita responsabilidade por isso: as redes sociais não são responsáveis ​​pelo conteúdo compartilhado em e através deles. De fato, Mark Zuckerberg explicou que distinguir entre um post “verdadeiro” ou um “falso” exigiria uma tecnologia muito avançada que hoje está indisponível.

É claro que muitos blogueiros e usuários do Facebook e do Twitter, usando pseudônimos, contas não verificadas ou simplesmente perfis comuns, costumam contar histórias fascinantes com o único objetivo de conquistar fãs, audiência e visibilidade, com pouca ou nenhuma preocupação se o que eles estão compartilhando é verdadeiro ou falso. Eles seguem o provérbio “se não é verdade, pode muito bem ser” e misturam verdade e falsidade, compartilhando meia-verdades com uma pitada – ou uma colherada – de falsidade. No final, o resultado é pós-verdade: um embaçado limite que não separa fatos e invenção.

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ComunicaçãoInternetRedes sociais
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