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“Quem nos casou foi o padre Fulano”: esta afirmação está mesmo errada?

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Reportagem local - publicado em 27/02/18
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Há católicos que corrigem quem fala assim, recordando algo fundamental sobre o matrimônio – mas, muitas vezes, o barulho é exageradoÉ muito comum ouvir frases como “Quem nos casou foi o padre Fulano”. E também é muito comum ouvir católicos responderem que “O padre Fulano não casou ninguém: quem se casou foram os noivos“.

Quem tem razão?

Essa discussão, normalmente, gira em torno do termo “casar”. Só que, em vez de se discutir apenas sobre o termo, é preciso distinguir qual é o conceito a que esse termo se refere.

Vamos então considerar a questão a partir de 3 pontos de vista: o da doutrina católica, o da língua portuguesa e o da lógica clássica.

1 – Do ponto de vista da doutrina católica

O ministro de qualquer um dos 7 sacramentos da Igreja é a pessoa que faz com que o sacramento se realize. No caso da Eucaristia, por exemplo, o ministro é o sacerdote. No caso da ordem sacerdotal, o ministro é o bispo. Já no caso do matrimônio, os ministros são, realmente, os próprios esposos. O Catecismo da Igreja Católica nos explica:

1623 – Segundo a tradição latina, são os esposos quem, como ministros da graça de Cristo, mutuamente se conferem o sacramento do matrimônio, ao exprimirem, perante a Igreja, o seu consentimento.

É isto mesmo: no caso do matrimônio, o diácono, o padre, o bispo ou mesmo o Papa é apenas uma testemunha qualificada, por parte da Igreja, do sacramento conferido pelos próprios noivos um ao outro. O Catecismo prossegue:

1630 – O sacerdote (ou o diácono) que assiste à celebração do matrimônio recebe o consentimento dos esposos em nome da Igreja e dá a bênção da Igreja. A presença do ministro da Igreja (bem como das testemunhas) exprime visivelmente que o matrimônio é uma realidade eclesial.

É correto e oportuno, portanto, afirmar que “o padre Fulano não casou ninguém”, desde que fique bem claro que o sentido deste verbo, neste caso específico, é o de “ministrar o sacramento do matrimônio”: de fato, o padre foi apenas testemunha e quem se casou foram os noivos.

Ainda assim, afirmações como “O padre Sicrano casou a Fulana e o Beltrano” não estão necessariamente erradas.

É que o verbo “casar” não tem somente um significado. E aqui passamos para o nosso segundo ponto de vista:

2 – Do ponto de vista da língua portuguesa

Para ficarmos só nos dicionários da língua portuguesa que podem ser consultados gratuitamente via internet e que são reconhecidos como fontes confiáveis, o Aulete e o Priberam mencionam, respectivamente, sete e quatro significados do verbo “casar” – sendo que ambos os dicionários citam o de “unir(se) em matrimônio” como um desses possíveis significados. O Aulete exemplifica:

Aquele padre já casou muita gente. Ela vai (se) casar com Bruno. Nós nos casamos em março. Ele ainda não casou. Casei-me há dois meses.

Ou seja, a frase “O padre Sicrano casou a Fulana e o Beltrano” é um exemplo de português perfeitamente correto.

Se a maioria dos católicos não compreende que o padre Sicrano não foi o verdadeiro ministro do sacramento, aí já entramos em outra discussão – e a culpa dessa falta de entendimento não é do vocabulário, mas da má catequese oferecida em grande parte das paróquias.

3 – Do ponto de vista da lógica

Já que enveredamos pelo mundo fascinante da comunicação, não custa aproveitar para dar uma passada pelos domínios da lógica e recordar a importância de distinguirmos entre o “termo” e os “conceitos” que um termo pode indicar.

Um exemplo simpático: no Brasil, o termo “gato” se refere primariamente a uma espécie de felino, que é o macho da gata e o pai dos gatinhos; mas também pode se referir a uma instalação clandestina de energia elétrica ou de TV por assinatura, além de ser ainda uma gíria que significa “homem bonito”. Ou seja, um mesmo termo, “gato”, pode indicar três conceitos que nada têm a ver um com o outro: é o contexto o que deixará claro qual é o sentido que se pretende dar ao termo em cada caso – e sem maiores dramas.

No universo católico, o termo “consagrar” é um exemplo clássico. O seu significado original é o de “tornar sagrado”. No entanto, esse mesmo verbo também costuma ser usado no sentido de “dedicar”, “oferecer”, “devotar”. Se alguém diz que “consagrou a sua família a Nossa Senhora”, evidentemente não está querendo dizer que tornou a sua família sagrada do mesmo jeito que um sacerdote consagra um altar, e, muito menos, do mesmo jeito que Jesus consagrou a Eucaristia.

Conclusão

No tocante às já “consagradas” conotações populares do verbo “casar”, a legítima preocupação católica não deveria ser a de impor restrições improcedentes (e até patéticas) sobre o significado e a extensão do termo, mas sim a de esclarecer o verdadeiro conceito católico envolvido nele.

Quando se entende quem são os ministros deste sacramento, não há nenhum grave problema com o emprego do verbo “casar” na conotação de “presidir a cerimônia religiosa na qual um homem e uma mulher ministram a si próprios o sacramento do matrimônio”.

Tudo é questão de se definir com mais clareza qual é o conceito que se quer expressar.