Cada um de nós carrega a sua cruz de cada dia, mas, no campo da saúde, médicos e pacientes parecem ver essa cruz de forma mais direta, especialmente nos casos das moléstias incuráveis.
O paciente, no caso, sabe que vai morrer e o médico sente-se impotente por saber que nada pode fazer para debelar a doença que acomete seu cliente. Isso tudo desperta as perguntas: Por que o ser humano, de fé ou sem fé, sofre? Qual a diferença notada no sofrimento de ambos? Alguém terá tratado desse tema a fim de nos oferecer alguma luz? – É a estes questionamentos que o artigo se volta.
Em consideração à primeira questão, é preciso subir a escala desses seres para entender isso: o mineral não sofre. Pode ser talhado e martelado sem que sinta dor. É totalmente insensível; o vegetal, quando agredido, reage. A planta da qual se corta um ramo, tende a se restaurar; por conseguinte, no plano em que começa a vida, começa a resposta àquilo que pretende destruir o ser; o animal irracional (cão, gato, onça etc.) sofre, gemendo, chorando, urlando..., pois tem a vida sensitiva, por isto sente a dor; o ser humano, que vive no plano intelectivo, sofre mais ainda. Não somente sente dor física ou moral, mas também reflete sobre a sua dor, o que o faz sofrer duplamente.
E – note-se bem – quanto mais alguém é nobre e digno, tanto mais sofre. Assim, quem muito ama, muito sofre. Só não sofre quem tem a saúde mental comprometida. A razão do sofrimento dos mentalmente sadios está em que a pessoa percebe a diferença existente entre o ideal (o que deveria ser) e a realidade. Essa diferença suscita dor em quem tem sensibilidade para os verdadeiros valores.
Mais: o sofrimento funciona, segundo Viktor Frankl, professor de Neurologia e Psiquiatria na Universidade de Viena e pai da Logoterapia, como um lembrete ao homem, seja no plano físico ou moral: no físico, a dor faz o papel de vigilante a nos alertar que algo no corpo – ainda que oculto à primeira vista – não vai bem. É ela quem nos leva a buscar o auxílio médico; no plano moral, são os grandes desafios que nos fazem crescer e amadurecer. Sem os embates da vida, o ser humano pode chegar à grande estatura física, mas ser muito pequeno interiormente. Aliás, os antigos gregos já diziam: páthos-máthos: o sofrimento é escola. Daí, o ser humano de fé ver sentido em sua dor e o sem fé cair no desânimo ou apatia diante dos desafios da vida.
Sim, ao cristão, de um modo especial, recorda São Paulo (Colossensses 1,24): “Completo em minha carne o que falta à paixão de Cristo”. Ora, dar uma moldura nova – pois o sofrimento de Cristo já foi completo – à paixão do Senhor Jesus nos dias de hoje é algo valioso, mas entendido só na fé. Com sua experiência em campos de concentração nazistas, Frankl nota que a prisão (e também, por que não acrescentar, a doença) leva o ser humano a enxergar melhor sua pequenez e a não se desesperar, mas jogar-se confiante nas mãos de Deus. Quem compreende isso, entende os (as) santos(as) que, apesar de seus muitos sofrimentos, souberam ser fiéis até o fim sem esmorecer.
Diante desse quadro, também o médico aprende – caso tenha humildade e saiba ser aberto ao que está além de seus conhecimentos, importantes, mas limitados como o de todos os demais homens e mulheres em qualquer profissão que tenham escolhido – ao se ver ante um problema sem solução. Lê-se, por exemplo, o que segue: “Viktor von Weizsäcker afirmou certa vez que o doente que sofre corajosamente, dá lições ao médico que o trata. Um médico que possua certa finura de sensibilidade, terá diante de um doente incurável ou um moribundo, a sensação de não se poder aproximar dele sem certa vergonha. Enquanto o paciente surge como alguém que enfrenta com firmeza a sua sorte e leva a termo uma autêntica realização no plano espiritual, no plano físico ou na esfera das realizações médicas, deve reconhecer a sua insuficiência” (Pergunte e Responderemos n. 281, julho-agosto 1985, p. 336).
Eis como Medicina e Fé podem olhar para o sofrimento humano, misterioso, mas capaz de levar a profundas reflexões...