Este é um hábito diário de quase todos os santos canonizados da Igreja CatólicaO que é a “leitura espiritual”?
Há muitos tipos de leitura religiosa, mas não vou falar agora de todos nem de vários deles. Apenas falarei de um: daquele que, na linguagem clássica cristã, se chama «leitura espiritual», em sentido estrito, e que costuma fazer parte do programa diário das pessoas que querem levar a sério a sua vida interior.
Consiste na leitura atenta e bem assimilada de um livro que trate de assuntos de «vida espiritual», com seriedade e boa doutrina, e que os focalize de maneira prática, de modo que nos ajude a aplicá-los à nossa vida diária.
Tenha em conta que, dentro do conceito estrito de «vida espiritual» ou de «vida interior», não só entram as práticas de oração, de adoração, a Eucaristia, o amor a Nossa Senhora e outras devoções… – que são, sem dúvida, elementos básicos de uma vida espiritual autêntica-, mas entram também as virtudes e o modo de melhorá-las (fé, caridade, paciência, firmeza, temperança, constância, etc.), bem como os defeitos (vaidade, preguiça, ira, inveja, desordem sensual, etc.) e o modo de vencê-los; e ainda o esforço por santificar a família, por achar Deus no trabalho, por levar Deus a outras almas, etc, etc. Em suma, entra tudo quanto nos ajuda a procurar a santidade e o apostolado no dia-a-dia.
Como fazer a leitura espiritual?
1) Antes de mais nada, é preciso convencer-se da sua necessidade e tomar a decisão de fazê-la, sempre que possível, diariamente.
2) Ao tomar essa decisão deverá ter em conta:
a) Primeiro: que é importante escolher o melhor momento do dia – o “seu” melhor momento -para essa leitura. Antes do café da manhã? No escritório, antes de começar o trabalho? No começo da tarde (hora que pode ser útil para estudantes, para algumas mães de família…)? Ao visitar uma igreja, antes de voltar para casa? No ônibus ou no metrô, desde que possa sentar-se? Pense, tire experiências, e defina.
b) Pense que será mais fácil definir o horário, se tiver consciência de que a leitura não precisa ser longa: ordinariamente bastam dez ou quinze minutos para tirar bom fruto dessa prática espiritual. Vivendo-a com constância, em pouco tempo terá lido, e aproveitado, mais livros bons do que imagina.
c) É importante que você defina – volto a dizer – o lugar, o momento e a duração dessa leitura espiritual. E acrescento um conselho, fruto da experiência: se você definir dez minutos de leitura, faça sempre dez minutos como “norma”, nunca menos. Caso queira esticar essa leitura por mais tempo, ou deseje ler mais em outra hora, não há problema, mas considere isso como “leitura extra”. É só em relação ao seu programa diário, aos seus dez ou quinze minutos, que deve se sentir comprometido, com sincera exigência.
d) Escolha bem, em cada momento, o livro de leitura espiritual. Para isso, é muito útil pedir conselho a uma pessoa de critério que conheça a sua alma e as lutas da sua vida. Em todo o caso, sempre que possível, procure ler um livro que vá ao encontro das suas necessidades espirituais daquela temporada.
e) Uma vez definido o livro, leia-o devagar, pausadamente, em sequência, e do começo ao fim (lendo, relendo, refletindo, rezando). Quem borboleteia nas leituras, “debicando” por curiosidade pedacinhos de vários livros ao mesmo tempo, sem completar nenhum, tira pouco proveito e permanece superficial na sua vida interior.
f) Não importa quanto tempo demorar a terminar um livro, mesmo que seja breve. Também não importa, antes pelo contrário, reler vários dias em seguida os mesmos trechos do livro, se a sua intenção é assim gravá-los melhor, para tirar deles mais fruto. Um livro bom pode ser relido todos os anos (por exemplo, um clássico sobre a Paixão de Cristo, no tempo da Quaresma; ou um bom livro sobre Nossa Senhora, em Maio, mês de Maria).
g) Depois da leitura diária, ao fechar o livro e pergunte-se: O que foi que eu li, o que compreendi, o que me ficou mais gravado?
3. É muito bom ter o desejo de conhecer (de ler) as obras clássicas de espiritualidade, que têm ajudado inúmeras pessoas a se aproximarem de Deus e a melhorar. Como diz São Josemaria: «A leitura tem feito muitos santos» (Caminho, n. 116). Para ter ideia de que tipo de livros estou falando, vou citar alguns, apenas alguns, dentre os mais conhecidos:
─ Tomás de Kempis: A imitação de Cristo
─ São Francisco de Sales: Introdução à vida devota (também chamado Filotéia), Tratado do Amor de Deus (mais “teológico”)
─ Santo Afonso Maria de Ligório: A oração, A prática do amor a Jesus Cristo, As glórias de Maria
─ Santa Teresa de Lisieux (Santa Teresinha): História de uma alma (também chamadoManuscritos autobiográficos)
─ Santa Teresa de Ávila: O livro da vida, Caminho de perfeição
─ Santa Catarina de Sena: O diálogo
E muitos outros, que agora seria impossível citar, além de numerosas obras excelentes de autores antigos e contemporâneos, que podem fazer um bem imenso à nossa alma. Pesquise, pergunte, consulte a quem lhe puder dar um bom conselho. Acredite na leitura espiritual. A ela se pode aplicar perfeitamente o dito de Jesus: Pelos seus frutos os conhecereis (Mt 7,16).
4. Mas, antes de encerrar esta conversa, queria dar dois esclarecimentos:
a) Não confunda a «leitura espiritual» com a «oração mental» (ou a «meditação»). É muito frequente o engano de pessoas que utilizam determinados livros para fazer a sua oração mental (ou a sua meditação), e acham que com isso estão fazendo leitura espiritual. Misturam e confundem conceitos diferentes. Veja o que já dissemos a respeito da oração e da meditação. Para a oração mental ou meditação, cada dia, se quiser, você pode escolher à vontade textos de livros diferentes, os que achar que lhe podem servir de apoio para meditar sobre a sua vida e “falar com Deus”. A «leitura espiritual», porém, como acabamos de ver, é coisa diferente: trata-se de ler em sequência, quase que de “estudar” um livro inteiro, completo, que garanta o aprofundamento da sua formação. Não esqueça essa distinção;
b) Há outras leituras, que também nos fazem muito bem; mais ainda, que nos fazem muita falta: as que nos proporcionam formação doutrinal. Entre elas, podem-se destacar os catecismos: desde o Primeiro Catecismo ou o Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, até o próprio Catecismo da Igreja Católica, amplo, profundo, excelente, ainda que exige certo preparo doutrinário para entendê-lo bem. Um bom livro de teologia para leigos, que não hesito em recomendar, é a obra do americano Leo Trese, A fé explicada; excelente, pedagógico e claro. Em bastantes casos, pode ser usado também como “leitura espiritual”.
Todos deveríamos achar algum tempo (não precisa ser diário, pode ser semanal, mais longo nas férias) para ler obras doutrinais. Hoje, num mundo de ideias confusas, é uma necessidade vital.
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