É graças aos leigos que a fé em Cristo se implantou e resiste no povo coreano apesar de perseguições devastadorasA Igreja celebra no dia 20 de setembro os santos André Kim e seus 102 companheiros mártires da Coreia.
Sim, você leu certo: nada menos que 103 mártires, que foram canonizados por São João Paulo II em 1984, durante a sua viagem apostólica à Coreia do Sul.
A peculiar história da fé cristã na Coreia
Hoje estamos tristemente acostumados com a existência de duas Coreias, mas nem sempre foi assim. O país já foi um só. E, na sua história religiosa, a Coreia constitui uma interessantíssima peculiaridade quanto à “modalidade” de evangelização que recebeu: os primeiros missionários do país não eram membros do clero, mas sim leigos!
Enquanto a maior parte do Oriente começou a ser evangelizada por sacerdotes e religiosos enviados em missão pelas suas respectivas ordens, a Coreia viveu um processo diferente. No século XVII, membros da nobreza coreana entraram em contato com o catolicismo durante viagens à China e ao Japão. A fé já tinha criado raízes em ambos aqueles países. Com base no que tinham observado e aprendido sobre o catolicismo em livros escritos em chinês, aqueles nobres coreanos tentaram praticar essa mesma fé recém-descoberta ao retornarem à Coreia. Um deles, Yi Seung-hun, foi batizado em Pequim e voltou para casa em 1784 para fundar uma comunidade cristã. Este é o evento que marca o estabelecimento da Igreja católica na Coreia.
Mas o catolicismo não teve um começo fácil no país. O governo, influenciado pela ideologia do neoconfucionismo, se opôs à fé cristã. A crença católica de que todos os seres humanos possuem dignidade igual era vista como uma ameaça para o sistema hierárquico social. Além disso, era considerado crime ter contato com estrangeiros. Esta lei significava, portanto, que as comunicações entre os católicos coreanos e o vigário apostólico de Pequim eram nada menos que “criminosas”.
As consequências dessa hostilidade a Cristo são fáceis de imaginar – afinal, esse quadro se repete na história desde o próprio Cristo… Estima-se que cerca de 10.000 católicos foram martirizados na Coreia só durante aquela perseguição, que durou mais de 100 anos. Demorou até 1895 para que o país finalmente reconhecesse a liberdade de religião – e ela voltaria a ser suprimida brutalmente na atual Coreia do Norte assim que o regime comunista foi imposto ao sofrido povo daquela nação, persistindo essa realidade até hoje (e com um número de católicos assassinados que ainda não é possível conhecer ao certo).
Foi nesse contexto de perseguição e martírio que nasceu André.
Santo André Kim Tae-Gon
Santo André Kim Tae-Gon nasceu em Solmoe em 1821, de família nobre. Quando ainda era criança, sua família se mudou para Kolbaemasil a fim de fugir da perseguição. Seu pai, Santo Inácio Kim, foi martirizado em 1839.
André foi batizado aos 15 anos e, algum tempo depois, entrou no seminário de Macau, na China. Foi ordenado sacerdote em 1845 em Xangai, tornando-se o primeiro sacerdote católico nascido na Coreia.
Quando voltou à sua terra para tentar facilitar a entrada de missionários no país, reencontrou a mãe mendigando por comida.
Apesar do quadro de extrema adversidade, André se dedicou a difundir a fé cristã na Coreia pregando o Evangelho e batizando as pessoas que se convertiam por intermédio das suas palavras e do seu testemunho.
Por mais que fosse prudente visando não ser descoberto, André acabou preso quando tentou levar missionários franceses da China para a Coreia. Depois de alguns meses no cárcere, ele enfrentou a pena de morte por decapitação em 1846. Enquanto entregava a alma às mãos de Deus e partia rumo ao Seu abraço eterno, Santo André Kim Tae-Gon declarou:
“Minha vida imortal está em seu ponto inicial. Convertam-se ao cristianismo se desejarem a felicidade depois da morte”.
Com ele, os perseguidores ainda executaram outros 102 cristãos, também canonizados pela Igreja por terem morrido mártires em nome de Cristo.
E não são os únicos: em agosto de 2014, durante a sua viagem apostólica à Coreia do Sul, o Papa Francisco ainda beatificaria mais 124 mártires do país: o beato Paulo Yun Ji-chung e seus 123 companheiros.
A história insiste em não aprender que, desde os primórdios da Igreja, “o sangue dos mártires é semente de cristãos“.