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O risco de se apaixonar pelas ideias

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Miriam Diez Bosch - publicado em 03/11/17

Como o ser humano constrói ideias sobre a perfeição e luta para adequar tudo a essa construção mental

Letícia Soberón, psicóloga mexicana e doutora em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Gregoriana e Fundadora do Innovation Center for Collaborative Intelligence, explica que é a nossa maneira de ver o mundo que nos permite encarar o dia a dia e “agir de maneira coerente”. Mas, nesse dia a dia, muitas vezes uns demonizam os outros e as ideologias se sobrepõem às pessoas.

“O ser humano tem muitas formas de construir ideias sobre a perfeição, de lutar para adequar todo o possível a essa construção mental. De fato, não há quase ninguém que não tenha uma imagem da perfeição que deseja, tanto individual quanto coletivamente”, explica a doutora, que passou décadas na Santa Sé, trabalhando em assuntos de comunicação.

Esse fato, a pesar dos riscos, pode ainda ser considerado “uma situação que afunda o indivíduo num desacordo interminável com a realidade” e um “descontentamento profundo”, que não desaparece até que ele seja capaz de questionar – pelo menos um pouco – as próprias ideias e incorporar novos elementos ao seu pensamento.

Mas isso não é fácil. Nosso modo de ver o mundo nos permite encarar o dia a dia e agir de maneira coerente. Por isso – explica a doutora – quanto mais simples e esclarecido for nosso sistema ideológico e de crenças, mais fácil será assumi-lo e mais difícil será para nós sermos críticos com eles.

“As crenças e as ideologias podem se enraizar tanto na cabeça quanto no coração das pessoas e se converterem em fanatismo”. Essa maneira apaixonada, acrítica e primária de se aderir a afirmações é que nos permite nos colocarmos em situações de julgar como inadequados todos aqueles que não compartilham das mesmas ideias e crenças.

José Lázaro, em seu livro A violência dos fanáticos, diz que não há atos mais mortais do que aqueles cometidos por pessoas que têm crenças fanáticas, pois suas próprias ideias são convertidas em paradigmas que devem ser seguidos por todo mundo.

Por isso, não se assassinam poucas pessoas – como nos crimes passionais -, mas se aniquilam todos os que não pensam como o fanático. Há inúmeros exemplos históricos dramáticos disso no século XX, mas esse comportamento esteve presente em toda a história. Precisamos ficar alertas ao perigo.

Soberón acredita que “os fanatismos são uma maneira de escapar dos próprios limites” e os da própria “tribo”, seja ela qual for. Eles também se transformam em uma fonte de perfeição obrigatória: “ou você é como eu e pensa como eu ou você não merece viver”.

A banalização do mundo faz com que ele se divida em “bons e maus”.

O núcleo da construção do inimigo é a desumanização: o outro é um ser anônimo, sem rosto e sem individualidade. Somente uma ameaça. Em sua forma mais extrema, essa é a lógica terrorista.

Citando o psiquiatra Enrique Baca, “o inimigo é construído sistematicamente”. E o processo é mais ou menos assim:

  • Os líderes políticos e os líderes de opinião insistem sobre as grandes diferenças entre o próprio grupo e o do adversário. O adversário é descrito como uma ameaça para a família, o modo de vida, os filhos a pátria etc.
  • O próprio grupo é tido como vítima dessa ameaça. As qualidades do outro grupo são generalizadas, o adversário é desumanizado e se transforma em inimigo; cada vez há menos de pessoal e mais de caricatural. Então, esse já não é mais um sujeito de diálogo, por isso deve ser destruído.

A lógica da perfeição obrigatória para todos acaba sendo uma fonte de sofrimento, violência e segregação social: nem todos os seres humanos são obrigados a buscar a perfeição da mesma maneira – e é cruel impor um só paradigma, fora do qual não há vida digna de ser chamada de humana.

Essas ideias de Soberón foram compartilhadas no site Ámbit Maria Corral (em espanhol).

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IdeologiaTerrorismo
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