Entender essa passagem é essencial para a nossa vida cristãConhecemos bem a história. Logo que concebeu em seu ventre virginal a Jesus, Maria se coloca a caminho da casa de sua prima Isabel, grávida de João Batista, para servi-la durante alguns meses. O Evangelho de Lucas diz que ela foi apressadamente fazer essa viagem. Qual era a pressa de Maria? O que a movia para essa empreitada difícil que o Evangelho nos narra? Essa passagem, considerada com calma, nos remete ao mais essencial da nossa vida Cristã.
Farei uma comparação, simplesmente com o intuito de tentar esclarecer um pouco mais o que penso ser essencial nessa passagem. Parece que vamos sair do assunto, mas prometo que voltaremos mais adiante e, espero, de forma mais profunda.
O filósofo alemão Friedrich Nietzsche nos fala, em seu livro “Assim Falou Zaratustra”, de uma lua. “Ontem a lua, ao nascer, pareceu-me que ia dar à luz um sol: tão avultada e prenhe jazia no horizonte”. É uma bela imagem. Quem nunca se surpreendeu em um entardecer ao ver a lua maior e com uma cor mais intensa do que a de costume? Pareceria que dela nasceria o sol, de tão vermelha que estava. Logo depois, no entanto, o filósofo se decepciona com sua lua. “Mentia, porém, com sua prenhez”. E observamos no céu que a lua vai diminuindo e perdendo essa cor intensa.
Zaratustra se decepciona porque a Lua parece que vai trazer algo grandioso, mas acaba não trazendo nada de novo. Essa é uma crítica profunda a todos que creem possuir a verdade, um esquema de valores que seguir tão perfeito que não dá espaços para a dúvida, para o contato real com a vida, com suas dores, com suas contradições. E, ao meu ver, é uma crítica que atinge muita gente hoje em dia, que parecem viver no mundo das ideias, sem um contato real com a vida encarnada.
Voltemos agora a Maria. Na tradição da Igreja, ela é muito comparada com a Lua, porque reflete a luz do Sol. Em nossa passagem, no entanto, ela não está apenas refletindo a luz, mas a carregando dentro de si. Assim como a Lua de Zaratustra, parece que vai explodir de felicidade, trazendo uma Boa Nova. A diferença é que Maria não nos decepciona. Ela vai apressadamente até sua prima porque não pode conter apenas para si tamanha alegria. Prova disso são as palavras que saem de sua boca com voz forte: “Minha alma glorifica ao Senhor, meu espírito; exulta de alegria em Deus, meu Salvador, porque olhou para sua pobre serva” (LC 1, 46-47).
E porque isso é tão essencial para a nossa vida cristã? Porque todos nós passamos pela mesma experiência quando nos encontramos com Jesus vivo, que sai ao nosso encontro. Ele, de certa forma, se encarna em nós. E é isso que estamos esperando nesse tempo de Advento, que Ele venha mais uma vez até os nossos corações, que faça aí sua morada. Aquele que se encontra com Jesus, assim como Maria, experimenta essa necessidade de se colocar a serviço dos outros. A figura é muito interessante porque podemos nos perguntar porque Maria não foi para uma praça pública e anunciou aquilo que lhe acontecera? Poderia ter feito isso. Mas seu impulso é colocar-se a serviço silencioso de sua prima que necessitava.
É um modo de entender a vida cristã muito pertinente nos dias de hoje. Ao experimentar-se amada, Maria se coloca a serviço, que é onde o amor se faz concreto. Muita gente se pergunta como fazer para viver a vida cristã concretamente. E acabam muitas vezes pensando que precisam fazer loucuras, colocar-se um monte de regras, ler um monte de livros, fazer milhões de atos de piedade. Quando o essencial mesmo talvez seja ter a atitude de Maria. Que não é fácil, implica renuncias, mas que é fundamentalmente servir ao próximo, amando-o como fruto desse amor de Deus.
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