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Papa recebe refém que engravidou de jihadista estuprador e fugiu salvando os filhos

Rebecca e Bitrus vítimas Boko Haram

Ajuda à Igreja que Sofre

Francisco Vêneto - publicado em 23/02/18

“Eu nunca deixei de ter confiança em Deus”: o testemunho estarrecedor da jovem Rebecca, de 28 anos, sobrevivente do inferno

Nesta quinta-feira, 22 de fevereiro, aconteceu em Roma um encontro organizado pela fundação pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (AIS) em favor dos cristãos perseguidos no mundo.

Entre os participantes estava a jovem cristã nigeriana Rebecca Bitrus, de 28 anos, que foi refém durante 2 anos do sanguinário grupo jihadista Boko Haram, o mesmo bando de fanáticos que sequestrou de uma só vez quase 300 meninas de uma escola de Chibok, no interior da Nigéria, em abril de 2014, e que cometeu outras dezenas de raptos grupais, além de incontáveis chacinas e ataques covardes contra aldeias majoritariamente cristãs do nordeste do país ao longo dos últimos anos.

O chocante suplício de uma mãe

Quando foi sequestrada e apartada do marido, Rebecca já tinha dois filhos, Zacharias, de 3 anos, e Jonathan, de 1, e esperava o terceiro. Submetida a longos e torturantes trajetos por mata, rios e até pelo grande Lago Chade, na problemática fronteira entre Nigéria, Níger, Chade e Camarões, a família viveu o indescritível. Rebecca perdeu o bebê em gestação devido às condições desumanas que foi obrigada a enfrentar.

Foi vendida como escrava a pelo menos dois “amos” vinculados ao Boko Haram. Para tentar afastá-los e impedi-los de estuprá-la, Rebecca chegava a esfregar as fezes dos filhos no próprio corpo. Em represália, seus “donos” a deixavam dias à míngua e a torturavam, tanto mediante trabalhos braçais devastadores (ela foi forçada, por exemplo, a cavar um buraco durante 3 semanas até encontrar água) quanto mediante punições brutais (durante um período de cativeiro, ela foi açoitada diariamente com 98 chibatadas a fim de “ser disciplinada” e deixar-se submeter).

Gravemente doente, Rebecca foi separada das crianças e, horror dos horrores, assistiu desesperada e impotente ao assassinato do filhinho Jonathan, o caçula, que foi jogado ao Lago Chade para morrer afogado.

Em depressão profunda, Rebecca e o filho Zacharias foram entregues a um segundo “proprietário”, chamado Malla, também militante do Boko Haram, que a estuprou várias vezes. Rebecca ficou grávida desse terrorista. Desesperada, tentou forçar um aborto, mas outra refém, que já tinha dado à luz dois filhos também gerados em estupros, a encorajou a ter o bebê, que de nada tinha culpa. Rebecca quase morreu de fome durante a gestação e, no dia em que deu à luz, não contou com nenhuma ajuda de quem quer que fosse. Ela mesma, sozinha e urrando de dor, rompeu a própria placenta. Os terroristas chamaram o bebê de Ibrahim. Estavam satisfeitos porque era um menino.

A fuga do inferno

Durante o período sob o “senhorio” de Malla, que se ausentava longamente com os outros jihadistas, Rebecca testemunhou tentativas de fuga de outros prisioneiros. As tentativas acabavam ou com a morte dos prófugos ou com castigos selvagens: foi o caso de um homem chamado Benjamin, da tribo nigeriana igbo, que teve as duas pernas quebradas de tanto ser espancado. Cristãos eram mortos por se recusarem a renegar a fé e unir-se ao islã. Todos eram forçados a acompanhar os jihadistas que permaneciam no local durante as suas “orações” diárias: das 7h às 10h, das 12h às 14h e das 16h às 18h. Entre “orações”, torturas e assassinatos covardes, mais horror: meninas de míseros 8 ou 9 anos eram estupradas, muitas delas até a morte.

Foi numa data religiosa islâmica, durante a ausência de grande parte dos jihadistas, que Rebecca percebeu uma rara, embora arriscadíssima, oportunidade de fugir do cativeiro. Ela correu. Levava consigo, não sabe como, Zacharias e Ibrahim. E correu mais. Foram seis dias de aterradora fuga pelas matas e rios rumo à fronteira nigeriana, que mal sabia para que lado ficava. Por falta de comida e água, as crianças adoeceram. Rebecca não desistia.

Não menos que por obra inexplicável da Providência, considera ela, os três foram um dia encontrados por soldados dos exércitos do Níger e dos Estados Unidos. Passados alguns dias de recuperação, a família foi entregue aos cuidados de soldados da Nigéria em Damaturu. Finalmente, Rebecca e os filhos seriam levados até Bitrus, seu marido, em Maiduguri, a cidade onde antes viviam.

O inocente “filho da cobra”

Bitrus convivera durante todos aqueles meses com a depressão, com a angústia de não saber nada da mulher nem dos filhos e, principalmente, com o remorso de não ter protegido Rebecca durante o ataque dos sequestradores do Boko Haram. Agora, ele a reencontrava trazendo a notícia da morte horrível do caçula Jonathan, do bebê que ainda levava no ventre quando foi sequestrada e… do nascimento de um novo filho, inocente – mas bastardo, gerado por um terrorista estuprador.

“Ver a minha esposa com o filho de um pai do Boko Haram me assusta muito. Eu fiquei muito feliz com a volta dela, mas aquela criança corta o meu coração. Que Deus me ajude a amá-lo… Um filho de uma cobra…”

A própria Rebecca confessa que, apesar do amor pelo filhinho inocente, experimenta sentimentos desencontrados, que vão da angústia e do horror ao remorso e à compaixão. Ela tentou entregar o bebê aos cuidados do governo quando ele tinha 8 meses, mas foi orientada a continuar a amamentá-lo.

A família passou a receber assistência material, psicológica e espiritual da Diocese Católica de Maiduguri, guiada pelo bispo dom Oliver Dashe Doeme. Há na diocese um campo de desabrigados com cerca de outras 500 pessoas em situação semelhante, com dramas e traumas semelhantes ou talvez piores, se é que cabe.

Sobrevivente de tamanho inferno, Rebecca testemunhou nesta quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018, em Roma:

“Eu nunca deixei de ter confiança em Deus”.

Pelos cristão martirizados em pleno século XXI

Neste sábado, 24 de fevereiro, o Coliseu será iluminado de vermelho para recordar o sangue dos mártires cristãos em todo o planeta. Serão iluminadas também a catedral maronita de Santo Elias, em Aleppo, na Síria, e a igreja de São Paulo, em Mossul, no Iraque, outros países brutalmente martirizados em nossos tempos.

Para essas jornadas de oração pela paz e de luta contra a perseguição religiosa no mundo, também estão em Roma o esposo e a filha caçula de Asia Bibi, a mãe de família católica presa no corredor da morte do Paquistão há quase 10 anos. Outra refém do inferno, Asia Bibi foi condenada sem provas pela acusação de “blasfemar contra o islã”, gerando indignação e mobilização de centenas de associações de todo o planeta em sua defesa. O governo e o judiciário do Paquistão, porém, têm insistido em manter a injusta e assassina sentença. Saiba mais sobre a saga de Asia Bibi acessando este artigo.

Rebecca e os familiares de Asia Bibi são apenas três dos incontáveis representantes do martírio que está sendo imposto a milhões de cristãos no mundo todo em pleno terceiro milênio, sob o covarde e criminosamente omisso silêncio da maior parte da mídia mundial, das organizações internacionais e dos governos do falsamente autodenominado “mundo livre”.

Os três serão recebidos pessoalmente pelo Papa Francisco neste sábado, no Vaticano.

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