A fecundidade espiritual de se acolher uma criança abandonada pode vencer de modo avassalador qualquer esterilidade físicaNo tocante à paternidade e à maternidade, muitas sociedades mundo afora têm adotado legislações apresentadas como “conquistas de direitos” e “progressos sociais”: barrigas de aluguel, seleção de embriões ao estilo eugenista, fecundação artificial focada em proporcionar a “experiência” de gerar um filho, entre outras práticas que costumam despertar importantes discussões no âmbito da ética.
Não estamos falando de tratamentos para casais que enfrentam algum problema solucionável de fertilidade: estamos falando de casos em que a natureza simplesmente não prevê a concepção, mas, nos quais, mesmo assim, insiste-se nela mediante procedimentos invasivos e motivados por angústias pessoais.
Ao mesmo tempo em que muitos desses casos reduzem a bênção de conceber, gerar e dar à luz um filho à mera realização de um capricho teimoso, continua mal abordada e mal divulgada a questão urgente de motivar e desburocratizar as adoções de crianças que já nasceram e que continuam experimentando o trauma do abandono à medida que o tempo passa e nenhuma família se torna a sua família.
Aliás, não são poucas as famílias que optam pela inseminação artificial, homóloga ou heteróloga, precisamente porque a burocracia impõe altos custos e tempos de espera absurdamente longos para quem deseja adotar uma criança.
Neste panorama, é premente continuar expondo a urgência de tornar a adoção um processo mais sensato e humano tanto para as crianças sem família quanto para os casais desejosos de lhes dar, finalmente, o tão almejado lar.
Isto por um lado. Por outro, é igualmente urgente reconhecer e desmascarar a mentalidade relativista e egocêntrica do nosso tempo, que não quer admitir que a adoção é a resposta natural e mais sublime à dor da infecundidade biológica.
É de se perguntar com honestidade e objetividade: por que cada vez mais casais escolhem a fertilização in vitro em vez da adoção?
Parte da resposta está, sim, na burocracia insustentável que obstaculiza as adoções; outra parte está, sem dúvida, no desejo perfeitamente compreensível de gerar uma vida; mas outra parte, de peso cada vez maior, está na mentalidade, imposta pela cultura relativista e egoísta do nosso tempo, de que adotar uma criança não é “suficientemente belo e realizador” para os futuros pais. Nessa mentalidade, ter um filho não é tanto uma bênção quanto um “direito” – e esse “direito” é líquido o bastante para se diferenciar cada vez menos do puro e simples capricho.
Na realidade, a fecundidade espiritual de se acolher uma criança abandonada pode vencer de modo avassalador qualquer esterilidade física, além de ressaltar algo que a “paternidade/maternidade por capricho” corre um altíssimo risco de negligenciar: o fato de que ser pai e mãe vai muito além da geração.
Quando um homem e uma mulher adotam uma criança, eles recordam a si mesmos e ao mundo que um filho é um presente a ser acolhido, não apenas uma extensão da própria biologia a ser gerada a todo custo.
Eles testemunham que a cruz da infertilidade biológica, para o casal, e do trauma do abandono, para as crianças sem família, pode se transformar em luz de ressurreição dentro de um lar fecundo, vocacionado a acolher, amar, educar e compartilhar uma vida de modo pleno e realizador.
Recordar ao mundo a beleza da adoção faz parte da missão de todos nós, adeptos da cultura da vida e do encontro. E, muitas vezes, essa fértil lembrança é tudo o que falta para levar luz e decisão a um casal que enfrenta os dilemas e as angústias da infertilidade física.