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As crianças endemoniadas que desaparecem na Costa do Marfim

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Alfa y Omega - publicado em 27/06/17
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Conheça o trabalho de uma enfermeira que ajuda os doentes mentais em um país cheio de tabus e crenças animistas Mercedes García Hurtado é irmã da Caridade de Santa Ana e enfermeira. Trabalhou durante 25 anos em um hospital psiquiátrico em Tarragona [Espanha] e, em 2012, chegou à Costa do Marfim “porque sempre quis ser missionária, mas fiquei na Espanha mais de 20 anos para cuidar de minha mãe doente”. Além de atender em um dispensário, Soro Gnenetcho – que quer dizer “mulher do céu” e é como a chamam em sua aldeia – salva a vida das pessoas com deficiência mental ou doenças psiquiátricas em um país cheio de tabus e crenças animistas que consideram que espíritos os fazem desaparecer. Mercé, como é conhecida em sua terra, pede ajuda para que as pessoas com deficiência mental tenham as mesmas oportunidades que os outros.

Como essas pessoas desaparecem?

Os costa-marfinenses consideram que os doentes mentais têm demônios dentro deles, porque fizeram o mal. As famílias os levam a curandeiros, quando não os abandonam no campo. O marabú pratica um ritual místico e os faz sumir.

Mas onde eles vão parar?

O ritual consiste em jogar ervas e aspergir água sobre o corpo do doente. Se o demônio que o possuiu for uma serpente, a pessoa começará a se mover e se transformará em uma cobra. Então, desaparecerá. Se for um gênio, começará a dar voltas sobre si mesmo como um redemoinho e desaparecerá também. Ao contrário, se for um homem, ficará quieto. Embora o espírito não desapareça de seu corpo, a família deverá aceitá-lo e levá-lo novamente para casa. As pessoas que procuraram estes curandeiros nunca mais apareceram, não sabemos onde estão, ninguém mais volta a vê-las. A família tem que estar contente, pois, ao contrário, na próxima gravidez também será atingida pela maldição.

Eles os matam?

Não sabemos.

E como uma enfermeira especialista em psiquiatria trabalha entre tanta crença mágica?

É difícil, porque mudar o mundo das crenças é quase impossível. Por exemplo, ninguém toca nas pessoas com síndrome de Down nem nos epilépticos, porque acredita-se que as doenças que elas têm são contagiosas. Elas não podem ir às escolas nem ao trabalho.

Eles ficam pasmados quando você se aproxima das pessoas com doenças mentais?

Em um ambiente assim, a parte evangelizadora também é difícil. Tanto que me chamam de Soro Gnenetcho, que significa mulher do céu. Eles acham extraordinário o fato de eu me aproximar desses “espíritos” que soltam espuma pela boca e de atende-los com carinho e atenção.

É um bom desafio. Aqui o cristianismo tem 100 anos, está muito pouco arraigado. Mas, isso sim, em suas crenças também há um só deus, e, além disso, é mulher.

Ajudamos em um pequeno dispensário que recebe doentes de todas as aldeias vizinhas. Eles são muito pobres, mas é curioso como eles desenvolveram o culto aos mortos. Quando alguém da família morre, eles gastam todo o dinheiro que têm em comida e não há data para o enterro. Eu ouvi falar de famílias que têm parentes sem enterrar há 20 anos, porque ainda não conseguiram reunir todo mundo para despedir do morto. Este momento é crucial para eles, porque eles acreditam que precisam fazer bem a travessia para a outra margem.

O segredo, embora pareça um lugar-comum, é a educação.

Sim, mas é difícil com os jovens. Aqui há um ritual, o do bosque sagrado, uma iniciação em que o rapaz entra na idade adulta. Os jovens passam quase um ano dentro do bosque sem poder sair. Se ficarem doentes, têm que buscar a cura à base de ervas. E muitos morrem nessa tentativa. Se a namorada ou a mãe do jovem colocar um prato de comida e no dia seguinte o prato estiver intacto, significa que o jovem morreu. As religiosas que estão nas escolas ficam zangadíssimas, pois os rapazes faltam às aulas durante muito tempo.

E as mulheres?

As mulheres não vão ao colégio. Aqui a mulher é feita para trabalhar no campo, para ter filhos – homens, porque as meninas correm riscos de serem abandonadas – e para se casarem jovens com homens muito mais velhos. Elas são zeros à esquerda, são escravas. Para te dar um exemplo, nos funerais, elas preparam comida para centenas de pessoas e, se houver somente uma cadeira, o homem nunca permitirá que a mulher se sente para descansar. Ele é que se senta.

Por Cristina Sánchez Aguilar
Com a colaboração da Obras Misionales Pontificias (OMP) – artigo traduzido e adaptado ao português