Numa noite de 1929, a ideia de que Deus existia acabou vencendo. Foi um primeiro grande golpe para LewisHá pouco mais meio século, em 22 de novembro de 1963, morreu Clive Staples Lewis, aos 64 anos, em The Kilns, sua casa no bairro residencial de Headington Quarry, na cidade de Risinghurst, próxima de Oxford.
Ele era admirado como especialista em literatura medieval e renascentista, além de amado, ou pelo menos respeitado por todos, como apologista cristão de primeira categoria. Porém, a mídia lhe reservou pouco espaço no dia de sua morte, dada sua coincidência com o assassinato do presidente dos Estados Unidos, John Fitzgerald Kennedy (1917-1963), em Dallas (Texas).
Lewis dedicou muito tempo, durante sua adolescência, juventude e início da vida adulta, a dar as costas para Deus. Seus notáveis talentos intelectuais foram empregados na elaboração de uma filosofia situada entre o agnosticismo cínico e o ateísmo consciente, em nome de um racionalismo árido que o fazia considerar as realidades da fé com arrogância e que procedia do que, mais tarde, Lewis definiria como “a mãe luciferina de todos os pecados”: o orgulho.
O estudo das literaturas e das mitologias com as quais, à espera inconsciente da epifania do verdadeiro Deus, o homem arcaico e os povos antigos se esforçavam por representar um vínculo fundamental com o transcendente, o fascinava fortemente no âmbito estético, mas ao mesmo tempo reforçava nele a certeza de que a religião não era senão uma mera invenção do homem. A complexidade de Deus era simples demais dessa forma – com a simplicidade que é própria dos humildes e dos pequenos – para um intelecto tão elevado como o seu.
Mas chegou um dia diferente. Ou melhor, uma noite.
Lewis estava há anos lecionando na prestigiosa Universidade de Oxford. Em 1925, chegou a ser professor titular. Lá, ele tinha sido devidamente alertado contra os dois maiores perigos que poderia encontrar: os “papistas”, ou seja, os católicos, e os filólogos, isto é, aquelas pessoas acostumadas a desentranhar, aprofundar, buscar raízes de tudo, chamando as coisas pelo seu nome. Nesse mesmo ano, chegou a Oxford um novo colega, que era ambas as coisas. Seu nome era J. R. R. Tolkien (1892-1973).
Tolkien era católico desde a infância, graças à sua mãe, Mabel Suffield (1870-1904), que se converteu ao catolicismo em uma situação difícil. Já filólogo, ele era por profissão e paixão. Duas realidades obviamente diferentes, mas que, em Tolkien, estavam intimamente unidas, uma comunicando a outra, e sua confiança na palavra do homem sublimando-se na adoração do Verbo encarnado.
Lewis aprendeu a vencer seus temores e tornou-se um grande amigo de Tolkien, mas ainda sem baixar a guarda. Porém, numa noite de 1929, a ideia de que Deus existia acabou vencendo. Foi um primeiro grande golpe, mas sua ideia de Deus era teórica demais.
Em 9 de setembro de 1931, Lewis convidou dois grandes amigos para jantar: o católico Tolkien e o anglicano Hugo Dyson (1876-1975), professor de literatura. Como de costume, ficaram até tarde discutindo, especulando e bebendo. Depois saíram para dar um passeio à luz da lua, ao longo dessa avenida arborizada que oferece um dos passeios mais belos, chamado Addison’s Walk. A discussão foi se acalorando, exaltando os ânimos, até que a paixão inflamou os três amigos.
Tolkien apresentava seus argumentos, repletos de imagens ricas, sugestivas e cativantes, apoiado habilmente por Dyson, com Lewis na defensiva. Para Lewis, Deus existia, mas ainda era como um belo conto e só. Tolkien, que era o mestre dos contos, decidiu contar-lhe uma história, a maior, a melhor, a mais poderosa e também a mais perfeita, desde o momento em que, além de ser verdadeira no âmbito mítico, era mais ainda no âmbito real da história e da concreção: Tolkien lhe falou do Evangelho, do mythos que com o logos torna-se carne nele, em um ponto preciso do tempo e do espaço, de uma vez por todas e para sempre.
Os três amigos haviam chegado perto de uma árvore, uma árvore que ainda existe no Addison’s Walk. Uma brisa repentina os envolveu, e então Lewis, Tolkien e Dyson se sentiram abraçados por algo superior, em uma beleza jamais experimentada.
Não sabemos com exatidão as palavras ditas naquela noite memorável. Dos argumentos de Tolkien, há algo exposto no suntuoso ensaio “Sobre os contos de fadas”, de 1937. Já na autobiografia de Lewis, “Surpreendido pela alegria”, de 1955, a página mais comovente é aquela em que ele recorda essa noite de 1929, na qual se rendeu, e então, o convertido mais rebelde de toda a Inglaterra, caiu de joelhos e rezou, reconhecendo que Deus é Deus. A este capítulo, ele deu o nome de “O início”.
Podemos imaginar que o que ocorreu após esse passeio noturno com Tolkien e Dyson talvez seja um conto de fadas real.
(Artigo de Marco Respinti, publicado originalmente em La Nuova Bussola Quotidiana)