Precisamos de uma sociedade sem tolice e com valores
“Ninguém está livre de dizer tolices; o imperdoável é dizê-las solenemente” (Michael Montaigne escreveu no século XVI)
Solenemente, estão se afirmando tantas coisas, estão dando tantos juízos de valor, que provam, exclusivamente, uma sociedade insatisfeita, desregrada e, o que é pior, tendenciosamente “tola”. Quando permitimos que o consenso se torne ponto de partida para afirmar uma verdade, estamos dando espaço à criação de um ambiente completamente inumano e incoerente.
A sociedade, hoje, compraz-se em citar a liquidez de Bauman, a operacionalidade econômica de Quesnay, Gournay e Smith estes três os pais do neoliberalismo econômico, as propostas artísticas de Warhol ou a proposta mística de Bob Marley. Diga-se de passagem, não tenho nada contra as propostas e as grandezas de todos e cada um deles, só me pergunto: onde está a sua densidade, profundidade e perpetuidade na história da humanidade.
Valorizar o ser humano
A humanidade do século XXI está perdendo o verdadeiro “cheiro” do seu ser mais humano, da sua grandeza e beleza: o ser pessoa. Estamos assistindo, diariamente, a uma realidade que desconstrói, anarquiza e desordena o ser mais íntimo, profundo e perpétuo da história: a pessoa.
Todos os dias, a informação que nos chega é dos “indivíduos” anônimos, twitados, curtidos, e o simplesmente visualizados do momento. O termo “viral” se adapta, exclusivamente, a essa realidade. Isso causa profunda dor! Não somos mais conhecidos, somos simplesmente acessados, e o acesso que tem a nós não provem do contato, mas do mero reconhecimento gráfico. Todos falam de uma nova época. Qual é a novidade dessa tão proclamada mudança? Onde se encontra essa novidade?
Eu já recebi o primeiro anúncio, já recebi os sacramentos da iniciação cristã. Pela graça de Deus, recebi o sacramento da ordem, e recebo, constantemente, o sacramento da reconciliação duas vezes na minha vida, recebi a unção dos enfermos. Tudo isso faz parte da verdadeira Boa Nova, razão pela qual meu Instagram não é funcional, pois minha imagem, cada vez mais, tenta se parecer com a imagem d’Aquele a quem sigo e, talvez por isso, eu sinta tanta dor. Não é repúdio nem raiva, é dor.
Uma sociedade com valores
A imoralidade à qual temos chegado não é diferente daquela que a humanidade sempre tem vivido. Nossa imoralidade e falta de verdade tem sustentado inteiras civilizações, grupos e movimentos históricos. Na hora em que uma pessoa é capaz de desconhecer a outra, o primeiro se anula para anular o segundo.
Na sociedade do espetáculo, aquilo que está valendo não é a fantasia ou a imaginação, o que vale é o show acompanhado do escândalo, da atitude impudica e obcecada de querer por fogo em tudo o que tenha algum valor, alguma tradição. Queimam livros sagrados, editam vídeos ofensivos, destroem símbolos pátrios, realizam motins, expõem intimidades, agridem por intolerância, propõem situações nada humanas, enfim acaba com a pessoa.
O valor que está pagando essa sociedade do espetáculo é muito alto! Só que a retribuição que obterá também trará consigo um preço de incalculável destruição. Vejo boa vontade em muitas pessoas, mas vejo agressão excessiva! Nossa vocação de discípulos nasce de um gesto que é o mais forte de todos os outros gestos humanos: a ternura!
Que tal, no lugar de produzir vídeos violentos e virulentos, produzíssemos textos e vídeos de esperança e alegria? No lugar de postar pessoas em cenas eróticas, apresentássemos irmãos e irmãs que esperam carinho ao serem abrigados nas ruas.
No lugar de movimentar toda uma nação para assistir, em 5 minutos, a uma cena de alta audiência onde alguém se descobre transexual, pudéssemos dispor de horas e mais horas para ir ao encontro delas e acolhê-las como o mesmo Senhor as acolheria.
No lugar de queimar cartões de crédito e promover a discórdia, praticássemos a caridade e solidariedade com os pobres e famintos.
No lugar de falar em “cura gay”, falássemos em evangelização da sexualidade e acabássemos com a prostituição infantil, juvenil e adulta, sobretudo com o turismo sexual que elimina o olhar inocente de uma criança.
Valores cristãos
Nossa vida moral nasce do seguimento a Ele: Jesus Cristo. Uma moral das bem-aventuranças, do encontro e do relacionamento, uma moral objetiva, que reconhece a pessoa em toda sua complexidade, uma moral das virtudes e não dos valores, uma moral que tem como primazia a caridade. Vamos mudar o “cheiro” da nossa sociedade, vamos esparzir o cheiro do Cristo, deixar de lado tanta agressividade e praticar muito mais a pedagogia da ternura.
Padre Rafael Solano (artigo publicado em Canção Nova)