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A luta dos mexicanos para reconstruir a vida um mês após o terremoto

BALL

Marko Vombergar-ALETEIA

Agências de Notícias - publicado em 19/10/17

Como sair para trabalhar em um escritório sem um terno para vestir? Onde os jovens vão estudar se a sua biblioteca foi destruída? Essas e muitas outras perguntas continuam atormentando os mexicanos um mês depois do terremoto devastador que sacudiu a Cidade do México.

Muitas pessoas que perderam tudo continuam batalhando para reconstruir suas vidas, enquanto o governo tenta elaborar um censo de afetados pelo sismo de 7,1 graus que deixou 369 mortos.

– Saias e gravatas para seguir em frente –

Em pleno coração do bairro Roma, uma das zonas mais atingidas, um grupo de amigas transformou uma galeria de arte na “Boutique Con Causa”, repleta de ternos, vestidos e até acessórios em perfeito estado para as milhares de pessoas que no terremoto perderam tudo, exceto o seu trabalho, mas que estão sem uma muda de roupa para sair.

Jesús Domínguez, de 31 anos, tenta decidir entre um paletó xadrez que está um pouco justo nas mangas ou outro azul que teria que ajustar no comprimento. Mal consegue falar.

“É uma situação muito incômoda, desesperadora”, comenta este funcionário de uma livraria médica, que se declara irremediavelmente “triste e decaído” desde que o seu apartamento foi fechado por ordem das autoridades por conta do perigo de desabamento.

A “Boutique Con Causa” atende a uma média de 20 afetados por dia, os quais “têm vergonha de vir, mas saem sorrindo”, comenta Jenny Tapia, uma das voluntárias do local.

– Livros castigados –

A rua Amsterdã, no bairro vizinho de Condesa, foi uma das mais atingidas pelo terremoto, com o desabamento de um edifício de 21 andares onde viviam inúmeros intelectuais e artistas.

Perto dali, uma casa colonial, que há anos serviu de albergue para poetas e jornalistas perseguidos ou exilados, improvisou suas instalações como um abrigo para mais de 2.000 livros resgatados daquele prédio.

“Estiveram muito tempo debaixo de chuva, entre as pedras, saíram fungos neles, estão muito danificados”, comenta à AFP Marlene Fautsch, da Secretaria de Cultura da Cidade do México.

“O que fazemos é diagnosticá-los, curá-los. Queremos devolvê-los aos donos”, assegura.

Entre essas páginas ficaram arquivados vestígios íntimos das vítimas, muitas delas mortas ou ainda convalescentes em hospitais: cartas de amor, ensaios fotográficos, receitas de cozinha, desenhos feitos por crianças que retratam uma família feliz e até pergaminhos egípcios.

“É como uma arqueologia de todas as vidas que estavam ali”, descreve Fautsch.

No quarto onde há anos o escritor britânico-iraniano Salman Rushdie se refugiou, as colunas de livros “feridos” se empilham.

De um lado, dois bibliotecários da Universidade Nacional Autônoma do México, vestindo jalecos brancos, luvas e máscaras, limpam detalhadamente as “Obras completas” de Jorge Luis Borges ou receitas de culinária.

Diversos donos dos livros ficaram “muito comovidos” ao saber que seus tesouros sobreviveram ao tremor, conta Carlos Ramírez, um dos bibliotecários.

– Museu sob os escombros –

Nos humildes bairros de Xochimilco, no sul da capital, região catalogada pela Unesco como patrimônio da humanidade por seus canais aquáticos que têm em suas margens ‘chinampas’, canteiros flutuantes, Jaime Tirso Pérez permanece velando – noite e dia – os escombros de sua “Casa de Cultura Atlapulco”, para onde inúmeros jovens iam para fazer tarefas e socializar.

Com a ajuda de sua esposa, este professor aposentado de 72 anos recolheu neste local mais de 3.000 livros, figuras pré-hispânicas, fotografias históricas e inúmeros documentos sobre esta área.

Mas o terremoto derrubou esta casa de mais de 200 anos, deixando suas relíquias expostas à chuva, à poeira e aos ladrões.

“Veja o que pode ser resgatado com a ajuda do povo, mas não contamos com ferramentas suficientes para retirar o teto, por exemplo”, conta Pérez, conhecido como “El Profe” em todo o bairro.

– 32 anos de esquecimento –

Desde o terrível sismo de 19 de setembro de 1985, que deixou cerca de 10.000 mortos, Alfredo Villegas vive em um dos 260 alojamentos provisórios cedidos pelo governo mexicano para os que ficaram sem nada. Medem seis por três metros e são feitos com placas metálicas.

Em um dos corredores labirínticos do local, Villegas, de 36 anos, relembra que chegou lá aos quatro anos, e desde então sua vida se adaptou, “mas não acostumou”, às dificuldades: “há doenças constantes (…) porque as lâminas ficam muito frias no inverno” e nas épocas de calor se tornaram “fornos de humanos”.

O governo “não nos permite contratar luz nem água” neste abrigo onde há famílias de até quatro gerações, denuncia.

Quando Ana Lilia Durán chegou, ainda criança, pensou que sua vida no local em breve seria uma anedota. Mas o tempo passou e o governo não a realocou em uma casa.

“Nos deixaram no esquecimento, já se passaram 32 anos. Espero que não aconteça o mesmo com eles”, comenta sobre os novos danificados deixados pelo terremoto de 19 de setembro deste ano, muitos dos quais vivem em casas de campanha fora de seus lares.

O sismo deste ano trouxe a Durán uma sensação conhecida. “Foi muito forte. Tivemos que ficar de pé nos pórticos das casas porque os cabos [de energia] podiam cair em cima de nós”, descreveu.

(AFP)

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