Ao receber em audiência no Vaticano uma delegação de 400 salvadorenhos no dia 30 de outubro de 2015, o Papa Francisco fez uma declaração veemente:
“Quantas vezes, pessoas que já deram a vida ou que morreram continuam sendo apedrejadas com a pedra mais dura que existe no mundo: a língua!”
Ele falava sobre Dom Oscar Romero. E prosseguiu:
“Eu gostaria de acrescentar algo que talvez passe despercebido. O martírio de Dom Romero não foi pontual no momento da sua morte: foi um martírio-testemunho, sofrimento anterior, perseguição anterior, até a morte. Ele foi difamado, caluniado, sujado, já que o seu martírio foi continuado inclusive por irmãos dele no sacerdócio, no episcopado”.
O Papa fez esses comentários no final do discurso oficial, improvisando e arrancando sonoros aplausos. E arrematou:
“Não digo isso por ter ouvido falar. Eu escutei essas coisas. Eu era sacerdote jovem e fui testemunha disso”.
Entre os ouvintes havia uma comitiva guiada por seis bispos salvadorenhos que tinham ido a Roma para agradecer ao Papa Francisco pela beatificação de dom Oscar Arnulfo Romero, ocorrida em maio de 2015.
O Papa continuou:
“Agora acredito que quase mais ninguém se atreva, mas, depois de ter dado a vida, ele continuou a dá-la, deixando-se açoitar por todas essas incompreensões e calúnias. Isso me dá forças, só Deus sabe. Só Deus sabe as histórias das pessoas e, quantas vezes, pessoas que já deram a vida ou que morreram continuam sendo apedrejadas com a pedra mais dura que existe no mundo: a língua!”.
Sangue de mártires, semente de cristãos
Desde o início da vida da Igreja, nós, cristãos, “sempre tivemos a convicção de que o sangue dos mártires é semente de cristãos, como diz Tertuliano”, recordou Francisco, acrescentando que “mártir não se nasce”. Mesmo hoje, há cristãos mártires que continuam derramando o sangue e representando “uma abundante messe de santidade, justiça, reconciliação e amor de Deus”. Ser mártir “é uma graça que o Senhor concede e que concerne de certo modo a todos os batizados”.
Dar a vida, porém, significa mais que ser assassinado. O Pontífice recordou palavras do próprio Dom Romero ao comentar:
“Dar a vida não significa apenas ser assassinados; dar a vida, ter espírito de martírio, é entregá-la no dever, no silêncio, na oração, no cumprimento honesto do dever; no silêncio da vida cotidiana; dar a vida pouco a pouco”.
Perfil de Dom Romero
No início do discurso, o Papa tinha definido assim o beato Romero:
“Um pastor bom, cheio de amor de Deus e próximo dos seus irmãos, que, vivendo o dinamismo das bem-aventuranças, chegou até a entrega da sua vida de maneira violenta, enquanto celebrava a Eucaristia, Sacrifício do amor supremo, selando com o próprio sangue o Evangelho que anunciava”.
Por defender a “opção preferencial pelos pobres”, Dom Romero foi acusado de alinhamento com a teologia da libertação de inspiração marxista, corrente que, no entanto, ele próprio condenava. Para saber mais sobre isto, acesse o seguinte artigo: Dom Oscar Romero era adepto da teologia da libertação?
O perfil de Dom Romero “constitui um estímulo para uma renovada proclamação do Evangelho de Jesus Cristo”, prosseguiu Francisco ao mencionar a situação de El Salvador, país assolado por grande violência entre gangues: “terrível tragédia do sofrimento de tantos dos nossos irmãos por causa do ódio, da violência e da injustiça”.
Naquele outubro de 2015, a delegação salvadorenha entregou ao Bispo de Roma um relicário com o escapulário de Nossa Senhora do Carmo e um fragmento do corporal ensanguentado do bispo e mártir Dom Oscar Romero. Participaram da audiência com o Papa Francisco muitos salvadorenhos residentes na Itália, além de bispos, sacerdotes, religiosos e seminaristas.
Canonização
Em março de 2018, o Papa Francisco autorizou a Congregação das Causas dos Santos a promulgar os decretos que reconhecem os milagres atribuídos à intercessão dos hoje beatos Papa Paulo VI e Dom Oscar Romero, para que sejam canonizados.